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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Terceirização na saúde destrói o SUS, enquanto entidades recebem bilhões

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Enquanto a Prefeitura prepara novos editais bilionários para as Organizações Sociais de Saúde (OSS), usuários e trabalhadores denunciam um cenário de sucateamento, metas abusivas e precarização do trabalho.

Guilherme Arruda e Lucas Marcelino | São Paulo (SP)


SAÚDE – Hoje, são muitas as cidades onde os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) são geridos por entidades privadas, apesar de continuarem públicos e gratuitos. Procurando a placa do posto de saúde ou hospital mais próximo, é possível que, ao lado do símbolo do SUS, você veja o símbolo de uma Organização Social de Saúde (OSS), como são chamadas essas entidades.

Apesar de não cobrarem diretamente por exames e consultas, essas entidades representam uma terceirização dos serviços e estão implementando uma lógica empresarial no sistema público de saúde, sucateando o atendimento à população para reduzir custos e, ao mesmo tempo, cobrando metas irreais dos funcionários.

O Município de São Paulo foi um dos primeiros lugares onde elas foram implantadas. Atualmente, administram a maior parte das Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e outros equipamentos. Essa forma de entregar bilhões de reais do orçamento público para bolsos privados se tornou um modelo para governos burgueses de todo o país e as OSS estão se espalhando com velocidade.

Em 2025, após quase uma década em que os contratos com as Organizações Sociais de Saúde foram estendidos pela Prefeitura de São Paulo diversas vezes, o poder público iniciará a realização de novos editais de chamamento para a gestão dos serviços. O prefeito fascista Ricardo Nunes (MDB) gostaria de realizar esse processo às escondidas para definir sozinho o que constará nos novos contratos, mas a população já começou a reivindicar sua participação na discussão. A voz do povo paulistano precisa ser ouvida porque as críticas dos usuários e trabalhadores do SUS às OSS são muitas – e só aumentam.

A seguir, o jornal A Verdade apresenta a história das OSS e quatro relatos de usuários e trabalhadores do SUS, que confirmam como a infiltração dessas entidades privadas está desfigurando a saúde pública, piorando o atendimento à população e fragilizando as condições de trabalho de médicos, enfermeiras, agentes comunitárias e muitos outros profissionais.

Trabalhadores explorados e perseguidos

A fragmentação do SUS entre várias OSS, em contraste com a gestão unificada pelo poder público, é um dos fatores que fragilizam a situação dos trabalhadores.

“Esse período de chamamento é bem tenso porque, se outra OSS apresentar um orçamento mais baixo para a Prefeitura, ela assume a região em que a nossa OSS atua. Nesse caso, a gente tem duas opções: mudar de unidade com a OSS antiga ou permanecer, mas com o risco de demissão após um ano. Eu me sinto refém dessa situação porque eles mentem, dizem que o salário não vai mudar, mas, depois de um ano te demitem e contratam alguém que aceite um salário mais baixo”, explica Jamile (nome fictício), terapeuta ocupacional.

O nome fictício se explica pela perseguição exercida pelas OSS: “Todo mundo sente medo de se manifestar. Estavam com uma política de implantar câmeras e microfones nas reuniões de equipe para monitorar o que falamos”.

Ela segue: “As OSS estão bem alinhadas com a política do Ricardo Nunes. A gente sofre muita pressão para bater metas. Se a gente não bate, sofre corte, como se fosse uma empresa qualquer. Mas não somos uma empresa, somos um serviço de saúde. A saúde não deveria gerar lucro”.

Por sua vez, Viviane, atendente técnico-administrativa em uma equipe do Consultório na Rua, relata: “Desde minha contratação por uma OSS, em 2015, vi o trabalho ficando mais engessado. Hoje, a grande exigência é a habilidade de se adaptar a mudanças a toque de caixa. Nós chegamos a trabalhar com oito sistemas de informação diferentes. Além de desnecessário, é um dos meios por onde escoa a verba do SUS, já que esse sistema é criado e gerenciado por empresas particulares”.

A rotatividade de trabalhadores que se demitem, exaustos e com burnout, além das mudanças ligadas à troca de OSS tem efeitos negativos, em especial nos serviços de saúde mental. “O vínculo que criamos com os usuários é muito importante. O tratamento fica prejudicado se a equipe muda da noite pro dia”, complementa Jamile.

Serviços piores

Pressionados pelas metas impostas pelas OSS, os trabalhadores do SUS sentem dificuldade de prestar uma assistência de qualidade à população, apesar de seus esforços. Nesse contexto, o número de erros aumenta devido ao cansaço dos profissionais.

Os cortes de custos que as OSS promovem também pioram as condições em que a população é atendida. Tabata Paola, moradora da Zona Norte de São Paulo, denunciou ao jornal A Verdade uma situação que passou na UPA Jaçanã, gerida por uma OSS chamada SPCD: “Eu estava com uma inflamação na mão e me internaram na UPA, dizendo que, em poucas horas, seria transferida para um hospital. Fiquei três dias deitada numa maca, não fui atendida por um especialista e as refeições vieram estragadas. Fiquei esse tempo todo sem comer e me deram alta sem me tratar nem me transferir. Só consegui ser tratada procurando outro serviço”.

Neoliberais criaram as OS

A criação do SUS foi uma importante conquista das mobilizações populares que derrubaram a ditadura militar na década de 1980 (ver edição nº 322 de A Verdade). Antes, só tinham acesso aos hospitais públicos os trabalhadores formais que contribuíssem com a Previdência. Jogada na informalidade e no desemprego, a maioria da população tinha como única alternativa buscar atendimento nas “Santas Casas”, e uma grande parte morria sem atendimento, rejeitada pelo governo e sem dinheiro para pagar pela saúde privada.

Com uma participação decisiva dos comunistas, a luta do povo conseguiu definir na Constituição Federal de 1988 que a “saúde é um direito de todos e dever do Estado” e que um sistema público, gratuito e universal de saúde seria instituído para que todos tivessem acesso a consultas, exames e cirurgias.

No entanto, na década seguinte, o governo neoliberal antipopular de Fernando Henrique Cardoso autorizou a criação das Organizações Sociais sob o argumento de que o setor privado poderia “gerir melhor” os serviços públicos do que o próprio Estado em áreas como Saúde, Educação e Cultura. A Lei das OS, de 1998, define que elas não são obrigadas a realizar concursos para contratar funcionários – ou seja, não precisam garantir estabilidade e os direitos trabalhistas que os servidores públicos possuem. Além disso, não têm a obrigação de realizar licitações transparentes para adquirir bens e serviços, o que amplia muito a margem para a corrupção.

Por essas razões, já na época, os sindicatos e movimentos populares de saúde alertavam que essa “novidade” era um ataque neoliberal contra os trabalhadores e o povo. Na verdade, os únicos beneficiados seriam os empresários aliados dos governantes, que se tornaram sócios das OS. Apesar de afirmarem que são entes “sem fins lucrativos”, as Organizações Sociais recebem muito dinheiro de contratos com prefeituras e governos estaduais – e várias são ligadas a grandes hospitais privados, como Sírio-Libanês e Einstein. Em cidades como São Paulo, os valores chegam à casa dos bilhões.

SUS 100% estatal

Em setembro, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) emitiu uma alerta à Prefeitura informando que “identificou com frequência fragilidades e riscos reincidentes” nos contratos com OSS, relacionados ao “acompanhamento das execuções contratuais”. Ou seja, apesar de impor metas absurdas a seus contratados, as OSS nem mesmo cumprem com as obrigações que constam em seu contrato de gestão.

O TCMSP também chamou atenção para o fato de que 60% do orçamento da Secretaria Municipal de Saúde é repassado para as OSS. Em 2024, elas receberam R$ 13 bilhões da Prefeitura e, mesmo assim, prestaram um serviço com todos os problemas relatados nos depoimentos de usuários e trabalhadores do SUS. Esse cenário grave deve servir de alerta para a população de todas as cidades onde os governantes querem implementar as OSS nos serviços de saúde locais.

Em São Paulo, os movimentos populares estão se organizando para exigir a participação e o controle social da população na formulação dos editais de chamamento das OSS como uma obrigação mínima do poder público, mas apontam que esse não deve ser o horizonte final.

“Devido a essas observações, a gente já vê a necessidade de reestatizar a saúde. Os trabalhadores precisam ter estabilidade, por isso devem ser concursados. Só com isso, teremos um SUS que cumpre com suas diretrizes de integralidade, equidade e universalidade e presta um atendimento de qualidade à população”, reforçou a trabalhadora Viviane.

Matéria publicada na edição nº324 do Jornal A Verdade.

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