10 anos após a aprovação da PEC das Domésticas, apesar de a lei estabelecer direitos trabalhistas básicos usufruídos pelos demais trabalhadores celetistas, muitas ainda não têm acesso a essas garantias.
Alice Wakai, Larissa Mayumi e Mayara Fagundes | São Paulo
MULHERES – Dia 27 de abril é reconhecido como o Dia da Empregada Doméstica no Brasil. Desde a abolição da escravatura, no século 19, até a conquista por direitos trabalhistas, em 2013, com a Emenda Constitucional 72 e a Lei Complementar nº 150, em 2015, foram mais de 200 anos de muita luta destas trabalhadoras, que estão entre as mais exploradas da nossa sociedade. Mas, apesar de a lei estabelecer direitos trabalhistas básicos usufruídos pelos demais trabalhadores celetistas, muitas ainda não têm acesso a essas garantias.
Atualmente, existem cerca de seis milhões de trabalhadoras domésticas no Brasil, contudo, somente 25% estavam registradas em 2022. Ou seja, a grande maioria delas ainda estava sem carteira assinada, portanto, sem garantia de direitos básicos como férias, 13º salário e FGTS. Além das jornadas excessivas, das horas-extras não pagas, dos baixos salários, da falta de segurança e da discriminação.
De acordo com o Dieese, as mulheres representam 92% da categoria no nosso país, sendo 65% delas, negras, majoritariamente com mais de 40 anos de idade. Mesmo entre aqueles que possuem registro em carteira, nos últimos dez anos, a renda média subiu apenas 3,21%, de R$1.434, no início da década, para R$1.480, em 2022. Considerando somente os trabalhadores domésticos informais, a renda ainda continua abaixo de mil reais, com média de R$ 907, em 2022.
Vale lembrar que a categoria foi uma das mais vulnerabilizadas na pandemia de Covid-19, já que, ou as trabalhadoras eram demitidas e ficavam sem fonte de renda ou eram obrigadas a romper com o isolamento social e, consequentemente, mais expostas a contrair a doença. Segundo o Instituto Locomotiva (2020), cerca de 40% dos patrões dispensaram diaristas sem pagamento algum. Estima-se que mais de um milhão de postos de trabalho no setor tenham sido destruídos no Brasil no período.
O terror das patroas
Laudelina de Campos Melo, a Dona Nina, que lutou pelos direitos das domésticas por 70 anos, veio de uma família de ex-escravizados: sua mãe foi alforriada pela Lei do Ventre Livre (1871) e ela própria trabalhou como doméstica desde os sete anos para que a mãe pudesse trabalhar fora. Essa história não é uma situação isolada, uma vez que muitas mulheres de famílias de ex-escravizados encontraram no trabalho doméstico sua única forma de sobreviver.
Mas Laudelina não abaixou a cabeça diante da superexploração a que ela e muitas mulheres, em sua maioria mulheres negras, estavam submetidas e é exemplo para a luta das mulheres e para o movimento sindical. Desde os 16 anos, Laudelina não apenas se envolveu, mas liderou movimentos e organizações que lutaram por direitos trabalhistas para as trabalhadoras domésticas, como a Frente Negra Brasileira e a Associação de Trabalhadoras Domésticas do Brasil, além de ter atuado na luta por uma sociedade mais justa para o povo, organizando-se no Partido Comunista Brasileiro.
Em 1961, morando em Campinas (SP), fundou a Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas, desenvolvendo diversas atividades, especialmente cursos de alfabetização e de conhecimento da legislação trabalhista. A Associação inspirou outras associações, no Rio de Janeiro e em São Paulo, que mais tarde dariam origem aos Sindicatos dos Trabalhadores Domésticos.
Durante a ditadura militar, Dona Nina continuou atuando e integrando diversos espaços de luta, como as pastorais e comunidades eclesiais. Inclusive, foi chamada de “terror das patroas” pelo então ministro do Trabalho do ditador Costa e Silva, Jarbas Passarinho.
Histórico de desafios e conquistas
A história de luta das domésticas começou com a escravização e nunca mais terminou. Quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi criada, em 1943, as domésticas foram excluídas e, só em 1972, tiveram seus primeiros direitos atendidos, como carteira assinada e previdência social, porém com diversas restrições.
Em 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal, conquistaram salário mínimo, irredutibilidade de salário, 13º salário com base na remuneração integral, repouso semanal remunerado, férias anuais remuneradas com um terço a mais, licença maternidade, licença paternidade, aviso prévio, aposentadoria por idade, tempo de contribuição e invalidez.
Depois, em 2001, as domésticas tiveram, pela primeira vez, o direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego. Em 2006, elas conquistaram o descanso semanal remunerado aos domingos e feriados, pagamento em dobro do trabalho em feriados civis e religiosos, 30 dias corridos de férias, garantia de emprego à gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto e vedação de descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, higiene, vestuário e moradia.
Lembremos do exemplo de Dona Nina, de que a organização e a luta podem mudar a vida do nosso povo. Para avançarmos ainda mais, é imprescindível que os trabalhadores e as trabalhadoras se sindicalizem e sigam denunciando e combatendo as inúmeras injustiças e a exploração.
Lutemos por uma sociedade em que as tarefas domésticas não sejam tratadas como tarefas individuais e do âmbito privado, como acontece na sociedade capitalista, que desvalorizam o trabalho do cuidado doméstico e dos filhos, que recaem principalmente sob os ombros das mulheres.
Por isso, chamamos a todas as empregadas domésticas, mães, trabalhadoras, a lutar por lavanderias coletivas, restaurantes comunitários e por uma sociedade que vise ao bem-estar das pessoas, e não ao lucro, uma sociedade socialista.
Matéria publicada na edição impressa nº 269 do Jornal A Verdade.