Até o dia 22 de julho, 1.720 pessoas haviam sido presas nas manifestações em todo o País – número ainda maior após os protestos durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no Rio de Janeiro, na última semana de julho. Desses 1.720 presos, 230 eram jovens.
São Paulo foi o local de maior repressão, com 212 detidos, seguida por Belo Horizonte, com 141, por Brasília, com 90, e pelo Rio de Janeiro, com 87. A grande maioria foi presa por suspeita de crimes como dano ao patrimônio público e formação de quadrilha. Mas esses crimes ocorreram?
O que aconteceu foi que a Polícia enquadrou qualquer manifestante preso no crime de formação de quadrilha. Logo, o País contou com uma quadrilha de alguns milhões de pessoas no dia da maior manifestação. Essa medida foi realizada porque o crime de dano ao patrimônio público é considerado leve, e a pena é trocada por medidas alternativas. Já para formação de quadrilha e outras acusações como furto e roubo, a pena pode ser a prisão imediata, como aconteceu com os manifestantes Caio Brasil (RJ) e Cris Maria (Recife), que foram levados para presídios como se fossem criminosos perigosos. Caio foi preso juntamente com um cadeirante acusado de fugir da Polícia e um morador de rua acusado de roubo.
Na última semana de julho, durante a Jornada Mundial Juventude (JMJ), a Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) deu uma aula de fascismo. Enquanto infiltrava policiais (os chamados P2) para estimular o confronto entre manifestantes e o Batalhão de Choque, a conta da PMERJ no Twitter (rede social na internet) lançava comentários atacando os manifestantes, criticando a mídia alternativa, dizendo que os advogados dos presos e a OAB atrapalhavam o trabalho da Polícia e divulgando fotos dos jornalistas presos (medida proibida pela Constituição do Estado do Rio de Janeiro).
Em um dos comentários, as fotos de dois repórteres da Mídia Ninja (que transmite as manifestações pela internet) na delegacia foram divulgadas, expondo-os mesmo sem comprovação de nenhum crime. Mas, minutos antes, a mesma PMERJ publicou comentário dizendo que proibir a mídia de trabalhar era vandalismo.
Ora, o que a PMERJ (e a PM de outros estados) demonstrou foi seu lado autoritário e fascista. Prendeu jornalistas – sendo que os mesmos têm permissão para atuar com autonomia até em zonas de guerra – só porque mostravam os abusos da própria Polícia; prendeu manifestantes sem prova alguma e plantou provas ao colocar drogas e bombas dentro das bolsas dos manifestantes presos; prendeu pessoas que nada tinham a ver com as manifestações e atirou livremente no rosto de manifestantes e repórteres.
Onde está Amarildo?
Entre todos os crimes cometidos, um deles parece ter saído do controle dos órgãos repressores. O pedreiro Amarildo Dias de Souza, de 42 anos, morador da Favela da Rocinha, onde vivia em um cômodo com a mulher e seis filhos, e que recebia R$ 300 para trabalhar em uma obra em Copacabana, está desaparecido desde o dia 14 de julho, quando foi levado da comunidade por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
Amarildo voltava de uma pescaria quando foi abordado e levado para “averiguação”. Desde então, a família e vizinhos já buscaram por ele em hospitais, delegacias e até mesmo no necrotério, sem obter resposta. Segundo testemunhas, a PM diz que ele foi liberado, mas que as câmeras tiveram uma pane e que não existem imagens da liberação. O Governo carioca e a Polícia se calam. Quando muito, lamentam e dizem que vão acompanhar o caso.
São quase 30 anos desde a redemocratização do País, mas a Polícia criada pela Ditadura Civil-Militar continua inserida na sociedade. Os crimes que vemos hoje não são mais do que a continuidade da repressão que existia naquele período horrível de nossa história.
Os desaparecimentos são os mesmos ocorridos com as centenas de militantes (estudantes e trabalhadores) assassinados na Ditadura, muitos desaparecidos até hoje. A agressão aos jornalistas é a mesma que vitimou o jornalista da TV Cultura, Vladimir Herzog, no Dops de São Paulo. A prisão de estudantes é a mesma que ocorreu, em 1968, no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna-SP, quando cerca de 800 jovens foram presos por organizar o movimento estudantil. As mentiras da Polícia são as mesmas que justificavam as mortes por tortura como mortes em tiroteio. E o fascismo é o mesmo que sempre matou jovens negros e pobres nas periferias.
Lenin, líder da Revolução Socialista Russa, escreveu no início do século passado, no livro O Estado e a Revolução, que o Estado é uma arma das classes opressoras (ricos) contra os explorados (pobres) e que se afasta cada vez mais da população, precisando para isso de uma força armada a fim de controlar e aterrorizar o povo, para que este tenha medo de se rebelar. O Estado não é nada mais do que uma ditadura disfarçada de democracia.
Essas palavras se mostram tanto mais certas quanto mais avança a crise do sistema capitalista e a vontade do povo de tomar o poder. Por isso, os trabalhadores não podem compactuar com a existência de uma PM que já foi denunciada pela ONU e que mata mais do que exércitos em guerra.
Lucas Marcelino, São Paulo