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sexta-feira, 8 de novembro de 2024

“A Vale e os produtores de gado querem fragmentar o Estado do Pará”

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Edmilson Brito Rodrigues, 54 anos, é formado em arquitetura, mestre em urbanismo e doutor em geografia pela Universidade de São Paulo (USP). Foi fundador e presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp) em 1984.  Em 1996 foi eleito prefeito de Belém e reeleito em 2000. Em 2005, mudou sua filiação partidária para o PSOL. Nas eleições de 2010, Edmilson foi o deputado estadual mais votado da história paraense. Um dos principais articuladores da frente contra a divisão do Estado do Pará, Edmilson Rodrigues concedeu entrevista exclusiva ao jornal A Verdade.

Carla Catiara, Belém e Redação

A Verdade – O senhor tem denunciado fortes interesses econômicos por trás da campanha pela divisão do Pará. Que interesses são esses?

Edmilson Rodrigues – As classes dominantes, mancomunadas com o Estado brasileiro, com o governo atual, têm uma geopolítica para o Brasil e para Amazônia, e a tentativa de esquartejar o Pará faz parte dessa estratégia. Sem controle do território não há exercício do poder. Para eles, o controle do território é poder explorar o território como mercadoria, mas acontece que há barreiras políticas. Apesar das diferenças, quando um Estado é mais forte politicamente, mesmo que estejam à frente governos conservadores, é mais difícil impor as licenças ambientais, as licenças para exploração de minerais, as licenças para privatização de terras – para legalização de terras criminosamente apropriadas pelos latifundiários, pois são milhares de quilômetros quadrados de terras griladas que poderiam servir à reforma agrária. Os grandes oligopólios, especialmente a Vale do Rio Doce, as madeireiras, os produtores de gado, os grandes latifundiários e alguns grandes empresários urbanos têm interesse em fragmentar o Estado, porque assim eles poderão controlar mais diretamente e mais facilmente os novos governos e as novas estruturas estatais instaladas. Basta dizer que o primeiro governador vai poder nomear os desembargadores e, portanto, o Executivo vai dominar diretamente a formação do Judiciário, e isso significa um Judiciário que vai dizer “sim, senhor” ao governador. Vai nomear os membros do Ministério Público, o que significa que a instituição de defesa do interesse da sociedade vai estar totalmente subserviente ao Executivo e, ao mesmo tempo, o Judiciário vai estar também submetido a esse Executivo. Da mesma forma, tanto o Poder Legislativo quanto o primeiro governador eleito sairão desse clima de vitória para eles, que é a derrota do povo, porque a vitória deles é o esquartejamento do Pará. A vitória deles é a criação de Estados controlados pelos oligopólios de mineradoras, madeireiras e produtores bovinos, ou seja, são as patas do boi, a dinamite usada nas minas e as motosserras determinando, por conta do financiamento de campanha, quem serão os governadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores. Enfim, vai ser tudo um aparato burocrático completamente a serviço do grande capital financeiro expresso nessas empresas que hoje dominam o cenário econômico do Estado do Pará; ou seja, seriam três Estados frágeis, dominados por esses oligopólios.

Eles dizem que é importante dividir porque teríamos mais deputados federais e estaduais em cada Estado, mais dois governadores, dois tribunais de Justiça, mais três senadores por cada Estado, para defenderem os interesses da região. Eles dizem assim: vamos ter nove senadores, em vez de três. O que é totalmente absurdo, porque hoje a Amazônia (Região Norte) tem 21 senadores, o Nordeste tem 27, do Sudeste são 12 e o Sul só tem nove. Então, o que explica o Estado de São Paulo receber tantos recursos? Enquanto temos a Lei Kandir para nos tirar impostos, São Paulo – que consome a energia de Tucuruí, paraense, que vai pelo sistema integrado nacional de energia – recebe lá o ICMS, que é pago no lugar de consumo e não no local de produção. Por que nosso minério, que é exportado para São Paulo, Minas, Rio ou para o Japão, a China ou para os EUA, não deixa impostos aqui? Por conta da lei Kandir. Então, não é quantidade de senadores. O que falta, na verdade, é o Pará ter respeito pelo seu povo e mostrar que o território paraense e a riqueza que a natureza nos deu em minérios, a biodiversidade expressa nas florestas e na fauna são realmente inigualáveis em qualquer outra parte do mundo. Nossa diversidade social: existem180 línguas vivas dos povos indígenas, a quantidade enorme de quilombolas… Não é à toa que o primeiro quilombola reconhecido foi no Pará, em Oriximiná; exatamente um quilombola que resiste até hoje à dominação da Vale e da Mineração Rio do Norte. Então essa riqueza, essa força, essa diversidade social, cultural e ideológica são a força do Estado do Pará. Nós temos é que unir o nosso povo em torno de um projeto estratégico de transformação; e, fragmentando o nosso Estado, esse sonho ficará mais distante ainda.

Com essa divisão do Estado, quais serão os principais prejudicados?

Os trabalhadores serão os mais prejudicados, porque os Estados criados já nascem com déficit de mais de R$ 2 bilhões. O que significa dizer que esses Estados vão se endividar para cumprir suas obrigações. Aquilo que ficar para o Estado de Carajás, caso seja viabilizada essa desgraça, aquela estrutura que ficar para o Estado de Tapajós, dificilmente tudo isso vai ser mantido com qualidade (que hoje já é precária). Se há falta de investimento nessas regiões é porque há governos calhordas que aprofundam as desigualdades, porque governam para enriquecer os ricos; então, o que já é ruim vai piorar. Significa que vamos empregar mais recursos na burocracia e menos recursos para viabilizar postos de saúde, educação, pavimentação de ruas, drenagem, esgoto, água… Então nós vamos aprofundar as mazelas sociais. Se faltam recursos para assistência, saúde e educação, isso significa que vai ter mais gente morrendo nas portas dos hospitais, mais jovens sem escola, mais analfabetos, mais crianças nas ruas, mais jovens submetidos à violência estrutural, ao crime organizado, ao narcotráfico – a violência aumentando, a prostituição infantil  aumentando. Ou seja, isto prejudicaria os três Estados. Não se pode permitir que os trabalhadores votem a favor do sim, manipulados pelos interesses das grandes mineradoras, madeireiras, dos produtores de gado, agropecuaristas e, ao mesmo tempo, de políticos oportunistas que, querendo ser governador de Estado, senador, e sabendo que é mais difícil serem eleitos por um Estado como o Pará, com 7,5 milhões de habitantes, tentam fragmentar, porque assim, quiçá, consigam realizar os seus sonhos de oportunismo e carreirismo político.

Na história do Pará há registro de alguma divisão do povo? A Cabanagem não mostra que povo paraense sempre se uniu para defesa dos seus interesses?

É bom lembrar-se disso. Toda a Amazônia e parte do Maranhão eram o Grão Pará, e a Cabanagem, que durou de 1835 a 1840, foi um processo de luta intensa desde a tomada do poder, mas que começou a se forjar muito antes. O próprio Brig Palácios, naquela tentativa de constituir-se império e unir a Amazônia  – que era o Grão Pará e o Maranhão – com o resto do Brasil, constituiu em um único país o que até então eram colônias diferentes, duas colônias portuguesas, uma com a capital no Maranhão (que depois foi para Belém) e a outra que era o restante do Brasil. Hoje somos um único país e não queremos dividir esse país.

Após a Cabanagem houve uma estratégia de esquartejamento, de modo que da província do Grão Pará foram criados vários Estados. Uma das mais recentes agressões ao território paraense foi a criação do território do Amapá. Fala-se que Getúlio Vargas ligou para Barata e disse: “Tenho uma empresa norte-americana que irá explorar o manganês. Barata disse: “Pode mandar conversar conosco, presidente”. Getúlio Vargas disse: “Você não está entendendo, eu estou decretando a criação de um território autônomo, nomearei o governador desse território e a empresa irá explorar, por 50 anos, o manganês. E aí a empresa norte-americana não precisou de meio século: em pouco mais de 40 anos já tinha transformado as minas de manganês num grande buraco. Na década de 1990, a empresa saiu do Estado do Amapá, deixando lá o povo abandonado. O Brasil abriu mão de sua soberania e, veja só, foi esquartejando o Pará que  Getúlio Vargas conseguiu impor essa sangria ao território.É inadmissível que, depois de ter perdido tanto, agora aceitemos que, com o discurso de que o Pará é muito grande, deve ser dividido. E aí se cria o Estado do Tapajós, com 58% do território do Pará, onde cabe pelo menos uma França e meia. Se uma metrópole como Belém, um governo assentado a partir da capital de Belém, com mais de dois milhões de habitantes, tem dificuldade de administrar o Estado que é grande, é porque há governos que não têm interesse em diminuir as desigualdades territoriais e sociais. De modo que não é possível aceitar essa barbárie que pretendem impor. Nesse sentido a luta é suprapartidária. Temos que alimentar este sentimento nativista e dizer que quem ama o Pará tem que mantê-lo unido. A direita naturalmente trabalha para conquistar os paraenses de todas as regiões em favor da divisão porque ela está totalmente financiada pelos oligopólios, mas não é consenso mesmo nessas regiões. Nas viagens que tenho feito, há pouco cheguei do encontro mundial contra Belo Monte, muitos altamirenses afirmam ser contra a criação do Estado de Tapajós. Fui a Marabá, fui a Curianópolis, e muitas pessoas disseram: “Isso é coisa de políticos oportunistas que querem roubar o nosso dinheiro”. Então no povo há esse sentimento de rebeldia, por mais que as grandes empresas que querem dividir o Pará digam que têm maioria e que o povo quer.

Qual a importância desse debate que no momento se trava no Estado do Pará?

A proposta sobre a divisão do Estado, que é uma tentativa de esquartejar o Pará, traz um aspecto positivo: é que ela está permitindo um debate sobre que estratégia deve ser traçada para o verdadeiro desenvolvimento do Pará. Os partidos estão divididos, e talvez o único partido legal que tem posição oficial contra a divisão seja o PSOL. O PT está dividido, o PSDB também. Há segmentos do PSDB comandando a frente contra a divisão e há grande parte do PSDB a favor da divisão. No entanto, o que tem de positivo é que todos estão sendo obrigados a perceber que a única forma de manter o Pará forte, unido, é discutir uma estratégia de desenvolvimento econômico e social que não se reduza à concentração de terras e de lucros nas mãos de poucos. Neste sentido, a reforma agrária passa a ser uma necessidade, e ela entra neste debate estratégico. Mesmo os deputados e os políticos de direita estão sendo obrigados a discutir, por exemplo, o controle das terras públicas em favor de uma reforma agrária, o combate à violência, o controle das nossas riquezas minerais. Somente em 2010 foi R$ 1,7 bilhão que deixou de entrar no Estado do Pará, é muito dinheiro. Em 2011, a previsão é de que mais de R$ 2 bilhões deixarão  de entrar.  Quem fica com esse dinheiro? Os exportadores, a Vale do Rio Doce, as madeireiras, os pecuaristas, o agronegócio, os muito ricos se apropriando de um dinheiro que deveria ser usado na educação, na saúde, na assistência, no combate à violência. Se somos o segundo na pauta de exportação e um dos maiores produtores de minérios do mundo, o povo tem que se beneficiar disso, e não uma minoria de grandes empresas. O plebiscito, que é uma tentativa de destruição da unidade territorial paraense, contraditoriamente gerou essa possibilidade do movimento de esquerda, a exemplo do Partido Comunista Revolucionário que está presente nos atos e fazendo a defesa dos interesses estratégicos, assim como a militância do PSOL, do PSTU, da esquerda em geral. É preciso unir a esquerda para defender um governo a favor dos interesses dos povos da Amazônia, do Estado do Pará, dos camponeses, dos indígenas, dos quilombolas, dos pescadores, dos operários, dos estudantes e dos professores.

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