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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Lições dos dez anos das Jornadas de Junho de 2013

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Devemos aprender com a história do nosso país para obtermos uma nova correlação de forças favorável à esquerda, à classe trabalhadora e ao povo. Ela não virá de alianças com o Centrão, do diálogo com a direita ou da ação meramente institucional. Virá das lutas populares, se forjarmos uma nova geração de militantes sociais que tenham como centro da sua ação as lutas, o enfrentamento, a mobilização popular e a radicalidade em sua essência.

Leonardo Pericles | Presidente nacional da UP


 

BRASIL – As gigantescas manifestações e as greves de junho e julho de 2013 não aconteceram por acaso. Aprofundar nossa análise sobre aquele momento histórico é fundamental nos marcos de seus dez anos.

Iniciamos analisando os governos do PT (2003-2016). Estes produziram grande expectativa para o povo. A vitória de Lula representou uma esperança de mudanças profundas para nosso povo, que vinha cansado de um longo período de governos neoliberais.

Já nos primeiros anos de governo, a economia crescia e o Brasil chegou a se tornar a quinta economia do mundo, mesmo tendo como base a dependência de exportações de produtos primários. O discurso do governo, reforçado pelos grandes meios de comunicação, era de que a maioria da população, naquele momento, passava a ser da classe média. Isso tudo acabou construindo no imaginário popular que caminhávamos para nos tornar um país “desenvolvido”.

No entanto, o modelo aplicado não rompeu nem com o neoliberalismo nem com a base da economia – a mesma desde o período colonial – de dependência e submissão aos países mais ricos. As políticas aplicadas reforçaram essa base econômica com privatizações de rodovias, aeroportos, poços de petróleo, ações de empresas estatais, fortalecimento do agronegócio, bancos e grandes empresas.

Uma política de conciliação de classes com a burguesia em troca de certos benefícios aos trabalhadores, como aumento real do salário mínimo, ações compensatórias, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. Assim, o consumo das famílias cresceu, reforçando, por um lado, o mercado capitalista e, por outro, gerando endividamento de milhões destas famílias.

Nessa “onda positiva”, o Brasil virou sede da Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016, ostentando gastos bilionários enquanto o povo começava a apertar o cinto novamente.

O aquecimento da economia leva a um aumento gigantesco no custo de vida nas grandes cidades, sobretudo em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Salvador, Recife, dentre outras.

Soma-se a esses fatores internos a crise econômica mundial1, que chega com mais força ao Brasil, impulsionada por crises políticas locais, levando ao esgotamento dos avanços promovidos pelos governos do PT.

As Jornadas de Junho

Neste cenário, eclodem as manifestações de milhões de pessoas nas “Jornadas de Junho de 2013”, que aconteceram principalmente durante a realização da Copa das Confederações, tendo a juventude um papel central, mas também com participação de variados setores sociais.

A luta pela redução das passagens no transporte coletivo toma corpo em São Paulo e ganho todo o Brasil, sendo vitoriosa em mais de 200 cidades do país, que reduziram os preços, fato omitido pela grande imprensa e pela maioria dos “analistas”. Esta, sem dúvida, foi, do ponto de vista das lutas econômicas, uma das maiores vitórias populares dos últimos anos.

Outra questão de extrema importância é que 2013 foi o ano com maior número de greves da história do Brasil, mais de duas mil no total, segundo o Dieese, e mobilizaram cerca de dois milhões de trabalhadores. Este fato ajuda a desmentir a tese de que a participação nas Jornadas de Junho e nos seus desdobramentos teriam sido apenas das classes médias da sociedade.

Importante ressaltar ainda que a maioria dessas greves foi realizada por cima das direções sindicais, feitas a partir da auto-organização dos trabalhadores e trabalhadoras contra a vontade de setores burocratizados do sindicalismo.

Por fim, a partir de toda essa ampla agitação política, movimentos populares se fortaleceram e, inclusive, chegaram, posteriormente, a fundar um novo partido de esquerda no Brasil, surgido de dentro desse processo, a Unidade Popular (UP).

O legado das Jornadas

Precisamos analisar duas questões importantes sobre os resultados políticos pós-Jornadas de Junho e seus efeitos até os dias atuais.

A primeira, é sobre o sentimento antissistema que boa parte da esquerda não soube como trabalhar, uma vez que se encontra incorporada a ele.

Presa nas suas limitações ideológicas pequeno-burguesas, com medo de perder o “pouquinho que têm”, esses setores não se jogaram para disputar a classe trabalhadora e os milhões de moradores e moradoras das periferias das grandes cidades. Ignorou suas reinvindicações, tratando-as com arrogância, e acabou contribuindo para que parcelas consideráveis fossem polarizados pela direita. Não perceberam que a mobilização de rua seria a forma de gerar pressão popular suficiente para enfrentar as classes dominantes e realizar mudanças estruturais.

A segunda, trata da análise da movimentação realizada pelas classes dominantes, que trataram de sequestrar e promover um verdadeiro apagamento das principais bandeiras das Jornadas de Junho. Setores como banqueiros, agronegócio, outros grandes empresários e, de forma determinante, os grandes meios de comunicação, contando também com o operativo do Centrão no Congresso Nacional, deram um golpe nas bandeiras das Jornadas de Junho. Exemplo:

  1. Mantendo os meios de transporte privados, ruins, caros e sem qualidade;
  2. Na política, com a implantação, em 2015, da chamada cláusula de barreira, que, na prática, impôs que os partidos continuariam basicamente os mesmos a governar, fortalecendo o Centrão, prejudicando o surgimento de alternativas realmente populares, reforçando o grande capital nos processos eleitorais;
  3. Fortalecendo os grandes meios de comunicação, que reproduzem basicamente a mesma linha editorial conservadora e neoliberal sobre os temas centrais do Brasil;

Esses fatores somados levaram ao golpe institucional de 2016, à retirada de direitos com a Reforma Trabalhista, da Previdência e o Teto de Gastos. Isso pavimentou o caminho do fascismo e da extrema-direita para chegar à Presidência da República, em 2018, e nos levou ao criminoso governo da fome, da miséria e do desemprego de Jair Bolsonaro.

Novos junhos virão

Para que seja possível mudar a vida da classe trabalhadora e do povo, é fundamental a revogação de todas essas medidas antipovo aprovadas nos últimos anos. No entanto, voltar ao estágio de antes do golpe de 2016 não é suficiente. Sem mudar profundamente o rumo que o Brasil tomou, as grandes causas populares das Jornadas de Junho de 2013 não podem ser realizadas.

“Não é só por 20 centavos”, como se dizia, à época, nas ruas. Nossas pautas apontam para grandes mudanças estruturais: investimentos massivos em saúde e educação; estatização do sistema de transporte; reforma urbana e agrária; auditoria da dívida pública; democratização dos meios de comunicação; punição aos torturadores e assassinos das ditaduras; ampliação da participação popular nas decisões políticas centrais; combate à violência, ao machismo, ao racismo e à LGBTfobia, dentre outras. Bandeiras só realizáveis dentro de um programa de base socialista.

Devemos aprender com a história do nosso próprio país para obtermos uma nova correlação de forças favorável à esquerda, à classe trabalhadora e ao povo. E ela não virá de alianças com o Centrão, não virá do diálogo com a direita e nem da ação meramente institucional. Virá das lutas populares, se forjarmos uma nova geração de militantes sociais que tenham como centro da sua ação as lutas, o enfrentamento, a mobilização popular e a radicalidade em sua essência, o compromisso com a população explorada e oprimida.

O que a atual conjuntura exige é coragem, muita ousadia e disposição para lutar! Como vemos, os problemas sociais que levaram às Jornadas de Junho de 2013 ainda não foram resolvidos. Portanto, a tendência é que aconteçam novamente levantes populares semelhantes. Os revolucionários, a esquerda real, precisam estar preparados e preparar os setores populares para este processo. Mãos à obra!

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