O Esquadrão da Morte foi uma organização paramilitar que surgiu no final da década de 1960 em diferentes estados e capitais do Brasil e tinha por objetivo eliminar, em um primeiro momento, supostos criminosos comuns e, em um segundo, opositores políticos da Ditadura Militar.
Tinha um discurso moralista fundado na defesa da sociedade contra elementos indesejáveis e para a manutenção da ordem pública e sempre esteve muito vinculado à corrupção, tráfico de drogas e associação com grupos criminosos organizados. Em São Paulo, havia um padrão de atuação: execuções de forma brutal e ritualizada feita por policiais civis, de forma sistemática, contra suspeitos e presos. Compunha a forma de operação o sequestro, tortura, muitas vezes, tiros pelas costas, corpos abandonados e expostos em locais ermos ou na periferia.
Também fazia parte do ritual que a família da pessoa assassinada recebesse um telefonema anônimo de um elemento do esquadrão, denominado “Lírio Branco”, em São Paulo, e “Rosa Vermelha”, no Rio de Janeiro, informando a localização dos restos mortais. Essas pessoas também eram os responsáveis por informar a imprensa sobre as mortes.
Em audiência pública realizada pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo sobre o esquadrão da morte, o jurista Dr. Hélio Bicudo, que foi o promotor de Justiça responsável pela denúncia de envolvidos nos assassinatos e torturas, relatou que, por volta de 1970, na cidade de São Paulo, começaram a aparecer vários cadáveres. Segundo ele, a Polícia estava muito desacreditada pela população e precisava “mostrar serviço”. Assim, retiravam presos do Presídio Tiradentes ou sequestravam “suspeitos”, o que, muitas vezes, era, na verdade, uma forma de “justiçamento”, limpeza social ou eliminação de concorrentes na relação da polícia com o crime organizado e a corrupção.
Bicudo relembrou a conjuntura do momento da criação do Esquadrão da Morte e do seu chefe, o delegado Sérgio Paranhos Fleury. Afirmou que se tratava de um órgão de Estado, apoiado pelo governador da época, Abreu Sodré. Essa institucionalização do Esquadrão é também demonstrada pelo fato de que os policiais que participavam das ações eram promovidos e honrados pela corporação. O jurista é autor do livro “Meu depoimento sobre o Esquadrão da Morte”. Bicudo defendeu o papel investigativo do Ministério Público, pois, segundo ele, “se ficar na mão da Polícia, o caso desaparece” e elogiou a atuação, na época, de dom Paulo Evaristo Arns.
Ainda na referida audiência, Alessandra Teixeira, jurista e socióloga, apresentou sua pesquisa sobre os esquadrões da morte e relatou que a atuação paulista foi principalmente entre os anos de 1968 e 1971, com o lema “para cada policial morto, dez bandidos irão morrer”.
Alessandra esclareceu, ainda, que foi durante a existência do Esquadrão da Morte que surgiram as Polícias Militares para atuação na repressão política e segurança pública e que estas herdaram os métodos violentos e corruptos da polícia civil. Inclusive, deu destaque às Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e às pesquisas do jornalista Caco Barcellos, que ligaram a Rota ao Esquadrão da Morte.
Esta ligação se dá pela análise das circunstâncias dos assassinatos. Entre os anos de 1970 e 1981, foram cerca de oito mil homicídios documentados com práticas semelhantes às do Esquadrão da Morte, que incluem a destruição de provas para dificultar a perícia. Ela reforçou este número não contempla os casos de “resistência seguida de morte” e de mortos durante o socorro, manobras usadas para mascarar execuções até os dias de hoje.
Foi neste contexto que Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, lembrou o histórico de execuções por parte de policiais na Baixada Santista. Ligando os extermínios pelo Estado no passado e no presente, Débora falou sobre os assassinatos, ao longo dos anos, de seu irmão, seu marido e um de seus filhos. Ela denuncia veementemente a impunidade e conta sua luta desde maio de 2006, quando 600 jovens foram mortos em uma única semana no estado, entre eles seu filho. “O Brasil não passou a limpo o que foi a Ditadura, daí essa situação selando a impunidade do passado e do presente”, disse ela.
O que todas essas vítimas têm em comum? O fato de serem negras, jovens, com pouca escolarização e moradoras das periferias.
O fato de existir ligação entre a Rota e o Esquadrão da Morte, sendo a Rota praticamente uma continuidade do Esquadrão, muito preocupa quanto à potencialização de seu poder, inclusive no âmbito do Legislativo, com a eleição da chamada Bancada da Bala. Nesta última eleição, ingressaram na Assembleia Legislativa de São Paulo grandes defensores da Rota, como o Coronel Telhada (PSDB), ex-comandante da corporação, Coronel Camilo (PSD), Delgado Olim (PP), Coronel Edson Ferrarini (PTB), Major Olímpio (PDT), Capitão Augusto (PR). Na Câmara Federal são 21 os deputados desta tendência, ditos defensores da “segurança”, ligados à Polícia Militar, Civil ou Exército.
Com isso, pautas da direita, como a redução da maioridade penal, têm muito mais chances de serem aprovadas, mesmo que não sirvam para resolver o problema da segurança, e sim para, cada vez mais, encarcerar a população jovem, pobre e negra do país.
Torna-se necessário que a sociedade fique em alerta e se mobilize para impedir que este setor reacionário se consolide e cresça ainda mais em nosso país.
Vivian Mendes e Raquel Brito, SP