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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Governo do RS não quer dar casa para 40 mil pessoas que estão em abrigos

Anúncios dos governos de novas casas para pessoas que estão em abrigos no RS não atende demanda dos refugiados climáticos. Mais de um mês após o início das enchentes quase nada foi feito. 

Redação RS


BRASIL – Após mais de um mês das enchentes, o presente de milhares de famílias do Rio Grande do Sul é de tragédia e o futuro é totalmente incerto. Os números evidenciam o sofrimento do povo do RS: 175 pessoas mortas pelas enchentes; sete mortes confirmadas por leptospirose (dez óbitos seguem sob investigação); 581 mil desalojados e 40 mil que perderam suas casas e moram em abrigos precários.

O município de Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre, tem o maior número de pessoas em abrigos: 22 mil. Laura Lopes, 22 anos, estudante de História, mora no bairro de Mato Grande e foi uma das atingidas. “Quando chegou a sexta-feira, que foi o dia que começou tudo, eu estava em casa. Meus avós já estavam dormindo, quando escutei um barulho. Era minha mãe batendo com muita força na janela, chamando. Ela entrou e começou a falar pra gente arrumar nossas coisas e sair porque tinha passado um carro da Prefeitura avisando pra sair. Saímos e, na manhã seguinte, a gente deu uma olhada na nossa rua. Então voltamos pra casa”, ela relata. 

No dia 04 de maio, tocou de novo o alarme de evacuação no bairro e, desta vez, a família de Laura teve que sair levando algumas poucas coisas nas mochilas. Agora, as ruas estavam sem luz e sem água.

“A casa do nosso vizinho já estava alagando e a água já estava quase pelo joelho. Foi aí que percebemos que era realmente sério. Fomos para o abrigo do ginásio do LaSalle, que tinha uma boa estrutura. Mas, no primeiro dia, eram 700 pessoas, então era muito difícil. Eu passei três dias levantando, arrumando as coisas, correndo e indo para outro lugar. Fiquei de cama por uma semana, não tinha vontade de fazer nada. Eu não conseguia me alimentar. Outras pessoas também não estavam conseguindo se alimentar. A comida, às vezes, vinha fria ou as marmitas vinham com alguma coisa que a pessoa passava mal depois. E aí começaram a ter alguns casos de intoxicação alimentar. Então, quando a gente estava no abrigo, a gente nunca sabia como ia ser o dia de amanhã, se a água ia chegar, se a gente teria que fugir para outro lugar”, conta Laura.

O professor João Petry Gentil, 23 anos, morador de Bom Retiro do Sul, cidade que fica em uma região anualmente atingida pelas enchentes, conta o que está vivendo. “As casas nessa região já são construídas mais altas para a água não entrar. No ano passado, foi a primeira vez, em mais de 60 anos, que a água entrou dentro das casas, chegando até a metade. Algo que ninguém esperava. Na enchente deste ano, a água entrou dentro das casas, mas superou a do ano passado, cobrindo até o telhado. Ninguém acreditava que era possível. Foi uma cena de desespero e tristeza, perdemos praticamente tudo e, até o momento, não conseguimos retornar a nossas casas”.

João Petry é militante da Unidade Popular (UP) e, junto com os outros militantes da UP, ajuda as pessoas atingidas na limpeza de suas casas, fazendo distribuição de alimentos e produtos de limpeza. “Na visão de alguém que foi atingido diretamente pela enchente e que está envolvido também como voluntário, percebo que essa ajuda é fundamental, tanto para dar mantimentos, quanto para dar esperança. A solidariedade de classe é fundamental nesses momentos”.

Abandono dos desabrigados 

Na Zona Leste de Porto Alegre, o Movimento de Mulheres Olga Benario organizou um abrigo somente para mulheres e crianças. Ketlin Bastos, do bairro Arquipélago, da Ilha das Flores, estava com sua filha no abrigo da Brigada Militar e achou melhor ir para o abrigo só com mulheres. “Aqui somos bem tratadas, fazemos boas refeições, temos segurança, as pessoas não estão apenas doando coisas materiais, mas sim doando energia e muito carinho”.

Nos abrigos da Prefeitura de Porto Alegre, há muitos relatos sobre a desorganização e precariedade. Um dos abrigos mais problemáticos é o Centro Vida, na Zona Norte. Ele abriga mais de 600 pessoas em um único pavilhão, e 400 cachorros em outro ginásio.

“O telhado tem aberturas por onde passa muito vento à noite. É muito frio e, como não temos divisões internas, sentimos todo o vento. A gente começou a levantar pallets para tentar se proteger do vento, para conseguir dormir. Além disso, também existem as dificuldades para tomar banho, pois, apesar dos vários chuveiros, a maioria está estragada. Agora mesmo, só funcionam dois chuveiros quentes. Nesse frio, não tem como todos tomarem banho”, relata uma desabrigada.

As pessoas também reclamam da alimentação e falta de organização, pois as refeições atrasam e, a cada dia, é um horário diferente. É um descaso grande, particularmente com as crianças e os idosos, que estão passando por um verdadeiro pesadelo.

Na última semana, depois que a água baixou, muitas famílias voltaram para suas casas e estão limpando toda a lama que ficou acumulada.  Outras, querem voltar para onde moravam, mas os níveis de água ainda permanecem altos, com risco de novas inundações. E aqueles que perderam suas casas estão nos abrigos e não sabem se terão casas ou ficarão morando nos abrigos. As prefeituras e o governo falam em reconstrução, mas nenhuma casa foi construída até agora em todo o estado. Fato é que essas milhares de pessoas pertencem à classe trabalhadora, são pobres e não tem dinheiro para pagar um aluguel. Não há entre os milhares de desalojados e desabrigados, um só rico.

Desabrigados se organizam em abrigos para resistir à falta de ação do governo do RS na cessão de novas casas.
Já que o governo nada faz, o povo organizado garante apoio. JAV/RS

O futuro dos abrigos

No último dia 23 de maio, Porto Alegre viveu uma nova inundação. Choveu muito e alagou novamente vários bairros, além de outros que ainda não tinham sido atingidos. Assim, vários abrigos que estavam ameaçados de fechar pela cobrança da Prefeitura e do Governo do Estado, voltaram a ser ocupados. 

Diante desse caos, a proposta do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), é um escárnio:  fazer um alojamento no bairro de Porto Seco (Sambódromo) para abrigar 10 mil refugiados climáticos. Na prática, quer nos impor, um campo de concentração e garantir lucro para grandes empreiteiras. Acha o prefeito que o povo gaúcho não tem direito a morar dignamente, a ter uma casa, mas a viver num alojamento. 

Na verdade, mais de um mês após o início das enchentes e, até agora, quase nada foi feito. As ruas estão tomadas de lixo, móveis e eletrodomésticos que não funcionam mais. Os bairros mais pobres se transformaram em verdadeiros aterros a céu aberto. E ainda há bairros cobertos de águas, como Sarandi e Humaitá. O aumento de doenças, como leptospirose, dengue e Covid-19, e as Unidades Básicas de Saúde estão lotadas. Mas, prefeitos e governador só pensam nas eleições de outubro. 

A população dos abrigos continua sem perspectiva de recuperar ou ter suas casas em outro lugar, o governo e prefeituras do RS continuam sem dar perspectiva real do problema. Resta ao povo gaúcho avançar sua unidade, se organizar e exigir seus direitos. Não precisamos mais de governos dos ricos, queremos um governo dos pobres e pelos pobres, por isso, nossa luta é pelo poder popular.

Governo federal anuncia casas para parte dos desabrigados

Após o fechamento da edição nº 293 do Jornal A Verdade, o Governo Federal anunciou que comprará 2 mil imóveis através da Caixa Econômica Federal para destinar aos desabrigados. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou também que o governo federal irá comprar casas e apartamentos em construção através do Minha Casa, Minha Vida das faixas mais baixas, para destinar às famílias que estão em abrigos no RS.

Por sua vez, assim como o prefeito de Porto Alegre, o governador do RS, continua com a política de “casas provisórias” para a população dos abrigos. No último dia 7 de junho, o governador Eduardo Leite (PSDB) anunciou a destinação de 86 milhões de reais para a construção de 750 casas, sendo 250 definitivas e 500 provisórias.

Todos estes anúncios, no entanto, estão muito longe da necessidade real das dezenas de milhares de desabrigados e refugiados climáticos das enchentes do Rio Grande do Sul.

Matéria publicada na edição impressa nº 293 do Jornal A Verdade (primeira quinzena de junho de 2024).

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