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terça-feira, 19 de novembro de 2024

Resolução do 2º Encontro Norte/Nordeste pela Memória, Verdade e Justiça

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Carta do Recife

“Somos o que a memória guarda” (Fernando Brant). Sem ela, morre a identidade e se oculta a verdade para açoitar a justiça.

MVJ (7)O 2º Encontro do Movimento Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil, que congrega os comitês, coletivos e organizações diversas que lutam pela preservação da memória, busca da verdade histórica e efetivação da justiça de transição, realizado em Recife (PE), nos dias 22 e 23 de novembro de 2014, dedicado ao escultor e militante político Abelardo da Hora, torna pública a seguinte carta aberta aos brasileiros e brasileiras.

Um dos maiores atos de resistência da humanidade é o resgate, a valorização e a preservação da memória individual e coletiva sobre a qual se assentam os elementos fundamentais e necessários à construção de uma sociedade que tenha a verdade como instrumento basilar para se constituir justa, buscando a igualdade como valor universal entre os semelhantes.

Ao longo dos anos, acumulamos bastante neste debate e reunimos uma quantidade extraordinária de documentos, depoimentos e resoluções, a exemplo dos encontros de Cajamar (SP), abril de 2012, João Pessoa (PB) – julho de 2013 e Vila Velha (ES) – maio de 2014.

Contudo, em que pesem os avanços democráticos obtidos desde a Constituição de 1988, ainda não efetivamos a justiça de transição, mesmo após a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), cujo objetivo é apurar as graves violações dos direitos humanos ocorridas no Brasil entre 1946 e 1988.

Ainda persistem gritantes violações dos mais elementares direitos da maioria da população. No exato momento em que esta Carta é tornada pública, existe um negro, uma mulher, um membro da comunidade LGBT, um indígena ou um camponês, um pobre, enfim, sendo espancado, torturado, seviciado, humilhado por algum agente público a serviço do Estado.

A prática da tortura e do assassinato ainda é utilizada como método preferencial e fomentador dos inquéritos policiais, porque os agentes que a praticam, mesmo cientes do crime que cometem, carregam consigo a certeza absoluta da impunidade. Pior. Há ainda uma cumplicidade de setores da sociedade, que findam por aplaudir silenciosamente esta excrescência.

Tal legado foi institucionalizado durante o regime ditatorial e só será possível extirpá-lo quando todos os crimes perpetrados por agentes públicos, policiais ou não, no passado e no presente, forem apurados e rigorosamente punidos. Trata-se de crimes de lesa-humanidade e, por isso mesmo, são abomináveis, inesquecíveis, imperdoáveis e imprescritíveis.

Como evidencia a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA sobre o caso brasileiro, não há sentido em se falar de anistia para quem torturou, seviciou, assassinou e ocultou cadáveres de cidadãos e cidadãs que se encontravam indefesos e sob a guarda do Estado. Isto representou, na verdade, uma autoanistia. Como anistiar quem nunca foi punido? Ao contrário, esses senhores foram agraciados com medalhas, promoções e empregos, cortejados nos salões das elites econômicas e recebidos com pompas nos palácios e ministérios. Encaminhá-los à barra da Justiça para que sejam julgados e punidos exemplarmente é dever de todos (as) os (as) democratas do Brasil.

Enquanto esse passado recente não for minuciosamente revolvido, esclarecido, julgado e condenado, sendo enterrados seus tentáculos, continuará ameaçando o presente, como acontece nos vários casos de desaparecimento, no extermínio da juventude pobre e, em geral, dos moradores da periferia geográfica e social do Brasil.

Todo este entulho autoritário resulta na sobrevida da ideologia fascista em setores da sociedade, especialmente dentro das Forças Armadas e das Polícias Militares, claramente perceptível no currículo aplicado nas escolas militares, na existência da Justiça Militar e nas relações com a Escola das Américas.

Na atual conjuntura brasileira, a defesa e o aprofundamento da democracia precisam ser reforçados para que se respeite o resultado das eleições e se faça uma reforma política. Nossa frágil democracia ainda é manipulada sobremaneira pelo poder econômico e pelo monopólio dos meios de comunicação.

Reconhecemos os esforços da Comissão Nacional da Verdade e esperamos que seu papel histórico seja cumprido com a apresentação – no relatório final – dos casos pormenorizados dos horrores a que nosso país foi submetido por 21 anos consecutivos, da relação dos brasileiros e brasileiras mortos e desaparecidos, do nome de cada agente do Estado e de elementos colaboradores do regime envolvidos direta ou indiretamente nesses crimes, para que sejam julgados exemplarmente pela Justiça e pela História.

A realização deste 2º Encontro e a divulgação do relatório da CNV são, para nós, um marco nesta luta, mas o compromisso do Movimento Memória, Verdade e Justiça é anterior e estará além da existência de qualquer comissão oficial.

Ressaltamos ainda a importância histórica daqueles que tombaram na luta pela democracia no Brasil, bem como o papel de setores progressistas da Igreja, sintetizados aqui na figura de dom Hélder Câmara, e dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade.

Continuaremos a mobilizar o povo brasileiro até alcançarmos o resgate dos restos mortais dos companheiros e companheiras assassinados (as) e a punição aos torturadores.

-Lembrar é resistir!

-Para que ninguém esqueça e nunca mais aconteça!

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