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domingo, 10 de novembro de 2024

Semana da Consciência Negra: cotas pra quem não conhece a história

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escravidao e favelas

Este artigo é parte de uma série que será publicada no Jornal A Verdade durante a Semana da Consciência Negra

Cutucar insistentemente uma página sangrenta da história do nosso povo não me incomoda nem um pouco. Para entender o porquê da necessidade de se resgatar a história do povo negro e de todos os povos oprimidos, basta olhar para os dias de hoje e associar nossa realidade à realidade de 6 ou 7 gerações passadas.

Há pouco mais de 100 anos, os negros não eram considerados cidadãos. Não era crime matar um escravo. Um ser humano de pele negra era comprado em mercados ou trocado por outras mercadorias e animais. Parece absurdo, mas essa era a realidade. E isso não é e nunca foi uma lógica natural. É essa lógica da dominação, da exploração dos povos, da submissão forçada de uma raça ou classe que nós não podemos perder de vista, nem omitir e muito menos negar.

Quando aqui chegaram e trouxeram a lógica euro-centrista, com toda sua milenar cultura de dominação imperial, os portugueses e espanhóis massacraram todos os povos da América Latina. Alguns livros, aberrações que lemos nas escolas, dizem que os índios não foram escravizados por que eram indolentes e preguiçosos, resistentes ao trabalho. Na verdade, eles não trabalharam e resistiram à cultura de dominação servil europeia por um simples motivo: os índios eram livres.

Pior sorte tiveram os negros. Não somente eram escravizados em suas terras, como eram comercializados mundo afora como mão de obra servil. Quantos não aportaram nas terras tupiniquins, arrancados de suas tribos, para trabalhar de graça para quem os odiava e mal lhe davam de comer, para se manterem vivos apenas para trabalhar? Quantos já nasceram com o destino marcado para ser objeto de um senhor que diante do menor vacilo lhe cortava a carne na chibata? Quantos não viram seus pais e avós sendo mortos pelo simples fato de que quando envelheciam ou adoeciam, não serviam mais pra trabalhar? Quantos foram os filhos bastardos de mães escravas estupradas por seus senhores que tinham no pai o seu algoz? Quantos viviam sob o risco da forca, sem condições mínimas de saúde, sem algo que possamos chamar de educação e quantos conseguiram sair dessa condição e alçar o mesmo patamar de vida dos euro-descendentes?

Aí veio a “libertação”. A abolição da escravatura. O que iriam fazer os escravos sem terras, sem fábricas, sem dinheiro e sem estudo, que só sabiam trabalhar pra viver? Fora das fazendas, lhes sobraram os centros urbanos. Os centros urbanos não lhe cabiam. As cidades nunca foram lugar para escravos. Suas acomodações eram porões e senzalas, nunca casas. Lhes sobraram os arredores, a “periferia”, os morros. Nos grandes centros, apenas os euro-descendentes, sangue dos mesmos que séculos antes chegaram nessas terras e, ”ignorando” seus habitantes, tomaram-nas para si. O que mudou na periferia de ontem e de hoje? O que mudou nos grandes centros? Não era crime matar um negro naquela época. E agora? Os autos de resistência estão aí pra mostrar que os homicídios em áreas pobres do Brasil, em grande maioria, sequer são investigados. Foi só mais um preto e provavelmente tinha algum envolvimento com o tráfico, não é mesmo? E vivendo nas periferias, sob o risco da bala, sem algo que a gente possa chamar de educação, sem a mínima estrutura que garanta sua saúde, sem qualquer condição adequada que lhes permita chegar ao patamar de vida dos euro-descendentes, como poderemos mudar esse quadro histórico e finalmente dizer, sem demagogias ou romantismos de classe (muito utilizados nos últimos dias por sinal), que de fato somos iguais e o amor deve prevalecer ao invés da indignação e a revolta de quem sofre como o povo negro ou pelo menos tem empatia com sua luta?

Não devemos passar a borracha na nossa história e justificar a realidade atual com a meritocracia furada de sempre. O negro foi escravizado, surrupiado em sua dignidade e isso não se recupera com a assinatura de uma lei. Cultura se muda com a contracultura, com a mudança material da realidade. O povo negro está num genocídio secular bem na nossa cara e não há exagero nenhum em dizer isso e sim em negar isso. A meritocracia branca de hoje foi conquistada sob o fio da espada de ontem.

Ahh! Sobre as cotas! Estava quase me esquecendo. Algumas pessoas tentam fazer coisas para ajudar os povos explorados a se libertarem e mudarem sua condição um pouco mais rapidamente. As cotas têm essa intenção. Mas tem gente que, negando a história para garantir sua hegemonia ou por pura desumanidade mesmo, insiste em colocar pedras no caminho.

Jobert Fernando de Paula
Diretor do Sindieletro-MG e do
Movimento Luta de Classes

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