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terça-feira, 16 de abril de 2024

A quem serve o poder judiciário no Brasil

Ministros do STF: a serviço de quem?

Justiça neste país é pra rico, não pra pobre”, afirmou o advogado Antônio Donizete Ferreira, que defende as famílias (1,5 mil) despejadas do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP). Com o desabafo (Leia A Verdade, nº 136), o causídico apenas repetiu uma frase que ouvimos desde criança de nossos pais (e mães), avós, tios e tias e que traduz uma constatação da realidade nua e crua da sociedade capitalista em que vivemos e da árdua luta que se trava no dia a dia em todos os aspectos da vida do povo. A realidade desmente o que entufados professores tentam passar para os estudantes, de que o direito é uma ciência e como tal é neutra.

Na origem, o direito nasceu com a propriedade privada das terras e dos frutos do trabalho, com a escravização dos despossuídos, e nenhuma eficácia teria sem um apare-lho repressor que lhe garantisse a aplicação. O escravo aceitaria o jugo, caso não fosse submetido aos mais cruéis castigos, inclusive à morte, ao menor sinal de desobediência?  O camponês deixaria suas crianças minguarem famintas, olhando as viçosas plantações do fazendeiro ao lado se o “sagrado direito de propriedade” não garantisse ao juiz o envio de agentes policiais para lhe prender a fim de cumprir pena por roubo e invasão da propriedade alheia? É dizer, sem a espada que carrega na mão direita, a balança que conduz na mão esquerda nenhum poder conferiria à deusa Themis.

Que Direito?

No caso Pinheirinho, as instituições “democráticas” do Estado burguês e seus meios de comunicação, observem, condenam o excesso, a truculência policial, jamais o ato em si da desocupação, embasado num mandado judicial, pois “sentença de juiz se cumpre, não se discute”, não é esta a máxima? Que importância tem se a sentença prejudica 8 mil pessoas e favorece apenas uma, o pretenso “proprietário” Naji Nahas? Irrelevante, se ele é um especulador condenado ou indiciado por vários crimes, a exemplo da quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (1989) e da evasão de divisas e lavagem de dinheiro (2008). Interessa que foi condenado a 24 anos de prisão em primeira instância, mas recorreu e foi gozar férias no exterior enquanto a instância superior revogava a sentença? Mas, que jurista é você? Foi aprovado no Exame da Ordem, mas não sabe que cada caso é um caso e o que  não existe nos autos do processo que ele examina, é como se não tivesse existência no mundo?

Desse modo, a excelentíssima Márcia Loureiro, juíza da Sexta Vara Cível da Comarca de S. J. Campos não tinha que apreciar nada do que foi citado no parágrafo anterior ao expedir o Mandado de Reintegração “que respaldou uma das ações mais desastrosas da Polícia Militar paulista, com flagrantes claros de desrespeito aos direitos humanos” (Carta Capital, nº 684).

Então, aceitemos o desafio, abstraindo o passado criminoso de Naji Nahas, e analisemos o caso concreto, embora sem acesso aos autos. A juíza fundamenta sua sentença no direito de propriedade que fora ultrajado pelos “invasores”. Este direito é, de fato, assegurado pela Constituição Federal (1988) no art. 5º, inciso XXII: “É garantido o direito de propriedade”, mas condicionado logo a seguir, no inciso XXIII: “A propriedade atenderá a sua função social” e no inciso XXIV: “A Lei estabelecerá procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por inte-resse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”.

No caso, o próprio direito de propriedade é questionável, e sobre isto certamente há documentação no processo, pois é evidente a existência de grilagem. Ocorre que os proprietários, a família Kubitzky, assassinada em 1969, não deixou herdeiros. O terreno deveria ter sido transferido para o Estado, mas na omissão deste, passou para a grilagem, uma prática recorrente na região: “Bairros inteiros surgiram de terrenos grilados, legalizados com registros fraudulentos em cartório, crime difícil de ser comprovado, pois os registros foram adulterados há muitos anos”, explicou o advogado Antônio Donizete a Carta Capital (edição citada). Um desses “criadores de bairros inteiros” é Benedito Bento Filho, o Comendador Bentinho, que vendeu o terreno ao megaespeculador Nahas em 1985. Foi dado em garantia, em 1989, aos credores da Massa Falida da Selecta Comércio e Indústria S.A., de propriedade de Nahas. Ocupado pelas famílias sem teto em 2004, foi objeto, em 2005, de uma ação fiscal da prefeitura de S.J. dos Campos, para execução de IPTU em atraso.

A alegação de que o Juízo estaria garantindo o direito de credores da Massa Falida não procede porque há documentação comprobatória de que este direito havia sido satisfeito desde 2007 e ainda sobraram 3 milhões de reais depositados em conta à disposição do Juízo. Por outro lado, a prefeitura poderia ter desapropriado o terreno por interesse social sem custo indenizatório, haja vista o IPTU devido, mas não o fez.

Sem dúvida, os governos do Estado de São Paulo e do Município de São José dos Campos têm responsabilidade na forma com que o despejo foi realizado, mas o objetivo deste artigo é analisar a atuação do Judiciário.

A juíza Márcia Loureiro esqueceu também outro direito constitucional que protege as famílias expulsas como animais e que perderam, além das casas, seus pertences soterrados no amontoado de escombros: o direito a moradia digna está inserido no capítulo II da CF/88 – Dos Direitos Sociais, art. 6º, no mesmo nível dos direitos a educação, saúde, alimentação, trabalho, previdência social, etc.

A juíza comemorou o êxito da reintegração de posse concedida por ela. Na verdade, não feriu apenas 1.500 famílias, mas atingiu em cheio a Lei Maior, como vimos. Ocorreu, assim “o assassinato judiciário, o verdadeiro pecado mortal do Direito. O depositário e defensor da Lei tornou-se o assassino dela. É um médico que envenenou um doente”1

Assassinar o Direito é o que tem feito de modo permanente o Judiciário brasileiro. Venda de sentenças, anulação da condenação de poderosos por instâncias superiores, cerco ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por investigar movimentações financeiras de magistrados. Lenta, lerda, injusta. Levantamento do Banco Mundial colocar o Brasil na 100ª posição entre 180 nações analisadas.

O CNJ, criado para ser um órgão de controle externo tornou-se órgão interno, submetido ao Supremo Tribunal Federal (STF), sem poder de fiscalizar os membros desta Corte. Mesmo assim, tem investigado os judiciários estaduais, encontrando “venda de sentenças, improbidade administrativa, nepotismo, corrupção, etc.”. Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça e ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), lamentou a existência de “bandidos vestidos de toga”, na sua expressão. Foi chamada de autoritária, leviana e alvo de uma interpelação arquivada pela Procuradoria-Geral da República.  O juiz Fausto de Sanctis condenou o banqueiro Daniel Dantas a 10 anos de prisão por suborno e outras irregularidades, mas viu sua decisão ser revogada pelo STJ e foi submetido a ataques diversos. Exemplos não faltam. A pena máxima aplicada a um juiz por corrupção ou outros desvios de conduta é apenas a aposentadoria compulsória. Prêmio ou castigo?

Sem Luta, Não Há Direito

Por isso, o Judiciário não tem credibilidade no meio do povo, que vê processos simples se arrastarem por 5, 10, 15 anos, sem uma conclusão. “Para o pobre, só a Justiça de Deus”, acreditam as pessoas.  Mas essa visão fatalista precisa ser superada, pois leva à acomodação e só interessa às classes dominantes. E não tem fundamentação histórica, pois o direito tem passado por muitas transformações. No Brasil, mesmo, o trabalho escravo era previsto em lei, que foi derrubada por muita luta. É esta que garante o cumprimento da lei e a conquista de novos direitos.  “É uma concepção verdadeiramente romântica, que se assenta sobre uma falsa idealização, admitir que o direito se forma sem dor, sem custo, sem ação, como a erva dos campos; a dura realidade ensina porém o contrário. …. Todas as grandes conquistas que a história do direito registra – abolição da escravatura, da servidão,  da liberdade pessoal, das crenças, etc. foram alcançadas à custa de lutas ardentes, na maior parte das vezes continuada através dos séculos, por vezes são torrentes de sangue…A ideia do direito será eternamente um movimento progressivo de transformação”2.

É isto. Sem luta não há direito, que não bastar estar expresso em lei. E as lutas parciais, localizadas, são importantes mas não suficientes. É preciso que Pinheirinho seja sentido como problema geral do povo brasileiro, carente dos direitos sociais constitucionais: moradia, saúde, educação, previdência, etc. e que o povo, consciente, organizado e mobilizado, garanta seus direitos.

Analisamos a estrutura do Poder Judiciário. É claro que nem todos os juízes padecem de visão parcial, nem cometem os desvios apurados pelo CNJ e pelas Corregedorias de Justiça. Muitos compreendem a função social do Direito e não são meros “operadores”. Alguns estão se organizando na Associação de Juízes para a Democracia. ´

É de importância fundamental a atitude desses magistrados. Mas a mudança estrutural e definitiva do Poder Judiciário como de todo o Estado, só acontecerá com instâncias legislativas, executivas e judiciárias assentadas no Poder efetivo do povo.

1 Rudolf Von Ihering, A Luta pelo Direito, Martim Claret,2009, São Paulo).
2 Rudolf Von Ihering,obra citada.

Luiz Alves, advogado

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