A cobertura realizada pelos grandes meios de comunicação do conclave que tornou o cardeal de Buenos Aires – Jorge Mario Bergoglio – Papa Francisco foi digna de um popstar. A justificativa para gastar tanta tinta nas páginas dos jornais e transmissões ao vivo pela TV éque se tratava da eleição do líder de 1,2 bilhão de católicos do mundo. Creio, entretanto, que o motivo provável foi mais uma tentativa dos meios de comunicação burgueses de desviar a atenção das massas trabalhadoras do agravamento da crise econômica do capitalismo, como mostraram os acontecimentos do Chipre, o enorme crescimento do desemprego na Europa, os dez anos da intervenção militar no Iraque e das manobras militares dos EUA e da Coréia do Sul para provocar a Coreia do Norte, fato este pouco divulgado pela mídia, que prefere apenas destacar a reação da Coreia do Norte, mas não o que a causou.
Eleição ou nomeação?
O fato é que o megaevento midiático foi considerado também um grande acontecimento democrático, muito embora, dos 1,2 bilhão de católicos, apenas 114 decidiram quem seria o novo papa. Registre-se que nenhum dos 114 cardeais foram eleitos; todos foram nomeados pelos dois últimos papas.
Cuba, país tão criticado pela mídia burguesa por não ter eleição direta para presidente, realiza eleições gerais e diretas para delegados às Assembleias Municipais, Provinciais e Nacional do Poder Popular. O voto é livre, igualitário e secreto, e qualquer cidadão pode ser candidato. 50.900 assembleias organizadas pela Comissão Eleitoral Nacional (CEN) indicamos delegados que concorrem às Assembleias Municipais e Provinciais e à Assembleia Nacional do Poder Popular e são eleitos por voto em urna, direto e secreto.No caso do chefe do Estado do Vaticano é diferente. 114 pessoas, os cardeais, se reúnem duas, três ou quatro vezes e escolhem o papa. Realmente dá menos trabalho, mas também é menos democrático.
A exemplo do FMI e do Banco Mundial, a maioria de votos no conclave é de cardeais da Europa e dos EUA. Os cardeais da Europa somam 60 votos; os da América Norte, 30; a América Sul tem 13; a África, 11; a Ásia, 10 e a Oceania 1. Os EUA têm 14 votos, enquanto o Brasil, cinco. Dessa forma, nenhum papa consegue eleger-se sem o apoio dos cardeais da Europa e dos EUA. De acordo com o jornal italiano Corriere Della Sera, Os 14 cardeais norte-americanos apoiaram e votaram em bloco no cardeal Bergoglio, que teve um total de 90 votos. Conseguiu essa maioria graças ao acordo selado entre os cardeais dos EUA e os da Itália, que têm influência no restante da Europa. Após eleito pelos colegas cardeais, Bergoglio decidiu chamar-se Francisco. Apesar de ser argentino, o cardeal Bergoglio não é um estranho no ninho. Já exerceu vários cargos na Cúria Romana e é considerado intimo dos que exercem o poder no Vaticano.
Suspeito de colaboração com a ditadura
Os mesmos meios de comunicação que transformaram o conclave do Vaticano num espetáculo midiático apresentaram o novo papa como um homem simples, honesto e incapaz de uma atitude não cristã.
Porém, outras informações saíram na imprensa sobre a vida do cardeal argentino, ou melhor, do papa Francisco. A mais grave mostra sua cumplicidade ou omissão quando da prisão e tortura pela ditadura militar argentina de dois jesuítas ligados à teologia da libertação: Orlando Yorio e Francisco Jalics. A denuncia mais contundente foi de Graciela Yorio, 67 anos, irmã do padre Orlando Yorio. O padre Yorio foi sequestrado em maio de 1976, e passou cinco meses preso e sendo torturado na Escola de Mecânica da Marinha (ESMA). Segundo ela, seu irmão não tinha dúvidas de que foi o padre Bertoglio quem delatou seu irmão aos militares: “Meu irmão não tinha dúvidas sobre isso. E eu acredito no meu irmão”. (FSP,16/03/2013).Orlando Yorio morreu em 2000, vítima de infarto. Francisco Jalics está vivo mas se nega a confirmar ou desmentir a denúncia sobre Bertoglio.
Um dos principais jornalistas da Argentina, HoracioVerbitsky, do jornal Pagina 12,e autor do livro “O Silêncio: De Paulo VI a Bergoglio: As Relações Secretas entre a Igreja e a ESMA” em entrevistaa Amy Goodman e Juan González, do DemocracyNow, relatou o que descobriu sobre o caso:
“Durante a pesquisa para um dos meus livros, encontrei, no arquivo do Ministério de Relações Exteriores da Argentina, documentos que, segundo entendo, encerram o debate e mostram o duplo padrão que orientou Bergoglio. O primeiro documento era uma nota na qual ele pedia ao ministro a renovação do passaporte de um desses jesuítas, sem que tivesse necessidade de voltar à Argentina. O segundo, é uma nota do oficial de que recebeu a petição, recomendando a seu superior, o ministro, a recusa da renovação do passaporte. E o terceiro documento é uma nota do mesmo oficial, dizendo que esses padres tinham ligação com a subversão – era assim que os militares caracterizavam qualquer pessoa envolvida com a oposição ao governo, política ou armada –; que ele havia sido preso na ESMA; e que essa informação fora dada pelo Padre Jorge Mario Bergoglio, provincial superior da Companhia de Jesus.
Isso significa, no meu entendimento, um duplo padrão. Ele pediu o passaporte para o padre em uma nota formal, com sua assinatura; mas, em privado, disse o oposto, e repetiu as acusações que fizeram os padres ser sequestrados. Segundo este padre, o próprio Bergoglio teria feito parte de seu interrogatório? … Quando solto, ele foi a Roma, onde viveu sete anos, antes de voltar à Argentina. Ao regressar, ligou-se à diocese de Quilmes, na Grande Buenos Aires, cujo bispo era um dos líderes do ramo progressista da igreja argentina, oposto ao de Bergoglio. Então, Orlando Yorio denunciou Bergoglio. Eu recebi seu testemunho quando Bergoglio foi eleito arcebispo de Buenos Aires. E também entrevistei Bergoglio, que negou as acusações, dizendo que defendeu os padres.OrlandoYorio colocou-me em contato com o outro padre, Francisco Jalics, que vivia na Alemanha. Ele confirmou a história, mas não quis ser mencionado em minha matéria, porque preferia, segundo disse, não lembrar dessa triste parte de sua vida e perdoar. Acrescentou que havia passado muitos anos ressentido com Bergoglio, mas estava disposto a perdoar e esquecer. Quando publiquei meu livro sobre o caso, um jornalista argentino que havia sido discípulo de Jalics falou com ele e pediu que contasse a verdadeira história. Jalics respondeu que não iria nem afirmá-la, nem negá-la.”(www.outraspalavras.net)
O que diria Francisco de Assis?
Também ainda não está esclarecido qual será o tratamento que o novo papa dará às finanças do Vaticano e, particularmente, ao banco. A única certeza é de que o acordo para a eleição de Francisco envolveu também quem vai ter o controle sobre o famoso Instituto para Obras da Religião (IOR), o banco do Vaticano. Dona de um patrimônio milionário, em 2011, a Santa Sé arrecadou com turismo 22 milhões de euros; as aplicações financeiras renderam 13,7 milhões e a venda de imóveis 32,3 milhões. Somente na Itália, a Igreja possui 110 mil propriedades avaliadas em 9 bilhões de euros. Mesmo assim, a Santa Sé fechou 2011 com um rombo de 14,9 milhões de euros. A questão é como foi gasto e para onde foi tanto dinheiro para gerar prejuízo em vez de lucro. (A propósito, o que diria Francisco – o original, o de Assis, que renunciou à sua herança e passou a viver junto aos pobres – diante de tanta riqueza e suntuosidade?)
No ano passado, a imprensa italiana divulgou uma carta do núncio dos EUA, Carlo Maria Vigano, ao papa Bento XVI na qual ele denunciava “corrupção, prevaricação e má gestão do IOR”. Uma comissão foi formada pelo papa para investigar o caso e como resultado culpou Paolo Gabriele, mordomo do papa. Este foi condenado a 18 meses de prisão por ter divulgado a carta à imprensa. Em sua defesa, o mordomo declarou que seu objetivo era “provocar um choque para colocar a igreja no bom caminho”. Em dezembro, dois meses antes de renunciar, Bento XVI, perdoou e deu o indulto ao seu ex-mordomo. Mas a sujeira continuou debaixo dos tapetes do Vaticano.
Com escândalos sexuais, padres e até bispos acusados de pedofilia em diversos países, seu banco envolvido em lavagem de dinheiro e corrupção, roubo de documentos secretos, a Igreja Católica não tem conseguido,principalmente na Europa, manter seus fiéis dentro da igreja. Prova disso é que a Conferencia Episcopal informou que 400 templos foram fechados na Alemanha em 2011. A igreja evangélica não fica atrás. De 1990 a 2010, 340 templos evangélicos foram fechados, informa o jornal espanhol El País. Então, para onde estão indo os fiéis? Eles têm preferido ir às ruas lutar por uma solução para os seus problemas já que os governos das classes dominantes preferem confiscar o dinheiro do povo e usar os recursos públicos para salvar bancos e financiar guerras, do que resolver o problema do desemprego.
(Lula é Falcão é membro do comitê central do Partido Comunista Revolucionário – PCR)