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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Operação Condor: um antro de criminosos

O Condor é uma ave que voa imponente sobre a Cordilheira dos Andes e se alimenta, principalmente, de cadáveres de outros animais. Por esta característica, foi perfeitamente adequado o nome dado à operação que reuniu ditaduras sul-americanas para eliminar seus opositores onde quer que estivessem.

A ditadura militar paraguaia, sob o comando do general Alfredo Strossener, foi a mais duradoura – 35 anos – de 1954 a 1989. O país tornou-se um refúgio de bandidos das mais diferentes origens: fascistas italianos, nazistas alemães, terroristas croatas e cubanos, anticomunistas latino-americanos, enfim, todos acorriam para o Paraguai, o seu paraíso, onde eram tratados como “heróis internacionais” e “Combatentes pela Liberdade”, leia-se, liberdade da burguesia imperialista sugar até a última gota de sangue dos povos colonizados e dos trabalhadores dos seus próprios países.

Desde o final dos anos 60, oficiais das Forças Armadas sul-americanas mantinham cooperação pontual em vista da repressão a opositores – comunistas, nacionalistas, democratas. Estes laços foram desenvolvidos durante os treinamentos e lavagem cerebral que receberam em escolas de formação policial dos Estados Unidos da América do Norte (EUA), onde aprenderam a perseguir, infiltrar-se em organizações de esquerda, prender, torturar e assinar barbaramente aqueles considerados inimigos das classes dominantes.

Esta cooperação tornou-se organizada e permanente  quando Manoel Contreras, chefe da DINA, a polícia política da ditadura chilena (1973-1990) propôs a criação da “Operação Condor”. Não que a iniciativa fosse exatamente dele, que não passava de títere da Agência Central Americana, a CIA, que deu a linha, orientou e acompanhou todo o processo. Aliás, William Colby, diretor da agência, afirmou alto e bom na época: “Os Estados Unidos têm o direito de atuar ilegalmente em qualquer região do Mundo”.

Porém, a Operação Condor só foi formalizada em 1975, na XI Conferência dos Exércitos Americanos, realizada em Montevídéu, capital do Uruguai. Com a operação Condor, a polícia política de um país podia atuar livremente nos outros países envolvidos, prendendo, seqüestrando e torturando pessoas.

 Logo, o objetivo da Operação foi criar uma coordenação operacional das forças repressivas da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai para, segundo a definição de um dos seus expoentes e braço direito de Contreras “Primeiro, matar todos os subversivos; depois, os colaboradores; a seguir, os simpatizantes, os indiferentes, e por último, os indecisos”. No ano de 1974, tal pacto estava firmado. Os acordos permitiam a entrada clandestina de agentes de um país no outro, seqüestro e entrega de militantes perseguidos, troca de informações, enfim, tudo que fosse necessário ao alcance dos objetivos.

A turnê da morte 

Francisco Tenório Júnior, o Tenorinho, era um músico de 35 anos, integrante da banda que acompanhava os cantores/compositores brasileiros Toquinho e Vinícius de Morais; realizava com o grupo uma turnê no exterior. No dia 18 de março de 1976, saiu do hotel em Buenos Aires para comprar cigarros e nunca mais apareceu. Dez anos depois, a revista Senhor (hoje, ISTOÉ) revelou que um conselheiro da Embaixada do Brasil na capital argentina o visitou quando estava preço na Escola Mecânica da Armada (ESMA). Poucos dias depois, ele foi assassinado, depois de vários dias de tortura por marinheiros argentinos e brasileiros, segundo informações de um ex-marinheiro, Cláudio Vallejos, que lembra o nome de um brasileiro, o major do Exército Souza Baptista Vieira. Ele ouviu Vieira dizer que o músico era apenas amigo de comunistas, mas isso bastava! O executor foi o famoso Alfredo Astiz, ex-capitão da Marinha Argentina, acusado do assassinato de 5 mil pessoas e condenado à prisão perpétua no ano passado, por crimes de lesa-humanidade.

Mais de 30 mil militantes revolucionários, patriotas e democratas sul-americanos foram torturados e assassinados pelo Condor, segundo o jornalista estadunidense John Dinges. Além do músico citado, dezenas de brasileiros foram atingidos pela operação. Emmanoel Bezerra dos Santos (1943-1973), dirigente do Partido Comunista Revolucionário (PCR), fora enviado ao Chile e à Argentina para dialogar com outras organizações de esquerda no exílio sobre a formação de uma Frente Revolucionária. Foi mais uma vítima da “Condor”, tendo sido preso e torturado até a morte. Um grupo de remanescentes da Vanguarda Popular Revolucionária desapareceu na Foz do Iguaçu, fronteira Brasil/Paraguai. Entre eles, Onofre Pinto, José Lavecchia, os irmãos Daniel e Joel de Carvalho, Vítor Ramos e, provavelmente, Gilberto Farias Lima.

O major Joaquim Pires Cerveira, dirigente da Frente de Libertação Nacional (FLN), foi preso em Buenos Aires, como relata sua filha, a jornalista e historiadora Neusah Cerveira: “Às 18 horas do dia 5 de dezembro de 1973, meu pai Joaquim Pires Cerveira (…) se dirigiu a um encontro com seu companheiro de Organização (…) João Batista de Rita Pereda. Atropelado e seqüestrado com Pereda no centro de Buenos Aires pela Operação Condor, foram entregues à ditadura brasileira. Meu pai foi assassinado em 13 de janeiro de 1974 no DOI-Codi da Barão de Mesquita (RJ), tornando-se um desaparecido político.Dali para frente, a vida se resumiu na busca da verdade e dos seus restos mortais.”  

A Comissão da Verdade e Reconciliação do Chile documentou os casos de 33 cidadãos cidadãos chilenos presos por agentes brasileiros, argentinos e paraguaios e entregues à DINA.

Ex-ministros de Salvador Allende (Chile) foram alvo de atentados organizados pela Operação Condor. No dia 30 de setembro de 1974, o general Carlos Pratts, ministro de Estado de Allende e sua esposa Sofia Cuthbert  morreram num atentado a bomba em Buenos Aires. Orlando Letelier, outro ex-ministro do governo de Allende foi executado em Washington, nas barbas da Casa Branca, no dia 21 de setembro de 1976. O ex-vice-presidente da República do Chile, no governo Allende, Bernardo Leighton, dirigente do Partido Democrata-Cristão e sua esposa Ana Fresno foram baleados gravemente em Roma, mas sobreviveram. Eles reconheceram os criminosos: Michael Townley, estadunidense, conhecido integrante da DINA, que usava o codinome de Kenneth Enyart e sua mulher, Maria Inés Callejas, chilena, cujo codinome era Ana Pizarro.

Expedientes encontrados na Delegacia da Polícia Federal em Nova Iguaçu revelam a perseguição de agentes brasileiros ao médico Agostin Goiburú Gimenez, do Movimento Popular Colocado do Paraguai. Ele foi seqüestrado por policiais brasileiros e levado para Assunção, onde foi torturado até a morte no Regimento Escolta Presidencial.

A participação brasileira na Operação Condor tornou-se pública com a tentativa de seqüestro dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Díaz em 1978, numa ação dos órgãos de repressão do Uruguai e do Brasil em Porto Alegre. Alertados por um telefonema anônimo, o repórter Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo J.B. Scalco foram conduzidos até um apartamento do bairro Menino Deus, onde surpreenderam militares uruguaios e policiais brasileiros na fase final do seqüestro de Lílian e Universindo, conseguindo frustrar a operação.

A Busca da Verdade 

As informações disponíveis sobre a Operação Condor são devidas ao empenho do militante paraguaio Martin Almada, pedagogo e advogado paraguaio, que passou anos no cárcere, onde foi submetido às mais cruéis torturas, e conseguidas em 1992, três anos após a queda do ditador Alfredo Strossner.

 No Brasil, pouco se obteve até o momento, apesar da Constituição Federal de 1988 garantir no seu art. 5º, inciso XXXIII que “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas na forma da lei, sob pena de responsabilidade” .

Aluízio Palmar, credenciado pela Comissão dos Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça, teve acesso ao arquivo da Delegacia da Polícia Federal na Foz do Iguaçu. Constatou que foi ativa participação dos órgãos repressivos da ditadura militar brasileira na Operação Condor, por intermédio da Assessoria Especial de Informações e Segurança (Aesi). Esta organização tinha bases em Brasília, no Rio de Janeiro, Curitiba, Foz do Iguaçu e Assunção. A Aesi mantinha correspondência constante com os órgãos repressivos da Argentina, do Paraguai, Uruguai e Chile.

A Comissão Nacional da Verdade, criada no governo de Dilma Rousseff lançará uma luz sobre a nossa história, permitindo efetivamente se conhecer o que ocorreu nos vinte anos de ditadura, identificar os responsáveis e se fazer justiça?

Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais compreende que houve acordos políticos para esconder a verdade. É preciso que haja muita mobilização pressionando para que a verdade venha à tona, as responsabilidades sejam definidas e a justiça seja feita.

José Levino, historiador

Fontes de pesquisa

  • Operación Condor, Pacto Criminal, Stella Calloni, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2006.
  • La “Operación Condor”: El terrorismo de Estado de alcance transnacional, Esteban Cuya, pesquisador do Centro de Direitos Humanos de Nuremberg.
  • Aluízio Palmar, jornalista, ex-preso político.

 

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1 COMENTÁRIO

  1. Cecília talvez não se dê conta das implicações, para os que estão vivos e militaram na esquerda, contra a ditadura, alguns dos quais foram acusados de crimes chamados ‘de sangue’: teriam provavelmente que voltar a sentar-se no banco dos réus, também. Não é questão de ‘acordo’: será que vale a pena correr esse risco? Nenhum militar argentino, chileno ou uruguai cumpriu, de fato, prisão comum. A Comissão existe graças também aos esforços do atual governo e deverá apurar fatos, mas não tem poder de punir pois não há tribunal de exceção no Brasil hoje: é vedado pela CF/88. Pode servir, sim, para reescrever a história do período – e isso não é pouco, o valor simbólico disso é enorme. Também pode servir para que as gerações que não viveram esse período compreendam melhor o que aconteceu no país.

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