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quinta-feira, 28 de março de 2024

Paulo Pontes, um artista que amava o povo

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Paulo Pontes
Paulo Pontes

Num certo dia do ano de 1956, um grupo de jovens havia saído do Cine Brasil, em João Pessoa, capital da Paraíba, e se protegia da chuva em frente ao Teatro Santa Roza, quando um deles, míope, magricela, pisa no pé de uma garota que se dirige ao teatro. Ele pede desculpas, ela sorri e convida todo mundo a assistir ao ensaio da peça. Era a atriz Gil Santos. Paulo Pontes, o desastrado, ficou fascinado: pela moça e pelo teatro.

Na época, ainda não era Paulo, e sim Vicente de Paula Holanda Pontes, filho do soldado João Paulo Barbosa e da enfermeira Laís de Carvalho Holanda. Nasceu em Campina Grande, no dia 8 de novembro de 1940. No ano seguinte, a família mudou-se para Mamanguape, depois para João Pessoa.

Segundo seu pai, “era uma criança triste, introvertida, um tanto desligada do mundo”, mas na adolescência se tornou comunicativo, extrovertido. Lia muito, estava sempre em bibliotecas.

Depois do encontro ocasional, jamais se afastou do teatro; ficava rondando os grupos e conseguiu indicação do Teatro do Estudante da Paraíba (TEP) para fazer a apresentação da peça A Beata Maria do Egipto, de Rachel de Queiroz, quando foi ovacionado pela plateia.

Em 1959, assume seu primeiro trabalho, como locutor da Rádio Tabajara, apresentando o programa Rodízio, de grande audiência, com textos de humor no qual personagens falavam dos problemas do dia a dia. Colaborava também com o jornal A União.

Engajou-se politicamente, atuando na Campanha de Educação Popular (Ceplar), movimento que seguia a linha do Movimento de Cultura Popular (MCP) de Pernambuco, apoiado pelo governador Miguel Arraes. Foi este movimento que abriu espaço para Paulo Freire fazer a primeira experiência com seu método de alfabetização na periferia do Recife.  Na Paraíba, a Ceplar era apoiada pelo governador Pedro Gondim.

Em 1961, este engajamento levou Paulo Pontes a subir num banco na praça pública de Mari e fazer um discurso emocionado em favor dos camponeses, na ocasião em que foi fazer cobertura jornalística do protesto contra a morte de trabalhadores rurais nos conflitos com latifundiários da região.

A arte no CPC e no Opinião

No ano de 1962, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (leia A Verdade nº 157) vai a João Pessoa no grupo de arte UNE Volante, conhece Paulo Pontes e o convida para trabalharem juntos no Centro Popular de Cultura da UNE. Paulo fica pensando na ideia; segue para o Rio, a fim de participar de reunião do CPC, no final de março de 1964, e quase chega junto com o golpe militar (1º de abril), decidindo não retornar à Paraíba, onde seria perseguido pela repressão.

Prédio da UNE ocupado, CPC incendiado, os intelectuais de esquerda não se acomodam. Em dezembro de 1964, estreia o show Opinião, cujo roteiro fora escrito por oito mãos – Paulo Pontes, Vianinha, Armando Costa e Ferreira Gullar – e representava a união de forças dos setores do povo contra o autoritarismo, tendo como intérpretes João do Vale (camponês), Zé Kéti (proletariado urbano, do morro) e Nara Leão, substituída por Maria Betânia (setores médios). “A música popular não pode ver o povo como simples consumidor; ele é fonte e razão da música”, afirma o texto de apresentação do show Opinião.

Não existe teatro sem a massa

O grupo Opinião racha em 1967. As divergências políticas e os problemas financeiros motivados pela marcação cerrada da censura motivam a divisão. Falando sobre as polêmicas da época, Paulo Pontes se posiciona: “Não é possível continuarmos neste dilema: o teatro meramente comercial ou o teatro bem-intencionado, combativo, mas esteticista, formalista, transplantando para cá, erroneamente, o vanguardismo americano ou europeu. A vanguarda de um país subdesenvolvido tem que sair da consulta às necessidades mais profundas de sua sociedade. […] O Teatro não é a arte da perplexidade. O Teatro é a arte das coisas sabidas”.

Paulo retorna então à Paraíba, retoma o programa de rádio na Tabajara, escreve e produz o espetáculo Paraí-bê-á-bá.

No ano de 1968, é convidado pela TV Tupi para escrever e produzir programas de humor; aceitando, retorna ao Rio e convida Vianinha e Armando Costa para comporem sua equipe. Paulo Pontes entendia que “a televisão é, por natureza, um veículo que interessa a milhões de pessoas”. De forma bem-humorada, os programas feitos para a Tupi falam dos problemas e da vida do povo que habita as periferias urbanas.

Trabalha também para a Rede Globo, assumindo a função de redator principal do programa A Grande Família, após a morte de Vianinha, em 1974, até a suspensão do seriado no ano seguinte.

Sem esquecer o teatro

 Enquanto produz para a televisão, Paulo Pontes segue escrevendo para o teatro peças que foram sucesso de público, principalmente Um Espetáculo Chamado 200 (1971) e Gota d´água (1975), esta em parceria com Chico Buarque. Merece menção, ainda, Brasileiro, Profissão Esperança, dirigido por Bibi Ferreira, com quem se casou em 1969.

Na apresentação do texto de Gota d’água, Pontes faz uma análise lúcida e desassombrada da realidade brasileira em plena ditadura:

 “A brutal concentração da riqueza elevou, ao paroxismo, a capacidade de consumo de bens duráveis de uma parte da população, enquanto a maioria ficou no ora-veja. Forçar a acumulação de capital através da drenagem de renda das classes subalternas não é novidade nenhuma. […] No futuro, quando se puder medir o nível de desgaste a que foram submetidas as classes subalternas, nós vamos descobrir que a revolução industrial inglesa foi um movimento filantrópico, comparado com o que se fez para acumular o capital do milagre”.

Amava o teatro… amava o povo

Paulo Pontes nunca teve boa saúde.  Em 27 de dezembro de 1976, falece aos 36 anos, vítima de câncer no estômago. No sepultamento, dia 28, foi lida uma carta coletiva feita por artistas que conviveram com ele, na qual se afirma: “Paulinho amava o teatro e amava o povo. Lutou por liberdade de expressão, por uma cultura nacional e popular, pela regulamentação de nossa profissão e foi incansável em todas essas atividades”.

Chico Buarque: “O mais importante que aprendi com ele foi exatamente lutar. E uma luta difícil contra o comodismo”.

Fernando Peixoto, ator e diretor teatral: “Intelectual consciente de suas responsabilidades, fiel a seus compromissos, combativo e corajoso, coerente e lúcido, generoso e inflexível”.

Em João Pessoa, o Teatro Paulo Pontes, localizado no Espaço Cultural José Lins do Rego, lembra o inesquecível artista do povo há 33 anos. Mas não é suficiente. A verdadeira homenagem a Paulo Pontes consiste em retomar o teatro revolucionário, a arte verdadeira, o teatro do povo.

(José Levino é historiador)

 

Fontes:

Paulo Pontes: A Arte das Coisas Sabidas, tese apresentada por Paulo Vieira à Escola de Comunicações e Artes da USP para obtenção do título de mestrado.

Jornal A União – João Pessoa, especial sobre Paulo Pontes.

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