Emilly Laís – UJR/SC
O mês de dezembro foi devastador para o estado baiano que sofreu grandes impactos em decorrência das fortes chuvas. No boletim emitido pela Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (SUDEC), atualizado no dia 12 de janeiro, o estado possuía 175 municípios em situação de emergência, com um total de 856.917 pessoas atingidas pelas chuvas, contabilizando ainda, 26 mortos e 523 feridos.
Os acumulados de chuva em dezembro de 2021 ultrapassaram, e muito, a média histórica de todo o mês, sendo considerado o dezembro mais chuvoso há pelo menos quinze anos, favorecendo, inclusive, o rompimento de duas barragens no estado. O mês de janeiro também foi marcado por episódios de chuvas extremas, menos intensas do que em dezembro, mas ainda assim, foram registrados transtornos e prejuízos em quase todo o estado, principalmente nas áreas onde o solo já apresentava instabilidade.
Já no mês de fevereiro, o município de Petrópolis, localizado na Região Serrana do Rio de Janeiro, entrou em estado de calamidade pública após as fortes chuvas que devastaram a cidade. A tragédia ultrapassou o número de 180 óbitos, com dezenas de vítimas ainda desaparecidas. Somente no Morro da Oficina, majoritariamente ocupado por pessoas de baixa renda, mais de 80 casas foram soterradas. Após estudos realizados em 2007, o Morro da Oficina já havia sido considerado uma área de alto risco para deslizamento de terra, sendo alvo de processos de regularização fundiária que jamais saíram do papel.
Nos anos de 1979, 1988, 2001, 2011 e 2013 a cidade também foi palco de fortes tempestades, ocasionando em todos os eventos dezenas de mortes, além de milhares de pessoas desabrigadas e feridas. Mais de quarenta anos se passaram e, mais uma vez, o que restou para a população local foi a procura dos corpos de amigos e familiares por debaixo dos escombros.
A presença do fenômeno La Niña – quando a temperatura do mar no oceano Pacífico sofre um resfriamento abaixo da média e configura anomalias na precipitação do território brasileiro – já havia sido anunciado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), o que indicaria um aumento significativo das chances de um período mais chuvoso em algumas regiões do Brasil. No início de novembro, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), sabendo dos sistemas atmosféricos que provocariam as chuvas, alertou sobre a previsão de extrema de instabilidade atmosférica para o final do ano de 2021, indicando que os totais poderiam superar os 100 mm por dia em algumas localidades da Bahia.
A grande mídia, pronunciou após os desastres que a precipitação atingiu cinco vezes mais do que o esperado, no entanto, a chuva era esperada e prevista para o período sim! Já se é sabido que a natureza do clima se manifesta em sua variabilidade de eventos extremos, seja nos casos de escassez ou nos casos de excesso hídrico. Desse modo, mesmo que o clima possa vir a ser classificado a partir de valores médios, eventualmente ocorrem episódios de “mais chuvas do que o esperado”. Pois, se os avanços tecnológicos permitem conhecer e prever os fenômenos climáticos, naturalizar os impactos ocorridos após as chuvas significa desconsiderar os efeitos da relação contraditória entre a sociedade e a natureza.
Se as previsões já indicavam a ocorrência de eventos extremos, porque os governos dos Estados não tomaram previamente medidas que pudessem minimizar os danos?
A questão não gira em torno de responsabilizar os sujeitos envolvidos, mas de entender que o atual modelo de sociedade não é capaz de atender às nossas necessidades reais. Essa lógica de produção coloca como imperativo o lucro acima de qualquer custo, modelando as cidades contemporâneas, e isso não constitui uma falta de planejamento, mas sim, um projeto político, pois a desigualdade sócio-espacial não é apenas um efeito paralelo do fenômeno urbano, ela é condição de existência necessária do capitalismo. Assim, a condição de vulnerabilidade diante do impacto meteorológico, vai estar diretamente associada àquelas populações que foram designadas a ocupar as periferias da cidade, ou seja, os lugares naturalmente mais suscetíveis e perigosos.
O cheiro agradável que molha a terra e refresca é um sentimento limitado para as áreas onde o metro quadrado vale mais dentro da cidade. Nas vielas da favela, o medo é protagonista, medo da água que cai do céu inundar a comunidade, ou mesmo de levar, feito avalanche o lar e a vida, daqueles que tiveram o seu direito à uma habitação segura dentro da cidade negado.
Já não é mais possível admitir que a ocorrência de impactos ambientais pode ser superada por vias tecnológicas, uma vez reconhecido que as políticas são definidas e delimitadas pelas relações de poder, neste caso, a técnica constitui apenas um instrumento para a gestão do território. Repensar a nossa relação com a natureza atravessa, necessariamente, a luta de classes.
Precisamos nos organizar, transformar nossas cidades, para colocar na ordem do dia um planejamento que considere a dinâmica da natureza em uma relação harmoniosa com nossas necessidades reais, a fim de superar o campo da sobrevivência para que a cidade possa se tornar, enfim, um espaço de convivência.
Olá, boa tarde! Muito obrigado pela leitura lucida e crítica. Eu vivo no estado de Rondônia, onde estamos em período de chuvas da Amazônia, e semanas atrás, muitas cidade daqui foram literalmente inundadas pela cheia de alguns rios, e o rastro de destruição é alarmante.
Nestes dias, eu participei do conselho superior da universidade onde trabalho, e muitos conselheiros, cegos das notícias hegemônicas, atribuíram a destruição a chuvas. Fiquei um tanto ofendido com a falta de um olhar mais de totalidade e tive que me manifestar. Disse, que a chuvas não são e nunca foram as causas das cheias e destruição aqui no norte e nem em lugar algum, como Petrópolis, por exemplo, mas de políticas públicas que destruiu as florestas assoreando os rios, e da especulação imobiliária que obrigou os empobrecidos a se alojarem em lugares que os mercenários do mercado de imóveis não querem, e além disso, de uma estado aliado ao agronegócio e a interesses privados, que vê o acesso a cidade, e dignidade humano como coisa de mercado, ou pior, que este espaço geográfico e as pessoas, não servem além de mão de obra barata, logo, pôr a culpa nos eventos climáticos, além de ser uma bandidagem, é uma opção política. Após esta fala, o conselho se falou!
Após o episódio de chuva e deslizamentos em São Sebastião (SP), voltei a essa matéria que, mesmo sendo sobre outros casos, diz muito sobre os contextos gerais em que estas tragédias acontecem. Na minha cabeça não deixo de pensar o quanto é urgente uma série de políticas profundas de replanejamento urbano, de construção de moradias populares, reflorestamento, etc. Algo que até o momento, nenhum governo fez. Certamente porque algo nessa magnitude só seja possível para uma economia socialista. Por isso tô com a autora que ao final escreve sobre a necessidade de, pela luta, conquistar as mudanças que precisamos.