A Redação de A Verdade publica abaixo a “Moção de repúdio à violação dos direitos dos Povos Indígenas”, produzida durante a 68º Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, que teve a participação de pesquisadores indígenas, lideranças e aliados da causa indígena, no período de 03 a 09 de julho de 2016, na Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB, em Porto Seguro. A moção foi assinada e referendada pelos associados da SBPC e enviada pela Comissão da Sessão Especial – “Conjuntura Política Atual e Estratégias do Movimento Indígena”, formada por Anari Pataxó, Karkaju Pataxó, Juari Pataxó, Ronald Kaingang, Luíz Eloy, Rosilene Tuxá e Edson Kayapó.
Moção de repúdio à violação dos direitos dos povos indígenas
Nós, pesquisadores indígenas, reunidos com nossos caciques, lideranças e aliados da causa indígena, por ocasião da 3ª SBPC Indígena no âmbito da 68ª Reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, nos dias 03 a 08 de julho de 2016, em Porto Seguro – BA, vimos a público denunciar, e repudiar, os retrocessos aos direitos dos povos indígenas e expressar a defesa incondicional desses direitos.
É inadmissível, no âmbito do Estado democrático de direito que sejam violados os direitos originários garantidos tanto na constituição brasileira quanto nos instrumentos jurídicos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Diante do exposto, repudiamos:
- O sistemático desaparelhamento do órgão indigenista – Fundação Nacional do Índio (FUNAI) que ora culmina com a indicação do general Roberto Sebastião Peternelli Junior à presidência do órgão, considerada uma afronta à autodeterminação dos povos indígenas;
- O Projeto de Emenda Constitucional 215 e o Projeto de Lei 1610, por atentarem frontalmente contra os direitos dos povos indígenas;
- O uso da violência policial e os recorrentes assassinatos, que permanecem impunes, de líderes indígenas;
- A criminalização de lideranças indígenas com o uso de prisões temporárias que se estendem por meses, sem audiência de tutela;
- A sistemática negação dos direitos sociais – a educação diferenciada, acesso e permanência no ensino superior em todos os níveis, saúde, saneamento básico e água potável – especialmente às comunidades indígenas que se encontram em áreas de conflito e vulnerabilidade, como os Guarani-Kaiowá;
- O descaso e a omissão das autoridades, diante da tragédia socioambiental do Rio Doce, provocada pelas empresas mineradoras – Samarco e Vale – atingindo diretamente a sobrevivência dos povos indígenas Krenak, Tupiniquim e Guarani;
- O não cumprimento da Constituição Federal no que concerne à proteção dos povos indígenas e à demarcação dos seus territórios tradicionais, principalmente nos casos dos Guarani-kaiowá; Pataxó das T.I. de Barra Velha do Monte Pascoal e Comexatiba; e T.I. Tupinambá de Olivença;
- Qualquer tipo de retrocesso aos direitos garantidos constitucionalmente na Educação Escolar Indígena diferenciada, específica, intercultural, bilíngue e comunitária. Expressamos, portanto, pleno apoio aos professores indígenas, defendemos a manutenção de todos os programas voltados à educação escolar indígena, exigindo que o Estado brasileiro, por meio do Ministério da Educação, Secretarias estaduais e municipais de educação, assuma os Territórios Etnoeducacionais e realize a II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena;
- Qualquer tentativa de retrocesso com a implementação da Base Nacional Curricular Comum, em relação às orientações curriculares e às Diretrizes Nacionais da Educação Escolar Indígena Específica e Intercultural, já garantidas em marco regulatório. O governo deverá garantir as especificidades culturais, identitárias e do Bem Viver dos povos indígenas do Brasil;
- A implantação de projetos ou medidas que interfiram nos hábitos, costumes e organização sócio-política dos nossos povos sem a consulta prévia, conforme estabelece a Constituição Federal, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração da Organização dos Estados Americanos sobre os Povos Indígenas.
- A utilização dos meios de comunicação, concessões públicas, para a pregação do ódio, da divisão, do racismo e da discriminação, principalmente contra os povos indígenas. O respeito à diversidade étnica e cultural deve ser balizador das atividades destes meios e qualquer infração deverá ser punida pelo poder público. Não podemos confundir a liberdade de expressão e de opinião com o direito de atacar a integridade e a honra de cidadãos ou de povos indígenas, a exemplo do que aconteceu recentemente com o povo Maxacali, para o que exigimos reparação;
- Todas as formas de genocídio e violação de direitos, atentados contra a vida, crimes hediondos conforme o Artigo nº 07 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos povos indígenas, em que se afirma que “os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, e não serão submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência“.
Considerando que tivemos visíveis avanços no campo dos direitos formais nas últimas décadas, nossos povos e lideranças não permitirão que grupos conservadores da sociedade brasileira retirem e anulem tais direitos, conquistados à custa de muita luta nossa e dos nossos antepassados. Os avanços conquistados pelos nossos povos são, também, o avanço da sociedade nacional à qual pertencemos. Nossos direitos são a busca da superação de uma subalternidade cultural e econômica imposta pelo sistema colonizador sobre nossos povos e por extensão a toda a população brasileira. Não há recuo possível! Não há golpe que consiga impor ao povo brasileiro o retrocesso à sua dignidade e, aos povos indígenas, a redução dos seus direitos.