| Revolta da Vacina |
Começo este artigo com informações que os (as) leitores (as) de A Verdade já sabem de cor e salteado.Os colonizadores do Brasil não vieram para cá com a intenção de construir uma Nação, tipo os ingleses que emigraram para a América do Norte, por exemplo. O objetivo era apenas extrair riquezas ou mesmo estabelecer grandes plantações (açúcar, café) para ganhar muito dinheiro exportando para a Europa. Portugal era um entreposto comercial. Portanto, a burguesia aqui se constituiu dependente e associada. E se o capitalismo, em si, é excludente, imagine o capitalismo de periferia.
Desse modo, abolindo a escravidão de três séculos e meio, a burguesia nada fez para incorporar a massa trabalhadora liberada ao seu mercado. Não promoveu a Reforma Agrária, pois o latifúndio (hoje rebatizado de agronegócio) é um dos três pés do sistema, e sequer capacitou a nova mão de obra disponível para extrair dela a mais-valia. Preferiu ajudar a resolver a crise do capitalismo do Centro dominante, incentivando a imigração de operários europeus.
Condições Precárias
Desse modo, os ex-escravos, expulsos da terra, foram para as maiores cidades mais próximas, iniciando o processo de favelização, que só tem aumentado e se aprofundado no decorrer do tempo.
No início do Século Vinte, o Rio de Janeiro, capital do país, vivia intensamente esse processo, agravado pela chegada dos soldados procedentes da Guerra contra o Paraguai (1893-1897). Com a palavra favelização, quero dizer, condições de vida subumanas, amontoado de palhoças, barracos, casebres, sem a menor condição de moradia, ausência de saneamento básico, de limpeza urbana, etc. Nessa época, isso ocorria nas áreas centrais da capital carioca.
No período de 1902 a 1906, assume a prefeitura do Rio de Janeiro, o engenheiro Pereira Passos, de visão modernizadora europeia, que decide reformar o centro da cidade. Isso significou criar a Avenida Central e alargar ruas do entorno. Para esse fim, tinha que derrubar as construções existentes, razão pela qual o povo chamou a ação de operação “bota-abaixo”.
Milhares de pessoas foram desalojadas e tiveram de buscar moradia na periferia, agravando uma situação já problemática. Proliferam doenças oriundas das condições sanitárias: varíola, febre-amarela, peste bubônica. Uma calamidade.
No mesmo período (1902-1906), assume a Presidência da República o cafeicultor paulista (olha o café-com-leite!) Rodrigues Alves que, logo no discurso de posse, coloca como prioridade do seu governo o saneamento do Rio de Janeiro. Contará para isso com um jovem médico sanitarista recém-formado, Oswaldo Cruz.
Ele também era paulista, nascido em 05 de agosto de 1872 em São Luís de Paraitinga, mas mudou-se para o Rio de Janeiro, onde cursou Medicina e se dedicou à microbiologia, sua vocação, especializando-se em bacteriologia no instituto Pasteur, em Paris, França.
Retornando ao Brasil, assumiu a direção do Instituto Soroterápico Federal, que depois receberia seu nome. Rodrigues Alves logo o nomeou Diretor Geral da Saúde Pública, cargo correspondente atualmente ao de Ministro da Saúde. O novo Diretor anunciou que sua prioridade seria o saneamento.
Criou logo uma polêmica que fez a festa dos humoristas. A Medicina de então e o povo entendiam que a febre-amarela era transmitida pelo contato entre os doentes: suor, secreções, roupas. Isolavam então os doentes. “Tudo errado”, afirmou Oswaldo Cruz. Quem transmite a doença é um mosquito. Gozação geral. Imagine quando ele criou brigadas para eliminar os focos de mosquito nas ruas, nos quintais das casas,orientou o povo a não acumular água parada, etc. O que hoje é normal, era considerado coisa de louco.
Brincando com Fogo
Mas a brincadeira se tornou coisa séria quando o cientista anunciou a descoberta de uma vacina que impediria as pessoas de contrair varíola e conseguiu do Congresso Nacional a aprovação de lei tornando obrigatória sua aplicação. O povo achava que o Governo queria exterminar a população pobre
No dia 13 de novembro de 1904, estoura uma rebelião civil no Rio de Janeiro contra a Vacina, que exige a cabeça do Ministro e do próprio Presidente. Começa no Largo de São Francisco seguindo para a Praça Tiradentes e Praça da República.
Não era uma manifestação usual. Excluídos, operários, estudantes e até militares tomaram as ruas, incendiaram veículos, quebraram vidraças, saquearam lojas (como se vê, manifestações violentas não são criação dos “blequibloques”). O Governo Federal apelou para Exército, Marinha e polícias de estados vizinhos. Duzentos cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha, em vez de atirar no povo, se dirigiram para o Palácio do Catete, a fim de derrubar o Presidente, mas foram contidos pela Guarda Palaciana.
De que adianta matar mosquitos?
A revolta foi, enfim, contida no dia 16 de novembro, mas com um custo alto. Trinta mortos, 110 feridos, mil manifestantes presos na Ilha das Cobras e 500 deportados para o Acre. A obrigatoriedade da vacina foi retirada.
Com o tempo, ficou comprovado que Oswaldo Cruz estava certo em identificar o mosquito transmissor da doença, aderindo à tese de um sanitarista cubano e que a vacina era eficiente para prevenir a varíola. O Rio ficou praticamente livre dessas doenças e a campanha se estendeu para outros pontos do país. O sanitarista brasileiro ficou famoso em todo o planeta e recebeu Medalha de Ouro no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim.
De que adianta matar mosquitos, se não se elimina a causa das doenças epidêmicas – as más condições de vida: moradia precária, alimentação idem, falta de saneamento, problemas que não apenas persistem, como se agravaram. Essa incapacidade está relacionada ao capitalismo concentrador de renda e excludente implantado em nosso país, e só será superada com a mudança para um sistema social fundamentado na cooperação e na igualdade.
José Levino
Nossa que texto bom! Mas eu sinceramente ainda acho que os índices daquele momento foram escamoteados e muita gente morreu logo após tomar a vacina que ainda estava em fase de teste…