UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Amelinha Teles: O povo do Brasil precisa conhecer a sua história

Outros Artigos

Amelinha TelesMaria Amélia Teles, ou Amelinha, como é conhecida, é uma referência nacional na luta pela Memória, A Verdade e, principalmente, A Justiça. Amelinha foi militante durante os duros anos da ditadura militar no Brasil e foi presa junto com seu marido, irmã grávida e os filhos pequenos – Janaína e Edson Teles, com 5 e 4 anos na época –, pela Operação Bandeirantes em São Paulo.

Fundadora da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e, recentemente, integrante da Comissão Estadual da Verdade de SP, Amelinha se dedica há mais de 30 anos à luta pela apuração das atrocidades da ditadura e pela responsabilização dos agentes do Estado pelos crimes cometidos.

Em agosto, a Justiça condenou em segunda instância como torturador o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra em uma ação movida pela família Teles, uma condenação inédita e histórica.

Amelinha também cumpriu um importante papel junto na localização e traslado dos restos mortais de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra, fundadores do Partido Comunista Revolucionário, e brutalmente assassinados pela Ditadura em setembro de 1973.

A Verdade – Como foi a decisão de ingressar com um processo na Justiça contra o coronel Ustra?

Amelinha Teles – A iniciativa foi da minha filha Janaína, que cresceu ouvindo essa história. Nós já tínhamos documentos, porque a denúncia foi feita pela primeira vez na Justiça Militar, em 1973, quando nós tivemos oportunidade de falar na frente do juiz e denunciamos que o coronel Ustra torturou, sequestrou nossos filhos, torturou minha irmã grávida e foi um dos assassinos de Carlos Nicolau Danielle, nas dependências da Oban. Isso era um material importante para subsidiar a ação; tanto é que, quando o projeto Brasil Nunca Mais menciona alguns casos para ilustrar o tamanho da repressão, mostra o nosso depoimento porque é um documento oficial. Mas logo nos primeiros anos depois da anistia nós tentamos abrir um processo e não conseguimos; havia dificuldades dos advogados de conseguir acesso à justiça. Janaína sempre acompanhou isso, até porque é historiadora, estudiosa do tema, e achava que essa história precisava de justiça para abrir possibilidades de uma sociedade mais democrática. Foi ela quem tomou a iniciativa de conversar com Fábio Konder Comparato (advogado da família Teles no processo), e ele se dispôs a fazer a ação. O processo foi discutido entre 2003 e 2004 para reunir toda a documentação e testemunhas, porque eram fatos que já tinham muito tempo. Em 2005, estava tudo preparado e entramos na justiça.

O que representa a decisão do Tribunal da Justiça de SP condenando um torturador da ditadura?

Amelinha Teles – A importância é grande, primeiro porque a impunidade é histórica no Brasil, é estrutural, quer dizer, o Estado brasileiro comete crimes contra o povo e isso não tem a menor importância. Esse processo rompe essa tradição de impunidade, rompe uma barreira histórica, sólida, das classes dominantes que têm todo o aparato do Estado a seu favor e podem torturar, matar, reprimir o povo sem nenhuma condenação. Outro aspecto é que é pedagógico mostrar à sociedade que nós temos que lutar pela nossa dignidade, que não é justo que um Estado ditatorial, assassino, que acusa as pessoas de terrorismo, tortura e mata essas pessoas, fique impune. Temos que tomar a iniciativa, eu acho que tem esse efeito pedagógico. E, por último, é restabelecer a dignidade, a história da família Teles diante da ditadura, que não foi a única, pois muitas foram atingidas. Eu gostaria surgissem vários outros processos de famílias atingidas durante a repressão. É importante também porque há um grupo de pessoas que são familiares – e eles gostavam de dizer que nós não tínhamos nenhum respeito às nossas famílias, que éramos perversos – que estão reivindicando justiça contra eles.

Você faz parte da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos. Quantas pessoas são desaparecidas no nosso país?

Amelinha Teles – Os que nós temos conhecimento são por volta de 160. Nós localizamos muito poucos, somente quatro ou cinco, e quem conseguiu encontrar esses foram os familiares. O ônus total é dos familiares, não houve apoio do Estado brasileiro. Eu acho que podemos localizá-los se houver vontade política do Estado. O Estado tem que assumir essa responsabilidade porque foram os agentes do Estado que mataram, ocultaram os corpos. É preciso ter essa responsabilidade política, essa determinação para abrir os arquivos militares.

Como avalia até aqui o trabalho da Comissão da Verdade criada pela presidenta Dilma?

Amelinha Teles – Eu acho que a Comissão da Verdade tem um papel político grande e ela potencializa e reforça a nossa luta, que é diária, constante e histórica. Acho que dá força e empoderamento a quem luta pela verdade e justiça há tanto tempo. A Comissão é muito heterogênea na sua composição, nem todos tiveram uma história ligada à resistência, às consequências que a ditadura trouxe para o país, então isso dificulta. Penso também que falta um plano de trabalho mais consistente e, principalmente, há falta de informação. Ontem mesmo eu vi a própria Comissão denunciando que os militares não estão colaborando no sentido de oferecer documentos e informações para esclarecer as atrocidades cometidas durante a ditadura militar. São dificuldades que terão que ser superadas com a mobilização da sociedade; temos que nos mobilizar para poder conseguir força para mudar esse quadro.

Também foram criadas Comissões Estaduais; em São Paulo, a Comissão Rubens Paiva, da qual você faz parte. Qual o papel dessas comissões e qual deve ser sua pauta?

Amelinha Teles – A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo tem uma pauta no sentido de fortalecer a Comissão Nacional. Esclarecer os desaparecidos e mortos políticos no Estado de São Paulo, ou que tinham algum vínculo com o Estado. Ela está canalizando a força da sociedade paulista na busca da verdade, de informações junto ao Ministério da Defesa, junto aos órgãos ligados à segurança pública da época, e que, ainda, de uma certa forma, existem nos dias de hoje.

São Paulo foi um dos maiores centros de tortura do Brasil. Aqui teve a Operação Bandeirantes (Oban) que, depois, se transformou em DOI-Codi e que se estendeu para todo o território brasileiro. Portanto, essa Comissão tem uma importância política, talvez uma das mais fundamentais de todo o Brasil. A própria Comissão Nacional precisa dessa. Ela tem que criar condições para desenvolver seu trabalho de investigação dos mortos e desaparecidos políticos, dos órgãos de repressão onde se deram essas atrocidades, e buscar garantir a organização dos arquivos que foram produzidos pela repressão e que ainda não estão disponíveis no Arquivo Público e precisam estar para serem acessados por toda a população. O povo do Brasil precisa conhecer a sua história. Muitos torturadores daqui foram matar na região do Araguaia, depois também nos países do Cone Sul: Uruguai, Argentina, Chile… Temos muito trabalho pela frente.

No fim deste ano, o jornal A Verdade completa 13 anos. Como você avalia o jornal e que mensagem tem para seus leitores?

Amelinha Teles – Eu acho esse jornal muito importante. É interessante porque ele tem o nome A Verdade e, realmente, em todas as oportunidades que eu tive de falar com o jornal, o meu pensamento foi transmitido de uma forma bastante democrática e detalhada, o que acho extremamente importante, porque a grande imprensa, ligada às elites, dá muito pouca importância ao que você fala; destaca às vezes uma ou outra frase fora de contexto, e nem o papel pedagógico se cumpre de mostrar à opinião pública o que está acontecendo. E o jornal A Verdade tem esse valor, de levar o seu pensamento para dentro das páginas. Eu acho isso muito democrático e necessário. E tem o valor também de ser vendido junto a uma militância comprometida com essa transformação social, com a justiça, que são questões que dão o norte para nossa luta.

Vivian Mendes, São Paulo

Conheça os livros das edições Manoel Lisboa

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias recentes