Projeto que prevê licença para matar é debatido no congresso

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O Projeto de Lei 1.595/20, já apelidado de “PL da Licença para Matar”, tem pouco a ver com uma inexistente e fantasiosa “ameaça terrorista”. Seu verdadeiro propósito é dar poderes excepcionais ao Estado brasileiro para reprimir as manifestações populares, promover a supressão da democracia e organizar um governo ditatorial de caráter fascista.
Por Paulo 
Henrique Rodrigues e Lusiana Chagas Gerzson
Rio de Janeiro


Foto: Câmara dos Deputados

Aconteceu ontem (05/03), na Câmara dos Deputados, em Brasília, o seminário “Ações Contraterroristas”, promovido pelo deputador federal Major Vitor Hugo (PSL) para debater o Projeto de Lei (PL) nº 1.595/2019 de sua autoria. O texto do PL estabelece um “Sistema Nacional Contraterrorista – SNC” (art. 14), encarregado de executar uma “Política Nacional Contraterrorista – PNC” a ser executada por uma “Autoridade Nacional Contraterrorista” (art. 16).

Para compor o Sistema e executar a Política, o PL estabelece como “agentes públicos antiterroristas”: militares e servidores públicos das forças armadas, de órgãos de segurança pública federais, estaduais e do Distrito Federal, e da Agência Brasileira de Informações (ABIN). Tais “agentes públicos antiterroristas” poderão usar livremente armas de fogo contra pessoas, contando com a presunção legal de estarem agindo “em legítima defesa de outrem” (art. 13), ou seja, uma verdadeira licença para matar suspeitos.

Compunham a mesa do seminário os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, da Controladoria Geral da União, Wagner de Campos Rosário, da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira Guilherme Teófilo, além do Secretário Nacional de Segurança Pública, general do Exército Guilherme Teófilo, e deputados da chamada “Bancada da Bala”, entre eles os deputados do PSL Guilherme Derrite, Ubiratan Sanderson e Luiz Armando Schroeder Reis.

As posições expressas durante o evento são bastante claras quanto ao caráter repressivo da legislação proposta. Ao apresentar o projeto, o deputado Major Vitor Hugo afirmou que o Brasil vive sob ameaças terroristas, sem especificá-las, entretanto, além de fazer referências ao Patriot Act estadunidense, um conjunto de leis que suprimiram direitos individuais, como o habeas corpus, e deu poderes excepcionais às forças de segurança dos EUA contra os cidadãos do país. O ministro Ernesto Araújo chegou a afirmar – de forma totalmente irresponsável para a posição que ocupa e com forte “viés ideológico” – que “na América Latina o terrorismo está entrelaçado com regimes totalitários como na Venezuela”.

Risco à democracia

Na verdade, o verdadeiro objetivo do PL 1.595, já apelidado de “PL da Licença para Matar”, tem pouco a ver com uma inexistente e fantasiosa “ameaça terrorista”. Tudo indica que seu verdadeiro propósito é dar poderes excepcionais ao Estado brasileiro para reprimir as manifestações populares que já começaram a se organizar contra a gritante retirada de direitos trabalhistas e sociais dos últimos anos e contra a política econômica de Bolsonaro e Paulo Guedes, que vêm promovendo a maior entrega das riquezas nacionais da história do Brasil, um desemprego recorde e uma brutal redução da renda dos trabalhadores brasileiros. O PL é claramente mais um instrumento “legal” que visa promover a supressão da democracia e organizar um governo ditatorial de caráter fascista.

Se aprovado, o projeto dará poderes excepcionais aos órgãos policiais e militares, hoje inexistentes, que limitarão os direitos de cidadania. As ações antiterroristas podem ser realizadas até no exterior (art. 5º), o que permite supor que uma pessoa considerada “suspeita” pelo SNC, possa ser perseguido até fora do território brasileiro, tal como as ditaduras militares do Cone Sul – Brasil, Argentina, Chile e Uruguai – fizeram conjuntamente nos anos 1970 e 1980, através da famigerada Operação Condor, responsável pela eliminação física de dezenas de opositores àquelas ditaduras.

Outra medida prevista no PL (art. 12) prevê que as autoridades ligadas ao SNC possam requerer ao Poder Judiciário que determine às operadoras de telefonia celular que forneçam a localização geográfica de aparelhos telefônicos de qualquer cidadão brasileiro, o que permitirá o rastreamento dos trajetos percorridos de qualquer pessoa que seja considerada suspeita de planejamento ou execução de atividade “terrorista”.

Púbico presente no Seminário provido na Câmara dos Deputados

É preciso impedir a aprovação do PL 1.595

O Projeto de Lei 1.595 foi apresentado em 05/04/19, tramitou e foi aprovado sem problemas em 04/08/19 na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) da Câmara dos Deputados. Porém, graças à ação oportuna e decisiva do deputado Glauber Braga (PSOL), foi temporariamente suspenso em 16/10/19, após ser retirado da pauta da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CRDEN), mesmo com o parecer favorável do relator, deputado Sanderson (PSL).

Em função da ação de Glauber, houve uma mudança de tática por parte dos defensores do projeto no sentido de buscar a aprovação da “opinião pública” para criar um clima favorável ao PL; por isso o seminário realizado ontem.

É importante que se saiba que, com a exceção do deputado Glauber Braga, o restante da oposição tem permanecido absurdamente inerte diante da tramitação deste e de outros projetos de lei que visam claramente instituir por via legal uma nova ditadura militar de extrema-direita no país. Parlamentares do PT, PSB, PDT, PCdoB e mesmo outros parlamentares do próprio PSOL têm sido, infelizmente, cúmplices silenciosos do avanço de uma legislação autoritária, como vem denunciando sistematicamente Romulus Maya, do Duplo Expresso.

Além do PL nº 1595/19, estão tramitando no Congresso Nacional outros projetos que precisam ser conhecidos e barrados pela sociedade brasileira, tais como os PLs nº 443/2019 e nº 2.418/19. É urgente uma ampla mobilização da sociedade para impedir a marcha do retrocesso político, fato que torna fundamental cobrar dos deputados da oposição que honrem os votos que receberam e se coloquem em ação para impedir a instauração pelo Legislativo de uma ditadura.