Após a reação do jogador Daniel Alves, do Barcelona e da seleção brasileira, que comeu uma banana atirada contra ele por torcedores do Villareal, durante partida no último dia 27 de abril, diversas pessoas utilizaram a imagem de uma banana e a frase “somos todos macacos” em solidariedade ao atleta e como resposta ao ato racista ocorrido. A campanha foi iniciada pelo também jogador Neymar e teve rápida repercussão nas redes sociais, ganhando a adesão de muitos famosos.
Porém, todos sabemos que nenhum de nós é macaco, nem Daniel Alves, nem nenhum outro ser vivo da espécie humana, seja qual for a cor de sua pele ou etnia. Mas será essa a principal pergunta a ser respondida? Um homem recebe insultos racistas por ser negro, e a grande questão se resume a dizer se “somos ou não macacos”?
O ato de chamar negros de macacos, amplamente praticando em todos os países do mundo onde há negros, inclusive no Brasil, tem em seu significado o cerne do pensamento racista. Os fundamentos filosóficos do pensamento racista consideram que algumas raças são “geneticamente” superiores a outras (ou etnias, pois cientificamente já está comprovado que não existem raças na espécie humana) na escala evolutiva da humanidade. Para os racistas, negros seriam, portanto, mais próximos aos nossos ancestrais macacos por serem menos evoluídos. O nazismo tomou tal fundamento como base para sua ideologia, considerando a raça ariana como “a mais evoluída de todas”. Usou este argumento como justificativa para dominar povos, explorar pessoas em campos de trabalhos forçados e exterminar judeus e outros não-arianos.
No Brasil, temos algo semelhante desde o princípio de nossa colonização: o tráfico negreiro. Assim como a superexploração da mão de obra africana, o tráfico de escravos se tornou uma atividade extremamente lucrativa para as classes dominantes. Para justificar a divisão da sociedade entre senhores e escravos, o trabalho forçado, as torturas, etc., a Igreja Católica “inventou” a teoria de que os negros não teriam alma e, por isso, não sofriam ao serem torturados. O tratamento desigual dados aos escravos seria um castigo de Deus aos povos africanos por estes não serem cristãos.
Justificativas para a exploração e a opressão passaram a ser ensinadas nas escolas e se tornaram ideologia, convencendo até hoje milhares de pessoas de que elas são superiores a outras por sua “raça” ou cor da pele, e que, portanto, podem discriminar, rebaixar e insultar outros seres humanos por isso.
Diante disso, a campanha de Neymar e de outras “personalidades, como o apresentador Luciano Huck, bem como a grande adesão que esta teve nas redes sociais e na grande mídia, cumprem o papel de aproveitar, de forma oportunista, um fato revoltante para emplacar campanhas publicitárias lucrativas e aumentar a venda de produtos ligados às pessoas que estão à frente do “movimento” (Luciano Huck se diz contra o racismo, mas até hoje nenhum modelo negro participou de campanhas de suas marcas), além de despolitizar a questão, banalizando um problema sério que é o racismo.
Desde pequeno somos ensinados a tratar insultos racistas como piada, a “levar na esportiva”, a considerar tudo uma grande “brincadeira” e, portanto, “normal”. Prova disso foi o que fez Pelé, grande parceiro da Fifa e das mega corporações esportivas internacionais, ao afirmar que “Daniel Alves foi vítima de ato banal”.
Não, Pelé, racismo não é algo banal; é uma coisa muito séria. Causa sofrimento e mortes em todo o mundo. Esse tipo de postura e reação despolitizadas e alienantes de atletas, artistas, formadores de opinião e governantes têm um objetivo certo: banalizar o real significado do racismo em nossa sociedade, o que dá mais força pra que ele continue existindo.
Chega de racismo! “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.
Elóa Santos, Rio de Janeiro