2,1 milhões de paulistas ficaram sem energia elétrica no último final de semana. Áreas atendidas por empresas públicas foram reestabilizadas mais rápido.
Lucas Marcelino | Redação São Paulo
BRASIL – Um ciclone extratropical atingiu o estado de São Paulo no último final de semana. Para além de ser um evento pouco comum na região e no país, o impacto sobre as mais de 2 milhões de residências que ficaram sem energia não são resultado de um desastre natural, mas sim de um desastre administrativo.
Serviço essencial em péssimas mãos
No Brasil, o sistema elétrico é de responsabilidade da União, que pode repassá-la para estados e munícipios. Foi o que aconteceu em São Paulo, com a criação da empresa estatal Eletropaulo, em 1981, que operou o sistema estadual até 1998.
Neste ano, o ex-governador Mario Covas desmembrou a empresa em quatro e realizou o leilão que, por apenas R$2,026 bilhões, entregou o controle da Eletropaulo Metropolitana – responsável pela distribuição de energia da cidade de São Paulo e da região metropolitana – para empresas estrangeiras.
Em 2018, sem nenhum controle do governo estadual, a empresa foi novamente leiloada por R$5,5 bilhões pela italiana ENEL, que adquiriu 73% das ações (hoje possui 100%) e atende 7,5 milhões de residências e 24 municípios da região. A empresa ainda presta serviços no Rio de Janeiro e Ceará.
A ENEL é uma empresa que tem parte de seu capital sob controle do Estado italiano, que indicou seu atual presidente. Ou seja, na prática a energia de São Paulo e parte do país saiu das mãos do Estado brasileiro para parar nas mãos de um país estrangeiro.
A empresa também atuava em Goiás, mas vendeu suas ações após diversas reclamações do governo pela baixa qualidade dos serviços prestados – quase um prenúncio do que viria a ocorrer em São Paulo.
Mas não foi só o governo de Goiás que reclamou. Em 2022, a ENEL teve a pior avaliação no ranking da Agência Nacional de Energia Elétrica entre as sete concessionárias que atende o Estado de São Paulo, além de ser a empresa com o maior número de reclamações no Estado do Ceará.
A empresa já passa por uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo e deverá sofrer outra ação na Câmara Municipal da capital paulista. Em 2019, o Ministério Público, Procon e IDEC já haviam questionado a empresa, que usou da mesma desculpa para tentar justificar os problemas de fornecimento: a queda de árvores.
Max Lins, presidente da ENEL em São Paulo afirmou novamente que “a vegetação é o principal ofensor” da rede elétrica. Em breve ele defenderá eliminar as árvores das cidades para não atrapalhar seus negócios.
Esse foi o argumento usado por outro presidente da empresa, que disse até mesmo que “não é para nos desculparmos, não, o vento foi absurdo” para tentar se eximir das suas responsabilidades.
Privatização dos lucros e socialização dos prejuízos
A verdade é que desde que assumiu a distribuição de energia a ENEL vem batendo recordes de lucros e seus acionistas podem viver tranquilamente sem a preocupação de passar uma noite sem energia ou ver a comida estragar na geladeira desligada, como ocorreu com milhares de pessoas nesta última semana.
Desde que assumiu o controle da empresa o lucro anual cresceu 80% e chegou a R$1,4 bilhão, em 2022. Nos nove primeiros meses de 2023, o lucro já passa de R$1,1 bilhão e é 28,1% maior do que no ano passado.
Mas como a empresa é privatizada, para o povo sobra o outro lado da moeda: tarifas altas, péssimo serviço prestado e diminuição no número de empregados. A quantidade total de trabalhadores da empresa é praticamente o mesmo desde 2019 (6,7 mil), mas a quantidade de trabalhadores diretos caiu 30,6% e, hoje, a maioria é formada por terceirizados – 2,4 mil contra 4,3 mil, respectivamente.
Privatizar é destruir o patrimônio público
A terceirização reduz os custos de operação da empresa ao diminuir os salários e os direitos trabalhistas e a responsabilidade da empresa contratante, que passa a culpar a empresa terceirizada pelos problemas.
É assim nos péssimos serviços de telefonia, eletricidade e em outros serviços públicos; mas também em empresas privadas como as vinícolas gaúchas Aurora, Garibaldi e Salton pegas com trabalho escravo na linha de produção e que tentaram responsabilizar as empresas terceirizadas para se livrar das punições.
Já a privatização é o primeiro passo para a entrega total das riquezas do povo brasileiro e para a piora dos serviços. A Vale do Rio Doce, privatizada na década de 90, se transformou na empresa responsável pela morte de centenas de pessoas e pelo maior crime ambiental da história brasileira. A ViaMobilidade vem destruindo a malha ferroviária de São Paulo e gerando caos no transporte público da maior cidade do país.
Esse é um dos motivos pelo qual os paulistas têm se mobilizado contra a privatização da SABESP, CPTM e do Metrô e que levou a uma grande greve com 100% de adesão dos funcionários no dia 03/10. Mas o governador fascista Tarcísio de Freitas (Republicanos) vem fazendo de tudo para desrespeitar a vontade do povo de São Paulo.
O sofrimento de centenas de milhares de famílias que ficaram quase uma semana sem poder tomar um banho quente ou usar equipamentos médicos por falta de energia deve tocar a toda a classe trabalhadora na luta pela reestatização das empresas públicas, contra a privatização da água e pela defesa de que a vida esteja acima do lucro.