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sábado, 23 de novembro de 2024

Bertolt Brecht: a cultura em favor de um mundo novo

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Playwright Bertolt BrechtQual boletim de sindicato, de movimento popular, jornal ou outras publicações de esquerda não citaram o “Analfabeto Político”; não mencionaram que ninguém chama de violentas as margens que oprimem o rio; não alertaram para o individualismo e o comodismo de quem não se preocupa que alguém lhe tire uma rosa do jardim, que sequestrem o vizinho porque não tem nada a ver com isso, até que seja tarde demais; “Há homens que lutam a vida toda…”. Às vezes, sim, às vezes, não, escreve-se o nome de quem elaborou esses pensamentos tão profundos e eternos.

A mesma Alemanha que gerou Hitler para a destruição da Humanidade, produziu seu antídoto sintetizado pelo filósofo que não veio para interpretar, mas para transformar o mundo (Karl Marx) e no campo da cultura, pelo genial Eugen Bertholt Friedrich Brecht. Ele nasceu no dia 10 de fevereiro de 1898, em Augsburg, extremo sul da Alemanha. Mudou-se para Berlim no final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Viveu na juventude toda a efervescência e acirradas lutas de classes da República de Weimar.

Poucos e Frutíferos Anos

As perdas humanas e territoriais que a Rússia teve na Primeira Guerra Mundial foram compensadas pelo avanço que significou a Revolução Bolchevique (1917). Já o povo alemão, nada ganhou. Derrotada, a Alemanha teve de assinar o Tratado de Versalhes em condições humilhantes. Com o rabo entre as pernas, o Império (II Reich) saiu de cena e cedeu lugar à República, fundada na cidade de Weimar.

Nas condições em que surgiu, tendo de assinar a rendição, sem provocar alterações no sistema econômico (capitalista), o povo não entendeu a República como uma conquista. Consideravam-na fraca, elemento que seria muito bem explorado pelos nazistas para obter a adesão popular a um regime totalitarista que acenava com a perspectiva de uma nação forte, dominadora, e anunciava a superioridade da raça ariana e o resgate do seu poderio. O fim do regime republicano ocorre em 1933, com a ascensão de Adolf Hitler ao Governo e ao poder.

Mas foram anos intensos em que, influenciado pela Revolução Russa, o povo alemão viveu lutas memoráveis, inclusive uma tentativa de tomada do poder à bolchevique, com a Revolução Espartaquista (1919)(1). No campo da cultura, a efervescência dos anos 20 do século passado não teve precedente nem consequente.

Brecht, que já iniciara sua produção teatral no interior, bebe das fontes revolucionárias, representadas na Alemanha por Erwin Piscator, por meio do qual conhece, assimila e se aprofunda na teoria e na prática da Proletkult (Cultura Proletária) russa (1917-1926). Inspiram-no Emilevitch e Victor Chklovski , com sua teoria do estranhamento.

Isto é, tirar o convencional do palco, causar estranheza para provocar a reflexão. O público deixa de ser mero espectador para participar de todo o processo da produção teatral: montagem, ensaios, encenação, debates posteriores, sempre contribuindo, questionando, intervindo. O Construtivismo negava a arte pela arte, arte como simples entretenimento ou produto de mercado. O teatro épico se contrapõe ao teatro dramático, de origem grega, cuja definição se faz por ninguém mais, ninguém menos que Aristóteles, em sua Poética: “…conduz o espectador a uma ilusão da realidade e redução da percepção crítica”.(2) No teatro épico revolucionário a diferença não está apenas na objetividade do conteúdo, mas também na forma, dialeticamente relacionados: o proletariado vai para o palco (conteúdo) e o palco vem para o meio do proletariado (forma). A criação também se tornou prioritariamente coletiva; a esta prática, Brecht não aderiu inteiramente, dada a sua genialidade como autor.

Brecht não foi apenas dramaturgo. Foi poeta, pensador e pôs a mão no cinema. Nesses aspectos, as influências também são grandiosas e revolucionárias: o grande poeta Maiakovski (3), o não menos festejado cineasta Sergei Eisestein e as técnicas de colagem de Picasso (4)adaptadas para o teatro e o cinema(5).

Nos anos 20, o rádio era, ainda, uma experiência embrionária. Brecht previu sua importância como instrumento de educação, mobilização, formação de opinião do povo. Escreveu a TEORIA DO RÁDIO, à qual a esquerda não deu muita importância, infelizmente, porque Hitler soube utilizá-la magistralmente.

Com a subida de Hitler e do nazismo ao poder, qualquer sopro de criação, qualquer movimento de massa à esquerda foi esmagado sem dó nem piedade. Além de artista revolucionário, Bertolt Brecht se filiara ao Partido Comunista da Alemanha no final dos anos 20. Antes de ser massacrado pela bota opressora, exilou-se. Longe do movimento de massas, dedicou-se à reflexão sobre o teatro e a arte em geral, escreveu poemas e produziu peças. Nestas, sem abrir mão da objetividade revolucionária, deu ênfase também ao comportamento, aos sentimentos humanos, sem esconder que eles provêm da vida social. Foram as peças desse período que o tornaram conhecido mundialmente. Entre outras, A Mãe, O Casamento do Pequeno-Burguês, O Círculo de Giz Caucasiano, Os Fuzis da Senhora Carrar.

Passou pela Áustria, Suíça, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Inglaterra, Rússia, Estados Unidos. Em 1947, dois anos após o término da Segunda Guerra Mundial, retorna à Alemanha, vivendo na parte oriental, que passou a compor o bloco socialista. Aí, fundou a Companhia Teatral Berlim Ensemble, que encenava, principalmente, suas peças, e publicou suas Obras Completas. Recebeu o Prêmio Stalin da Paz em 1954. Faleceu no dia 14 de agosto de 1956, aos 58 anos de idade.

Brecht no Brasil

A influência brechtiana no Brasil remonta aos anos 40 e teve seu auge nos anos que antecederam ao golpe de estado de 1964, com o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, o Teatro de Arena, o Teatro do Oprimido, o Cinema Novo. Autores como Dias Gomes, Augusto Boal, IdibalPiveta, Glauber Rocha, Zé Celso Martinez têm maior ou menor referência em Brecht.

No período da ditadura, se a expressão é bem mais difícil, a referência continua forte e reflui nos anos 80/90. Ocorre que a redemocratização trouxe a ilusão de volta e a crença, tantas vezes refutada pela História, de que a via institucional é capaz de promover a transformação da sociedade. Assim, em vez de mobilizar, organizar e desenvolver a consciência de classe, a grande maioria da esquerda passa a preocupar-se com a conquista do voto. Esta guinada foi influenciada também pelo fim do bloco socialista soviético. A burguesia cantou vitória e afirmou: a História terminou.

Demorou pouco para a História seguir seu curso e para a Teoria Marxista comprovar seu caráter científico: enquanto houver divisão de classes, a luta será o motor da História. O capitalismo cava a própria cova, enredado em suas contradições insolúveis. A crise se instalou na periferia, atingiu o centro e não vislumbra solução dentro do sistema, e o povo oprimido saiu da acomodação tanto lá como aqui.

Mas nem todo mundo se rendeu (ou se vendeu) ao canto da sereia burguesa. Em 1997, nasce em São Paulo a Companhia do Latão7, com a proposta de resgatar Brecht, sem dogmatismo, pois isto seria trair a teoria brechteana. Em 1998, é celebrado o centenário de nascimento do grande dramaturgo e poeta, com encenação de peças, debates, conferências e outras atividades.

A proposta de um teatro, de uma arte, que não seja mero entretenimento para o “respeitável público” é mais atual do que nunca. É preciso que seja retomada não apenas como expressão da vida do povo, mas como meio de transformação a partir da reflexão, da participação, da organização.

A peça Ensaio sobre o Latão, encenada pela Companhia do Latão, termina com o Diretor falando: “…Queremos espectadores despertos capazes de sonhar em pleno dia…”. É dizer, não sonhar o sonho impossível, que acontece muitas vezes durante o nosso sono. Mas sonhar acordado, com os pés no chão, aquele sonho mobilizador de que falava Lenin, parodiando o poeta Pisarev. O sonho que não se sonha só, mas é um sonho coletivo, que nega a realidade em que vivemos, supera o comodismo e nos mobiliza em vista da sociedade sem classes que enxergamos numa revolucionária visão do futuro.

José Levino é historiador

Notas
1.  Sobre a Revolução Espartaquista, leia A Verdade, nº 59, no artigo da pg. 12, dedicado a Rosa Luxemburgo.
2. Citado por Camila HespanholPeruchi em Companhia do Latão, uma experiência com teatro dialético no Brasil – projeto de iniciação científica – Universidade Estadual de Maringá (PR).
3. Sobre Maiakovski, leia artigo em A Verdade, nº 149.
4. Sobre Pablo Picasso, leia A Verdade, nº 90.
5. Brecht, entre documentários e filmes de menor repercussão, produziu KuhleWampe, filme sobre a vida e os anseios da classe operária.

Louvor do Revolucionário
Bertolt Brecht

Quando a opressão aumenta
Muitos se desencorajam
Mas a coragem dele cresce.
Ele organiza a luta
Pelo tostão do salário, pela água do chá
E pelo poder no Estado.
Pergunta à propriedade:
Donde vens tu?
Pergunta às opiniões:
A quem aproveitais?

Onde quer que todos calem
Ali falará ele
E onde reina a opressão e se fala do Destino
Ele nomeará os nomes.

Onde se senta à mesa
Senta-se a insatisfação à mesa
A comida estraga-se
E reconhece-se que o quarto é acanhado.

Pra onde quer que o expulsem, para lá
Vai a revolta, e donde é escorraçado
Fica ainda lá o desassossego.

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