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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Onde está meu filho? A busca de Dona Elzita por Fernando Santa Cruz

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fernando santa cruzO dia 1º de abril de 1964 foi um dia triste na história do povo brasileiro. O golpe militar realizado nessa data frustrou as esperanças dos que acreditavam nas reformas de base anunciadas por João Goulart e impôs um regime autoritário, que perseguiu e assassinou patriotas defensores de uma sociedade justa e democrática. Prisões de cunho político, torturas, estupros, mortes e desaparecimentos de militantes que lutaram contra esse regime ditatorial foram o saldo de vinte e um anos de terror.

São inúmeras as famílias que até hoje sofrem a ausência de seus parentes. Mães choram o desaparecimento de seus filhos sem terem sequer um túmulo onde depositar suas homenagens. Dona Elzita Santa Cruz, mãe de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido político, é uma delas. Fernando tinha 26 anos quando desapareceu, num sábado, ao sair da casa de parentes, no Rio de Janeiro, para se encontrar com seu camarada de organização política Eduardo Collier Filho. Ambos militavam na Ação Popular Marxista-Leninista.

Nascida em 14 de outubro de 1913, dona Elzita transformou-se num exemplo de coragem e perseverança na busca da verdadeira história por trás do sumiço de Fernando e pelo direito de enterrá-lo dignamente. Desde o início da militância de seus filhos, ela sempre os apoiou, acolhendo seus camaradas em sua casa e defendendo-os das truculências e perseguições policiais. Em uma passagem do livro Onde está meu filho?, biografia dessa mulher de coragem, Rosalina Santa Cruz, irmã de Fernando, relata a ousadia de sua mãe:

“Em 1972, começo de janeiro, presa no Rio de Janeiro, fui levada do DOI-Codi Barão de Mesquita para a sede do I Exército (…). Ao chegar, tive uma grata surpresa – lá estavam: Geraldo, meu então companheiro, preso como eu, meus sogros e minha mãe. (…) O coronel iniciou uma preleção na qual aconselhava nossos pais a nos estimular a colaborar no inquérito. Logo depois da fala do coronel, ouço no fundo da sala a voz firme e emocionada da mamãe: ‘O que o senhor quer dizer com isso, coronel? O senhor está insinuando que devo pedir à minha filha para delatar seus companheiros. Jamais farei isso, coronel, não criei filha minha para ser dedo duro’.”

“Foram as circunstâncias da vida que fizeram com que participasse ativamente da resistência à Ditadura e pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Esta talvez tenha sido e continua sendo minha principal bandeira. (…) Ressaltei minha condição de mãe de dez filhos, entre eles Fernando Santa Cruz, jovem que, aos 26 anos, foi sequestrado, assassinado às escondidas pela repressão política, cujo cadáver foi ocultado. (…) Essa história de vida fez de minha pessoa representante de todas as mães, esposas, irmãs e filhas dos desaparecidos e de todos que, das mais variadas formas, combateram a Ditadura”, declarou dona Elzita por ocasião do recebimento do Prêmio de Direitos Humanos da Categoria Direito à Memória e à Verdade, em 13 de dezembro de 2010.

Executado sem julgamento e sem defesa

Nessa caminhada, as informações confusas e desencontradas, muitas vezes obtidas extraoficialmente e sob sigilo, nunca desanimaram dona Elzita.

No início de março de 1974, a família soube que Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier estariam em São Paulo, para onde teriam sido levados pelos órgãos de repressão do Rio de Janeiro após sua prisão. No dia 14 de março, seguiram para lá Márcia, irmã de Fernando, acompanhada de parentes de Eduardo. Recebidas por dois militares no DOI-Codi, foram informadas de que não era dia de visita para os presos Eduardo e Fernando, o que só poderia ser feito no domingo seguinte, dia 17, às 10 horas. No dia marcado, o chefe do serviço do dia, identificado como Homero, declarou que havia ocorrido um lamentável equívoco na informação e que nem Fernando nem Eduardo estavam ali.

Inúmeras cartas foram escritas por dona Elzita para todas as autoridades brasileiras. O caso ganhou repercussão depois do pronunciamento, em abril de 1974, do senador Franco Montoro, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) de São Paulo, a respeito das prisões ilegais que aconteciam na época. O governo foi pressionado a dar explicações sobre os desaparecimentos, e a notícia correu o mundo em publicações como as do periódico francês Le Monde e do jornal The New York Times, dos Estados Unidos. Até hoje, porém, o caso não foi solucionado.

“É justo, é humano, é cristão que um órgão de segurança encarcere, depois de sequestrar, um jovem que trabalhava e estudava, sem que à sua família seja dada qualquer informação sobre o seu paradeiro e as acusações que lhe são imputadas?”, escreveu dona Elzita em carta ao marechal Juarez Távora, datada de 21 de maio de 1974. Na mesma epístola, dona Elzita, angustiada, pergunta ao marechal: “Meu querido filho também é esposo e pai. Que direi ao meu neto quando jovem se fizer e quando me indagar que fim levou o seu pai, se ele não tiver a felicidade de seu regresso? Direi que foi executado sem julgamento? Sem defesa? Às escondidas, por crime que não cometeu?”.

Quando Fernando Santa Cruz desapareceu, seu filho Felipe tinha apenas dois anos de idade. Hoje, quarenta anos depois, Felipe Santa Cruz é presidente da OAB-RJ, que, no dia 21 de fevereiro deste ano, realizou sessão em homenagem a Fernando Santa Cruz, que, na ocasião, completaria 66 anos se estivesse vivo.

No prefácio do livro Onde está meu filho?, o irmão de Fernando, Marcelo Santa Cruz, escreveu: “No que nos diz respeito, resta-nos esperar que a Comissão Nacional da Verdade, constituída tardiamente no Brasil em relação aos demais países da América Latina, colabore efetivamente para esclarecer a questão dos desaparecidos políticos. Esperamos que sejam reveladas as circunstâncias em que ocorreram esses sequestros, a localização dos restos mortais, para que sejam devolvidos aos seus familiares e possam receber sepultura – bem como a identificação dos responsáveis por esses crimes hediondos”.

Hoje, aos 100 anos de idade, Dona Elzita ainda se emociona ao falar do desaparecimento de Fernando, mas não perdeu a garra para buscar a verdade e lutar pela justiça. Junto com Elzita Santa Cruz e com tantas outras mães, irmãos, filhos e companheiros de desaparecidos e mortos da Ditadura Militar instalada em 1° de abril de 1964, nós repetimos: “Pelo direito à memória, à verdade e à justiça! Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!”.

Ludmila Outtes e Thiago Santos, Recife

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