A Portaria nº 105/2025 da SMADS, que diz regulamentar o voluntariado no SUAS paulista, aprofunda a terceirização e a precarização da assistência social. Trabalhadores denunciam o desmonte e exigem novas contratações, melhores salários e estabilidade
MLC São Paulo
SAÚDE – No dia 23 de setembro de 2025, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) publicou a Portaria nº 105/2025. À primeira vista, trata-se de um texto burocrático. Mas, por trás dessa aparência técnica, esconde-se um ataque profundo aos direitos da população pobre de São Paulo.
A nova portaria autoriza que pessoas físicas, entidades privadas e até organizações religiosas assumam funções em abrigos, casas de acolhida e centros de convivência. Ou seja: atividades que deveriam ser realizadas por trabalhadores da Prefeitura passam a poder ser feitas por “voluntários” — sem salário, sem direitos, sem vínculo empregatício.
O que parece “participação da sociedade” é, na verdade, a velha tentativa de transformar direitos em favores. Desde a Constituição de 1988 e da criação do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), ficou estabelecido: assistência social não é caridade, é direito.
Trabalhadores denunciam desmonte
Esse é justamente o ponto que revolta quem atua na área.
“Substituir profissionais por voluntários demonstra o quanto se desconsidera a natureza do SUAS como política pública de direito, que exige trabalhadores qualificados e vínculos profissionais estáveis”, afirma Juliana, educadora social no CEDESP (Centro de Desenvolvimento Social e Produtivo) da Zona Leste.
O SUAS foi criado para romper com a tradição assistencialista que marcou a história do Brasil. Durante séculos, senhores de engenho, coronéis e grandes empresários usaram a filantropia como forma de manter os pobres de cabeça baixa. A esmola servia tanto para controlar politicamente quanto para perpetuar a exploração.
“Não é caridade, é uma política pública que exige conhecimento técnico, formação específica, sigilo profissional e compromisso ético – características asseguradas por profissionais contratados”, lembra Mariana, orientadora socioeducativa no SPVV de Ermelino Matarazzo.
Terceirização e precarização
O SUAS paulistano já está enfraquecido há anos. Grande parte dos serviços é gerida por Organizações da Sociedade Civil (OSCs), e não diretamente pela Prefeitura.
Essa terceirização impõe condições degradantes. “Salário de miséria e sem benefícios, que deixa o trabalhador adoecido. Mesmo trabalhando tanto, falta dinheiro todo mês. Além disso, a sobrecarga de demandas gera alta rotatividade de profissionais”, denuncia Carla, assistente social no SPVV (Serviço de Proteção Social à Criança e Adolescente Vítimas de Violência) da região Centro-Oeste.
Com a Portaria 105, Ricardo Nunes aprofunda o desmonte: abre caminho para substituir assalariados até mesmo dentro das OSCs por mão de obra gratuita e precarizada.
Neoliberalismo e conservadorismo religioso
Não se trata apenas de cortar gastos. A medida reforça a lógica neoliberal de retirar direitos e transferir responsabilidades do Estado para a caridade e para as igrejas.
“SAICAs (Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes), CCAs (Centros para Crianças e Adolescentes), CEDESPs, SPVVs, assim como muitos outros serviços, lidam com demandas sensíveis e exigem formação técnica. Política pública não se faz com caridade!”, alerta Rafael, psicólogo no SPVV de São Mateus.
Assim, cidadãos deixam de ser sujeitos de direitos para se tornarem beneficiários da “benevolência” estatal ou religiosa. É a fusão perversa entre neoliberalismo e conservadorismo: o capital corta, a caridade disciplina.
Só a luta organizada pode barrar o retrocesso
A secretária municipal defende a portaria dizendo que ela apenas “regulamenta” o voluntariado. Mas se fosse apenas isso, por que abrir brechas tão amplas? Na prática, a medida legaliza a substituição de trabalhadores e amplia o modelo privatista já aplicado ao SUAS.
Diante disso, trabalhadores e usuários afirmam: só a luta coletiva pode barrar o avanço do desmonte. “É necessária a mobilização nos sindicatos, nas conferências e nas ruas. A população precisa saber que o enfraquecimento do SUAS afeta diretamente o atendimento que recebe”, defende Carla.
A experiência histórica mostra: nenhum direito foi concedido de graça. A jornada de 8 horas, a previdência, a saúde pública e a própria assistência social foram conquistas arrancadas pela luta. Agora, a Prefeitura tenta devolver ao povo a condição de pedinte.
“Precisamos de mais investimento, de melhores salários, de condições de trabalho dignas e do pagamento dos nossos dissídios em atraso”, cobra Rafael.
Defender o SUAS é defender o direito do povo trabalhador. Mas a luta não se encerra aí: é parte de uma batalha maior contra o capitalismo e pela construção de uma sociedade socialista — onde direitos não dependam da caridade burguesa, mas sejam garantidos pela classe trabalhadora no poder.