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segunda-feira, 19 de maio de 2025

A canção de protesto de Nara Leão contra a Ditadura Militar Fascista

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Nara Leão foi uma das maiores cantoras e compositoras brasileiras. Rompeu com o movimento bossa nova e dedicou-se a uma arte comprometida com o povo, através do que ficou conhecido como canção de protesto, foi perseguida pelos militares.

Igor Barradas | Redação RJ


CULTURA – Em 19 de janeiro de 1942 nascia Nara Lofego Leão, cantora capixaba que em suas músicas defendeu uma sociedade com justiça social e sem exploração em meio a Ditadura Militar Fascista (1964-1985)

Ao longo de sua carreira, ela lançou mais de 20 discos e interpretou algumas das maiores canções da música brasileira. A história da vida de Nara Leão retrata um pessoa que se engajou com as causas sociais, rompeu com um padrão capitalista de produção de música e fez várias críticas ao exército burguês, chegando a ser perseguida pelos militares.

Origens de Nara

Nara nasceu no Espírito Santo, mas desembarcou no Rio de Janeiro com os pais e a irmã Danuza quando tinha 1 ano de idade. Filha de um advogado, cresceu em um amplo apartamento na Avenida Atlântica frequentado por nomes como João Gilberto, Roberto Menescal e João Donato, que escreveram na sala com vista para o mar canções que pavimentaram a Bossa Nova, como O Barquinho.

Esses artistas, começaram um movimento musical, segundo o escritor Ruy Castro: “era uma simplificação extrema da batida da escola de samba”, como se dela tivessem sido retirados todos os instrumentos e conservado apenas o tamborim. 

Rompimento com a bossa nova 

Nara, ao definir a bossa nova, dizia agora que “era uma música alienada”. A bossa nova tinha músicas que falavam sobre a vida da pequena-burguesia. Sempre citavam as vidas nas praias, contemplando o mar e a avistar barquinhos e não tinha muito mais para onde se expandir. Nunca citavam os problemas reais que o país passava na época.

Em uma passagem do início da carreira, Nara diz ter descoberto a existência da fome e da pobreza, e se revoltou em continuar entoando canções descoladas da realidade do povo brasileiro e das questões sociais.

Nara no CPC da UNE

Ainda neste período, também começou a gravar seu primeiro disco, Nara, lançado em 1964. Àquela altura, seu nome era associado a favor dos movimentos de esquerda. Em especial, seu nome era ligado ao de militantes comunistas da época, chegando a convidar alguns à sua residência para falar sobre as ideias comunistas.

Nara ligou-se ao Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), fundado em 1961 por estudantes artistas e intelectuais progressistas, que tinham o objetivo de difundir e criar uma arte que fosse popular e política ao mesmo tempo e que fosse feita do povo e para o povo, que rompesse com a arte mercantilizada das classes dominantes ao tratar de assuntos reais do cotidiano. 

Além das apresentações ao vivo, Nara ainda passou a participar de programas de TV em diferentes estados. Em agosto, já contratada pela recém-inaugurada gravadora Elenco, começou a gravar seu primeiro disco, no estúdio Rio-Som, no centro do Rio de Janeiro. No repertório, faixas assinadas por Cartola, Elton Medeiros, Zé Keti, Moacyr Santos, Baden Powell, Edu Lobo, Carlos Lyra, Vinícius de Moraes, Gianfrancesco Guarnieri e Ruy Guerra. Entre os clássicos, “Diz Que Fui Por Aí”, “Luz Negra” e “O Sol Nascerá”. 

O Grupo “Opinião”

O cenário de repressão instaurado nas ruas após o golpe militar de março de 1964 inspirou a montagem de outro espetáculo do CPC (àquela altura já posto na ilegalidade pelo novo regime), chamado Opinião. Com a direção de Augusto Boal, do Teatro de Arena, textos de Oduvaldo Viana Filho e produção musical de Lyra, o musical trazia como protagonistas Nara Leão, Zé Keti e João do Vale.

O grupo trazia as representações dos próprios artistas para o palco, misturando a jovem branca pequeno-burguesa, o sambista negro e o nordestino, também negro. 

Logo que estreou, em um pequeno teatro dentro de um shopping center em Copacabana, em 11 de dezembro de 1964, Opinião transformou-se em febre entre os jovens que queriam protestar publicamente contra os primeiros meses de ditadura. 

Questões como desigualdades sociais, favelas e reforma agrária tornaram o evento um símbolo de resistência política a favor da democracia e da cultura brasileira. 

Duas canções na voz de Nara tornaram-se ícones daquilo que se convencionou a despois deste espetáculo, chamar de música de protesto brasileira: Opinião” (“Podem me prender/ Podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Mas eu não mudo de opinião”) e “Carcará” (“Carcará não vai morrer de fome/ Carcará mais coragem do que homem/ Carcará pega, mata e come”).

A primeira não só abre o repertório do segundo álbum de Nara, lançado ainda no final de 1964, como também dá título ao trabalho, que também traz do mesmo espetáculo “Sina de Caboclo”.

O estouro de Opinião foi a primeira demonstração pública de Nara Leão a respeito de seu descontentamento com tudo aquilo que se torna massivo. 

“Esse exército não serve pra nada!”

No dia 22 de maio de 1966, quando a ditadura militar começava a intensificar sua repressão contra o povo, com torturas e censura de ideias, o jornal Diário de Notícias publicava uma entrevista com Nara. Nela, a cantora soltou o verbo contra o regime. Disse que os generais entendiam de canhão e metralhadora mas não de política. 

Nara Leão defendia a extinção do exército burguês. Dizia que a instituição não servia para nada e “estava ficando cada vez mais obsoleta” e “caindo aos pedaços”.

Nara também disse que o Brasil, com suas profundas desigualdades, deveria investir na construção de hospitais e escolas, de preferência dentro das fábricas, para que, assim, o operariado tivesse uma vida decente.

No fim da entrevista, Nara ainda criticou a cassação dos deputados contrários à ditadura e disse que os militares fascistas deveriam ser impedidos de exercer suas funções e proclamou a urgência da nacionalização de toda e qualquer empresa no Brasil.

As manchetes de jornais alardeavam os rugidos de Nara Leão: “Nara é de opinião: esse Exército não vale nada”; “Nara pode ser presa mas não muda de opinião”; “Nara: sou contra militar no poder”; “Entrevista abalou os alicerces do Exército Nacional”; “Considero os exércitos, no plural, desnecessários e prepotentes”; “Meu violão é a única arma que tenho; meu campo de guerra é o palco.”

Mobilização contra prisão política de Nara Leão

As declarações de Nara repercutiram como uma bomba na sociedade carioca e dentro do governo. Jairo Leão previu que os militares fizessem alguma retaliação de forma arbitrária, enquadrando a filha na Lei de Segurança Nacional e abrindo um processo para prendê-la imediatamente. 

Nos bastidores, integrantes da linha dura do exército já pressionavam por alguma punição e ações que intimidassem Nara e seus amigos a não mais se sentir à vontade ao abrir a boca. E também que ela passasse a ser tão vigiada de perto que acabasse pedindo asilo político fora do país. 

A classe artística, por sua vez, mobilizou-se para fazer um abaixo-assinado encaminhado ao marechal Castello Branco, o primeiro militar presidente brasileiro após o golpe de 1964, pedindo o arquivamento do processo. 

Nara foi um exemplo de artista comprometida com a justiça social. Seu exemplo inspira. Sob ameaça de ser presa, Nara Leão foi defendida pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, através de um poema publicado na imprensa e destinado ao Marechal Castelo Branco, disse quenão adiantava prisão para a voz que, pelos ares, espalha sua canção.”:

 APELO (excerto)

“Meu honrado marechal

dirigente da nação,

venho fazer-lhe um apelo:

não prenda Nara Leão (…)

 

A menina disse coisas

de causar estremeção?

Pois a voz de uma garota

abala a Revolução?

 

Narinha quis separar

o civil do capitão?

Em nossa ordem social

lançar desagregação?

 

Será que ela tem na fala,

mais do que charme, canhão?

Ou pensam que, pelo nome,

em vez de Nara, é leão? (…)

 

Que disse a mocinha, enfim,

De inspirado pelo Cão?

Que é pela paz e amor

e contra a destruição?

 

Deu seu palpite em política,

favorável à eleição

de um bom paisano – isso é crime,

acaso, de alta traição?

 

E depois, se não há preso

político, na ocasião,

por que fazer da menina

uma única exceção? (…)

 

Nara é pássaro, sabia?

E nem adianta prisão

para a voz que, pelos ares,

espalha sua canção.

 

Meu ilustre marechal

dirigente da nação,

não deixe, nem de brinquedo,

que prendam Nara Leão.”

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