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sábado, 16 de novembro de 2024

Odijas sofreu mais de 300 agressões de torturadores, diz ex-preso político

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Na tarde do dia 18 de outubro, no auditório do Banco Central em Recife, a Comissão da Verdade Dom Hélder Câmara realizou a primeira sessão sobre a morte de Odijas Carvalho de Souza (1945-1971) (leia A Verdade, nº 43), estudante de Agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), líder do movimento estudantil e militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Odijas foi preso pelo Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco (Dops/PE), para averiguação, no dia 30 de janeiro de 1971; em seu prontuário não constava nenhum depoimento, e a causa de sua morte foi declarada como edema pulmonar. A Comissão tomou os depoimentos dos ex-presos políticos e testemunhas das torturas: Lylia Guedes, Alberto Vinícius, Tarzan Castro e Maria Cristina Castro.

A audiência começou pela leitura da carta de saudação a Lylia Guedes escrita pelo Diretório Central dos Estudantes Odijas Carvalho de Souza (DCE-UFRPE): “Muito nos orgulha conhecer em vida a lutadora que esteve com Odijas no momento de sua prisão e de seus momentos difíceis. A apuração dos crimes cometidos, a abertura dos arquivos, a punição dos torturadores e o depoimento dos militantes são fundamentais para que se faça justiça a todos os jovens que, assim como Odijas, pagaram com sua própria vida para que o povo brasileiro conquistasse um Estado democrático e um país mais justo”.

Em seguida, veio o recolhimento dos depoimentos. A primeira a ser ouvida foi Lylia Guedes, presa junto com Odijas na casa em que residiam, na clandestinidade, na praia de Maria Farinha, em Paulista, cidade da Região Metropolitana do Recife.  Em seu relato, ela demonstrou visível incômodo ao recordar as torturas e forneceu detalhes do momento da prisão. Contou que era por volta das seis e meia da manhã do dia 30 de janeiro de 1971 quando Odijas, vestido apenas de bermuda, se preparava para correr na praia, como fazia todos os dias. “Ele estava com 25 anos, corria na praia regularmente e não tinha nenhum problema de saúde. Não morreria de edema pulmonar se não fosse massacrado. Os militares deram um atestado de óbito falso”.

Lylia presenciou as torturas, pois ela tinha apenas 18 anos e não era muito conhecida, e a principal forma de torturá-la era ver o que estava se passando. No dia 6 de fevereiro, Odijas foi levado do Dops. Os outros presos políticos suspeitavam de sua morte e, para arrancar alguma informação, fizeram uma greve de fome que durou cerca de 15 dias. Para tentar pôr fim à greve, os militares ofereciam comida mais sofisticadas, mas, mesmo assim, os presos resistiam e bebiam, às escondidas, água da privada.

O segundo depoente foi Alberto Vinícius, ex-preso político e amigo de Odijas. “Foram 17 horas seguidas de violência; das celas nós ouvíamos os gritos, pancadas e perguntas dos torturadores em busca de informações. Depois disso, ele ficou todo arrebentado e urinando sangue e, até o dia de sua morte, não sofreu mais torturas físicas, somente psicológicas”. E mais: “Com a morte de Odijas, os presos saíram do Dops e eram torturados no Exército e na Aeronáutica. Lá conheci a força do coronel Carlos Alberto Bravo Câmara e do tenente Castilho. Depois fui para a prisão Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, onde ficávamos em celas reservadas para presos políticos”.

A mobilização pela denúncia da morte de Odijas tomou repercussão internacional. Os presos no Dops escreveram e assinaram uma denúncia que foi encaminhada a entidades de defesa dos direitos humanos internacionais, escrita em papel de cigarros, como relatou Alberto Vinícius. “Precisávamos revelar o que estava acontecendo. Nosso relato chegou às mãos de dom Hélder Câmara, e a Arquidiocese [de Olinda e Recife] fez esse documento chegar ao exterior”.

Tarzan Castro, ex-preso político e deputado estadual em Goiás, em seu depoimento revelou: “O silêncio dele causava ódio nos torturadores, que se sentiam desafiados e batiam cada vez mais.” Tarzan era companheiro de cela de Odijas, e, em uma das torturas, que sempre aconteciam em uma sala próxima, chegou a contar 300 agressões. “Ele chegava arrebentado na minha cela, passava algumas horas e depois o levavam para o ‘pau de arara’. Passei por outras prisões e vi muita tortura no Chile, mas as pancadas aqui eram para matar. Cheguei a falar que ele não iria aguentar, e o secretário de Segurança me respondia que isso era ‘um esparro’ dele”, relatou Tarzan Castro.

Bastante emocionada e com os olhos marejados, Maria Cristina Castro, ex-presa política e esposa de Tarzan de Castro na época, contou que, ao ouvir as torturas e movimentação no corredor que dava acesso à sala onde elas eram perpetradas, não acreditava que tantos homens e tanta violência eram para apenas uma pessoa. Um momento marcante, e que a emocionou muito em seu depoimento, foi se recordar quando viu Odijas ser levado do Dops. Dois soldados o sustentavam pelo braço, e ele gritou para ela: “Meu nome é Odijas Carvalho. Eu sou Odijas Carvalho de Souza.” Até hoje Cristina diz se recordar daquele momento, às vezes sonha com Odijas e lembra suas palavras como forma de incentivo para si mesma.

Entre os principais nomes citados pelas testemunhas, estão o do secretário de Segurança Pública Armando Samico e o investigador reconhecido como Miranda. Outros nomes são o do coronel reformado da Polícia Militar e ex-deputado, José Siqueira, o diretor do Dops, Ordolito Azevedo, os delegados Aquino Farias e Carlos de Brito e os investigadores Fausto Venâncio, Edmundo Brito, Ivaldo Vieira, Severino Pereira, Rível Rocha e Cesário. A comissão enviará um ofício ao Governo de Pernambuco solicitando informações sobre os agentes e pessoas citadas nos depoimentos, a fim de que sejam convocados para prestar esclarecimentos.

A comissão vai encaminhar pedido judicial para que o atestado de óbito de Odijas seja retificado. Para o relator, Roberto Franca, “independentemente de se confirmarem os acusados, já está caracterizada a responsabilidade do Estado e a falsidade do atestado de óbito.”

O sentimento que ficou dessa primeira audiência foi o de que foi muito importante para que tenhamos conhecimento do que ocorreu com Odijas e do quanto foi torturado, já que a maioria das informações era praticamente desconhecida. Odijas foi sepultado no Cemitério dos Ingleses, no bairro de Santo Amaro, no Recife, com o nome falso “Osias de Carvalho Souza”.  O governo militar destruiu várias provas, documentos da época, e até seu nome. Ficou evidente o caráter internacional das ditaduras militares e a colaboração de vários países com os crimes que aconteceram em nosso país.

Odijas, o Neguinho, como era chamado pelos seus camaradas e amigos, era um jovem alegre, brincalhão, e que, apesar de sua morte física, continua vivo na memória. A repressão não conseguiu matar o espírito jovem e de luta de Odijas, que acima de tudo respondeu com silêncio aos torturadores e entregou sua vida pela libertação do povo brasileiro, dos estudantes, e em prol da conquista da democracia!

Lidiane Monteiro, Coordenadora-geral do DCE-UFRPE Odijas Carvalho de Souza

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