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sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Carlos Pronzato: O cinema a serviço da transformação social

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Carlos Pronzato

O argentino Carlos Pronzato viajou por vários países sem filmar nem documentar nada. No México, realizou estudos de cinema, formou-se em direção teatral e iniciou o trabalho como cineasta, fazendo vídeos institucionais e documentários políticos engajados, quase todos abordando manifestações populares, sindicais e estudantis, mas também se dedicou aos filmes de recuperação histórica, como o do Che na Bolívia. Em 1989 chegou a Salvador, onde se estabeleceu e mora até hoje. 

Com poucos recursos e uma câmera na mão, Pronzato conseguiu realizar vários filmes: Carabina M2, uma arma americana – o Che na Bolívia; O Panelaço – a rebelião argentina (2001); Bolívia, a guerra do gás (2003); A Revolta do Buzu (2003); A rebelião dos pinguins – estudantes chilenos contra o sistema (2007); Buscando a Allende (2008); e Madres de Plaza de Mayo – memória, verdade, justiça (2009) – entre tantos outros. Conhecido como cineasta comprometido com a transformação social e política, Pronzato ganhou vários prêmios e, aqui, fala a A Verdade sobre o papel do cinema como transformador social.

A Verdade –  Como foi seu primeiro contato com cinema? 

Carlos Pronzato – Cresci numa casa onde se respirava arte, já que os meus pais eram artistas. Meu pai, músico, compositor, roteirista de cinema e tevê e dramaturgo; minha mãe, artista plástica e fotógrafa.   Assim, acompanhando o trabalho profissional deles, comecei a frequentar esse ambiente. Mas foi também, adolescente, assistindo a importantes programações em espaços culturais de Buenos Aires, que tive oportunidade de conhecer o cinema mundial. Posteriormente, iniciei-me na profissão trabalhando em diversas funções na indústria cinematográfica argentina. E continuei no México, até começar a viajar pelo  continente, no início da década de 1980, partindo justamente do país de Emiliano Zapata… e por terra!

Quando surgiu a ideia de fazer documentários que retratam a história dos povos oprimidos? 

Penso que foi durante e depois dessa longa viagem “sem motocicleta” que desembocou na Bahia, que começou de maneira ainda embrionária o meu interesse pelo registro dessas culturas e suas lutas. Percorri lugares e trabalhei em diversos ofícios na América Central, no auge dos enfrentamentos das guerrilhas contra os governos manipulados pelos EUA, também na Colômbia, no Peru, no Chile do ditador Pinochet etc. Foi justamente no Peru que comecei a escrever um roteiro, que nunca terminei, sobre uma jornalista (ex-namorada) imersa naquele conflito. Naquele tempo pensava primordialmente na ficção, mas, no final, na hora de dar forma e aprofundar os conteúdos daquela viagem, prevaleceu meu interesse pela documentação, pelo registro oral e pela história, e tudo desaguou no cinema documentário.  Talvez a construção dessa minha obra que circula e se multiplica por aí em diversos países, e  que me dá a sensação do dever cumprido, tenha se iniciado de fato no âmbito familiar e nesse percurso posterior pela nossa pátria grande. Mas é na Bahia que inicio mesmo minha atividade de documentarista nos conflitos locais, para depois começar a refazer a ideia latino-americana. E não podia deixar de citar também meu interesse pela antropologia visual e pelos filmes de Jean Rouch e o seu denominado cinema verdade.

Que o motivou a escolher Carlos Marighelha como tema de um documentário?

Além de me identificar com a sua proposta de ação constante, a ação faz a vanguarda, o “alerta”, quis abordar essa figura ímpar da recente história brasileira e latino-americana quando do seu centenário em 2011. Mas, principalmente, eu acabara de finalizar, em 2007, um documentário sobre Che Guevara (Carabina M2, uma arma americana – Che na Bolívia) e, como todo aquele que se debruça sobre a vida deste personagem continua pesquisando por toda a vida, chegou 2010 e decidi dar continuidade àquele período da nossa história recente, já que o Che foi assassinado em 1967, mesmo ano da irrupção do Marighella com a ALN [Ação Libertadora Nacional]. Então, é o período do baiano na luta armada que foco no documentário Carlos Marighella, quem samba fica, quem não samba vai embora, e é preciso assinalar o pouco conhecimento que percebi, na população em geral, sobre sua atuação na política nacional. Espero ter contribuído com esse trabalho, como tantos outros que o vêm pesquisando, para a difusão da sua figura de revolucionário que resistiu à ditadura civil-militar de uma época que ainda esconde os crimes de Estado.

Durante o período de produção, quais foram as lições aprendidas com a obra de Marighella?

No convívio de quase dois anos com o tema, tive oportunidade de conhecer uma época crucial da História deste país, estreitando relações com seus protagonistas, que me esclareceram certas dúvidas sobre a constituição das guerrilhas, suas organizações e seus procedimentos de luta. As lições, como diz a pergunta, estão sempre em processo, não se impõem simplesmente, e com certeza muito do estudado nesse período foi confrontado com outros de meus trabalhos  recentes e depoimentos históricos que constam desses trabalhos, o que constitui um rico material de reflexão para compreender melhor a América Latina. Acho que é para isso que nós cineastas militantes fazemos esses filmes, como ferramentas de ampla difusão da luta popular e do resguardo da memória, sem abandonar a importantíssima possibilidade de penetração no mundo acadêmico, pelo menos no meu caso, e ao que este trabalho em particular se propõe. Talvez a lição maior fique por conta da atualidade da sua proposta de atingir transformações estruturais na sociedade.

Quais filmes considera mais importantes?  

Acho que todos tiveram sua importância na hora da realização (e da exibição, principalmente), alguns circulando mais, graças também à velha e boa pirataria, e outros menos. Alguns realizados no calor da hora e outros como recuperação da memória histórica, todos conformam um único e longo filme – sempre incompleto – , um fio contínuo de respostas dos atores sociais e políticos aos desmandos do projeto neoliberal, que agride o ser humano com a alarmante e genocida desigualdade da sua cartilha. Mas se tiver que escolher uns, e não apenas um, eu diria que são O Panelaço, a rebelião argentina (2001), Bolívia, a guerra do gás (2003), A Revolta do Buzu (03) e A Rebelião dos Pinguins, estudantes chilenos contra o sistema (2007) – que seriam os realizados no calor da hora ou imediatamente depois, no cheiro da fumaça. Dentre os históricos, citaria Buscando a Allende (2008), Madres de Plaza de Mayo, memória, verdade, justiça (2009), o do Che citado acima e o mais recente do Marighella. Difícil escolher o melhor dentre tantos filhos… Bem, e o fruto de tudo isto, além de me permitir retornar às estradas latino-americanas e saber de muitos que escolheram essa atividade depois de assistirem a alguns desses documentários, acho que é a continuidade e a dimensão que essa atividade tomou na minha vida, o que muitas vezes me impede de me dedicar à literatura e ao teatro, minhas outras atividades como artista e como militante.

Você sofre discriminação pelo fato de expressar sua opinião política em seus filmes?

Há de fato uma opção que temos que assumir quando empunhamos uma arma como o cinema combativo, que nos conduz a tomar posições políticas com os de baixo.  Nas explosivas décadas de 60 e 70 do século passado, muitos cineastas tombaram por enfrentar ditaduras e governos reacionários com suas armas audiovisuais que quase eram armas de verdade. Hoje, o mundo é outro, vivemos na hipocrisia de uma democracia corrupta, num reformismo aliciado e em conluio com o capital em que o cinema de intervenção política é um elemento a mais de discordância com o sistema, não é mais clandestino, e opera num mundo crivado de informação instantânea. Nossa periculosidade aos olhos do poder diminui bastante, houve talvez uma transferência de observação punitiva para o mundo dos wikileaks... Em resumo, com as novas possibilidades de comunicação alternativa, a discriminação para com nossas narrativas e por quem as capta, recorta e exibe, é bem sutil…

Uma mensagem para os leitores do  jornal A Verdade?

Em primeiro lugar, agradecer o espaço e reafirmar a importância dos jornais alternativos, que operam fora do mercado tradicional, sejam veículos culturais, informativos gerais ou, como este, jornais políticos, portadores da opinião de militantes comprometidos com a ação popular contemporânea e a história social do nosso país e continente, o que nos faz caminhantes dos mesmos caminhos, cada um por seus atalhos e com seu instrumental específico, mas com um objetivo comum, que é o de contribuir com a transformação social.

Claudiane Lopes,
diretora da União Nacional dos Estudantes-UNE
 

Para adquirir os filmes de Carlos Pronzato, entrar em contato pelos telefones:

(71) 3345.1268/ (71) 8887.8471/ (71) 9214.4402

ou [email protected][email protected].

Valor de cada obra audiovisual: R$ 30,00 (Brasil) mais taxas de correio.

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