Claudiane Lopes | Porto Alegre (RS)
O Projeto de Lei (PL) 478/2007, que cria o Estatuto do Nascituro, é discutido há 15 anos na Câmara dos Deputados. No final do ano passado, ele voltou à pauta na Comissão dos Direitos da Mulher a pedido de parlamentares conservadores. A votação, porém, foi adiada devido a um pedido de vistas apresentado pelas deputadas Sâmia Bomfim (Psol-SP), Vivi Reis (Psol-PA) e Erika Kokay (PT-DF). O PL pretende proibir o aborto no Brasil, inclusive em situações consideradas legais atualmente: em gestações causadas por estupro, casos de anencefalia ou quando há risco de morte da mulher.
Além da proibição do aborto em casos já estabelecidos pela legislação, o PL prevê: reconhecimento da paternidade de crianças resultantes de crimes de estupro; proibição de pesquisas com células tronco de embriões; instituição de bolsa para mulheres e meninas, vítimas de estupro, conhecida como “Bolsa Estupro”; além de conceder uma série de “direitos” jurídicos ao nascituro.
Quem defende esse projeto argumenta que é preciso garantir o direito desde a concepção de uma nova vida, por isso, criar direitos para o nascituro. No parecer, o relator da matéria, o deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), diz que o nascituro é o “indivíduo humano concebido, mas ainda não nascido”. Ou seja, nascituro seria um sinônimo para feto. Hoje, o Código Civil brasileiro prevê que o feto só possui direitos após o nascimento com vida. Esse Estatuto, muito além de subverter uma lógica de valor de vida, é violentador e faz parte de uma cultura do estupro em nosso país, que viola diariamente os direitos humanos e a liberdade sexual e reprodutiva de meninas e mulheres.
“A proposta é um retrocesso e uma violência sem tamanho contra mulheres e crianças. Ou seja, se aprovado, o Estatuto do Nascituro também irá contribuir para que as estatísticas de estupro diminuam, quando, na realidade, este é um crime que só aumenta no Brasil e que tem índices elevados de abuso sexual cometidos por pessoas conhecidas da vítima, atos que acontecem dentro de casa” – justifica Indira Xavier, da Coordenação Nacional do Movimento de Mulheres Olga Benário.
O Estatuto do Nascituro é um tema que merece ser abordado sob vários aspectos. É um assunto complexo e revela uma das mais profundas heranças misóginas de nossa sociedade patriarcal, capitalista e cristã. Isso quer dizer que querem manter os valores culturais seculares de dominação dos corpos das mulheres utilizando valores punitivos impostos na sociedade atual. Nesta perspectiva, é necessário interpretar os discursos hipócritas, pretensamente éticos e em defesa da vida. Um Projeto de Lei que reconhece a paternidade de crianças resultantes de estupro, transforma a brutalidade de uma violência sexual – um crime hediondo – em uma relação legal, apoiada pelo Estado.
Na prática, os falsos “defensores da vida” são a favor da implementação da “bolsa estupro” no país. Um absurdo! Garantir a possibilidade de paternidade ao estuprador, no Estatuto do Nascituro, é subjugar a integridade das mulheres e meninas, e mais, está contribuindo para a perpetuação da violência e da impunidade, uma vez que, ao serem vistos como “pais”, e não como estupradores, estes homens podem vir a contar com a benevolência de uma sociedade patriarcal, que culpabiliza as mulheres mesmo quando essas são as vítimas da violência sexual. Portanto, o Projeto de Lei expõe as mulheres e a sociedade a todos os tipos de violência impostas na sociedade machista que vivemos e constitui mais um crime contra as mulheres.
Matéria publicada na edição impressa nº 265 do jornal A Verdade