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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Entrevista: Jornalista que cobriu ao vivo a queda de Suruagy relata fatos do 17 de julho de 1997

Uma grande revolta popular, há 20 anos, forçou o Governador de Alagoas, Divaldo Suruagy, a renunciar seu cargo

Manifestantes derrubam a grade da praça da Assembleia Legislativa. Foto: Adailson Calheiros

Há exatos 20 anos, Alagoas foi palco de um acontecimento histórico: uma grande revolta popular que resultou na queda do então governador, Divaldo Suruagy. Num cenário de crise política e administrativa no Estado, somada à política de arrocho de FHC, os servidores públicos, há meses sem receber, tomaram as ruas de Maceió, enfrentaram o exército diante da Assembleia Legislativa e conquistaram a abertura do processo de impechment, seguido da renúncia do governador.

A jornalista e militante da Unidade Popular, Lenilda Luna, à época jornalista de uma TV local, cobriu ao vivo esse importante momento de enfrentamento no centro de Maceió. Em entrevista exclusiva ao Jornal A Verdade, Lenilda fala um pouco mais sobre o 17 de julho de 1997.

Assista a reportagem realizada Ao Vivo por Lenilda Luna do 17 de julho de 1997

A Verdade – O que, de fato, aconteceu em 17 de julho?

Lenilda Luna – As manifestações populares e sindicais já duravam meses. Foi um período difícil, em que ninguém aceitava um cheque emitido por um servidor público de Alagoas, já que estes estavam há meses sem receber salários, incluindo os policiais militares. Muitos fatos se acumularam naquele período fazendo com que as ruas de Alagoas ficassem semelhantes a uma panela de pressão que poderia explodir a qualquer instante. No dia 17 de julho de 1997, milhares de pessoas foram cobrar de uma Assembleia Legislativa acuada e desmoralizada, que encaminhassem a proposta de impeachment do Governador Divaldo Suruagy. Foram recebidos por soldados do exército posicionados diante do prédio, atiradores de elite nos telhados próximos e seguranças particulares dos deputados armados nas janelas. Entre os manifestantes, muitos eram policiais civis e militares, que estavam também armados. Estava montado um cenário de guerra.

A Verdade – A política de benefícios aos usineiros foi a grande responsável por aquela situação de quebra nas receitas do estado e na economia alagoano?

Lenilda Luna – Sem dúvida, o famoso Acordo dos Usineiros, firmado durante o Governo Estadual de Fernando Collor, quebrou as finanças do Estado de Alagoas. Foram quase 30 anos de isenção do pagamento do ICMS, que começou em 1988.Cerca de 30 usinas, o setor produtivo mais importante de Alagoas, simplesmente não precisaram mais pagar impostos. Basta lembrar que o tributarista e chefe do setor de arrecadação da Secretaria da Fazenda, Sílvio Viana, foi morto 9 meses antes da manifestação do dia 17 de julho, justamente porque investigava esse acordo dos usineiros. As pessoas que estavam na praça tinham muitos motivos para estarem radicalmente mobilizadas. Viana foi morto emblematicamente no dia do servidor público, por cobrar o pagamento de impostos, enquanto na praça, os servidores não tinham mais como sustentar as famílias.

A Verdade – Como se construiu aquele movimento? Qual o nível de indignação e o sentimento das pessoas que viveram na pele as consequências de tantos meses sem sequer receber seus salários?

Lenilda Luna – Todos estavam indignados, inclusive nós da equipe de reportagem. Não éramos servidores públicos, mas a empresa para a qual trabalhávamos dependia de verbas publicitárias do Governo. Nós também estávamos naquela cobertura sem receber salários há meses. Muitas tensões aconteceram nas ruas e nas redações antes daquele dia histórico. Protestos de pensionistas, de várias categorias de servidores, dos militares que não estavam mais conseguindo manter a disciplina diante do suicídio de alguns colegas. Cobrimos casos de militares que foram punidos por vender as armas com as quais trabalhavam para comprar comida para os filhos. Muitas situações alarmantes aconteciam todos os dias. Eu trabalhava com uma equipe de reportagem ao vivo. Era impossível refrear os palavrões que acabavam indo ao ar quando eu perguntava sobre a situação. Para completar, eu conhecia todas as lideranças do movimentos, porque eu também militava ao lado deles há mais de dez anos. Era difícil também controlar para que eles não me chamassem de “companheira” durante as entrevistas. Nos bastidores, eu contribuí com a aproximação entre lideranças dos militares, que eu conhecia, e os dirigentes dos movimentos sindicais dos servidores públicos, que estavam se organizando para derrubar o governo Suruagy. Foi realmente um período de muita efervescência e fiquei aliviada quando ao final do dia, surpreendentemente, não houve registro de mortes no tiroteio de 17 de julho. Naquele dia, eu estava na praça com o cinegrafista Valdemir Soares. Tivemos que nos virar para ficar no chão, nos protegendo das balas, e, ao mesmo tempo, manter a transmissão de imagem e som para a TV. Eu narrava o que ia vendo sem conseguir olhar o que Valdemir estava focando. Mas era mesmo confusão e tiro para todo o lado.

A Verdade – Vários estados tem falado, recentemente, de insuficiência financeira e mesmo atrasado ou cortado salários dos servidores públicos. Para completar estamos diante do governo golpista de Temer, que tem retirado direitos e prejudicado o setor público. Quais os ensinamentos que aquele movimento podem nos dar nos dias atuais?

Lenilda Luna – Precisamos não deixar chegar a um estado de gravidade que leve servidores ao desespero e ao suicídio. Sabemos que, em todas as crises provocadas pelos sistema capitalista, a conta pesa sobre os trabalhadores. Para garantir lucros, os empresários não se importam em abrir mão de aparência democrática e assumir a verdadeira face de tirania de que eles são capazes. Portanto, a organização e a unidade dos movimentos sociais e populares se faz mais uma vez necessária. É preciso sair da inércia e da ilusão da conciliação de classes. Tudo o que conquistamos foi com luta e não com acordos, porque patrões só negociam quando se sentem encurralados pelas massas. Está na hora de ir para a rua lutar. Temos elementos suficientes para uma nova revolta popular.

Redação Alagoas

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