A crise que há muito era esperada no setor automobilístico chegou com muita força este ano. Desde 2008, o setor que representa 23% do PIB industrial do país vem sendo beneficiado com uma série de benesses do governo. Uma prolongada redução do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, somada a uma série de linhas especiais de financiamento no BNDES e a políticas que facilitaram o crédito nas concessionárias, não foram suficientes para livrar as maiores multinacionais em atuação no país (GM, Ford e Mercedes Benz) da crise.
Toda essa ajuda do governo teve um destino certo: foi remetido na forma de lucros e dividendos para o exterior, para o enriquecimento dos capitalistas donos das montadoras em Nova Iorque, Paris ou Berlim. O setor automobilístico é o que mais mandou dinheiro para fora nos últimos 10 anos. Segundo o Banco Central, em 2011, no auge das políticas de incentivo, as montadoras mandaram U$ 5,6 bilhões para fora. Em 2010, foram U$ 4,1 bilhões, U$ 2,44 em 2012 e U$ 3,3 bilhões em 2013.
A causa da atual crise não é, portanto, a baixa produtividade ou lucratividade das empresas. A causa reside na total anarquia de produção, na ausência de planejamento e racionalização da capacidade produtiva, na negação em investir em novas tecnologias de menor impacto ambiental em um setor estratégico para o desenvolvimento do país como é a produção automotiva.
Trabalhadores como matéria-prima descartável
Com a grande queda na venda de automóveis durante todo o ano passado e intensificada neste ano, as empresas procuraram reduzir seus custos punindo exatamente aqueles que construíram toda essa riqueza há pouco tempo
antes.
A primeira medida tomada foi intimidar os trabalhadores para arrefecer o potencial de resistência e luta no chão de fábrica. Na General Motors de São José dos Campos, a intimidação se tornou evidente nas vésperas do ano novo, quando os patrões mandaram mais de mil telegramas com avisos de demissão. No dia 07 de agosto, véspera dos dias dos pais, a empresa foi mais uma vez insensível enviando aviso de demissão para quase 800 pais de família.
Na Mercedes Benz de São Bernardo do Campo, as intimidações começaram com a implantação do contrato de trabalho de layoff – regime em que o trabalhador fica fora da fábrica e recebe a diferença salarial a partir de recursos do FAT – em 2012. Já neste ano, o presidente nacional da montadora desceu ao chão da fábrica e reuniu os trabalhadores para dizer que se a categoria não aceitasse a redução salarial, mais de 2 mil seriam demitidos. Em plebiscito, os trabalhadores rejeitaram por ampla maioria a proposta da empresa que reduzia o salário. Depois disso, mais de 1500 funcionários receberam telegramas de demissão.
Na Volkswagen de Taubaté, a estratégia dos patrões foi anunciar a demissão de 43 funcionários.
Frente a onda de demissões, a resposta dos trabalhadores de todas as plantas foi a decretação imediata da greve. Em São José dos Campos foram duas semanas de greve, que se encerrou no dia 24 de agosto. Na Mercedes de São Bernardo do Campo foram oito dias de greve, encerrando no dia 31, mas a empresa já se encontrava parada por férias coletivas desde o dia 7 de agosto. Em Taubaté, foram 10 dias de greve.
A perspectiva da luta
Todo esse processo de greves e mobilizações no mês de agosto não foi capaz de reunir os metalúrgicos para uma resposta unitária contra os patrões. As lutas se mantiveram isoladas entre as plantas e entre a classe trabalhadora em geral.
O governo federal tentou intervir no processo criando uma alternativa que beneficia os patrões. O chamado Plano de Proteção do Emprego (PPE) é uma alternativa ainda mais custosa aos cofres públicos e ao bolso do trabalhador do que o layoff já que, além de gerar custos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, ainda diminui o salário do trabalhador em até 15%.
Na Mercedes, o resultado da greve foi o cancelamento das demissões em troca de várias perdas salariais pelos próximos dois anos e meio e de uma estabilidade no emprego de um ano. Nada está garantido que novas demissões não possam ocorrer no próximo ano.
Na GM, os trabalhadores fizeram um acordo em piores condições. Os 798 trabalhadores demitidos entraram em regime de layoff por cinco meses, podendo ser demitidos com o recebimento de quatro salários nominais ao fim desse período.
A falta de uma ação unitária foi o principal fator que impediu a elevação do movimento para formas de luta mais ousadas, como a ocupação das fábricas e uma greve geral de toda a categoria. Tanto os sindicatos do ABC e de Taubaté (CUT) quanto o de São José dos Campos (CSP-Conlutas), mantiveram as lutas no âmbito das próprias plantas, no máximo com a realização de algumas manifestações de rua.
Para Felipe Santos (nome fictício), funcionário da Mercedes de São Bernardo do Campo “o sindicato não goza mais do prestígio nem da confiança que teve nos anos 80 e 90 no ABC. Após muitas traições e percas de conquistas históricas dos trabalhadores, a avaliação que tenho é a pior possível [do sindicato]. Em nenhuma das lutas para garantir nossos empregos nos últimos anos eles tiveram unanimidades entre os trabalhadores. Nessa luta atual já foram vaiados mais de uma vez nas assembleias mostrando que não têm a fábrica na mão”.
As greves de agosto revelaram todo o radicalismo dos patrões neste momento de crise e sua disposição de tudo fazer para jogar nas costas dos trabalhadores o peso do momento de depressão econômica. A resposta da classe trabalhadora não pode se dar nos marcos das velhas maneiras formais de organização de greves e campanhas salariais, tratando as lutas de maneira isolada, por empresas. O que acontece em um setor econômico tão importante como o metalúrgico influencia de maneira direta toda a economia e a resposta dos trabalhadores precisa ser unitária e preparada para elevar as formas de luta.
Da Redação, São Paulo