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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Setembro Amarelo: vamos falar de depressão e suicídio?

No começo parecia bobagem. Era só uma falta de motivação. Passaria. Aos poucos foi deixando de comer e sair da cama. Até tomar banho tornou-se uma tarefa árdua. Sua rotina estava alterada e ela passou a se enxergar sozinha, mesmo quando acompanhada.

“A minha existência já não tinha validade. Eu me sentia reduzida. Tudo que eu dizia e fazia era bobagem para mim. Comecei a me sentir morta por dentro. A solidão era profunda”, conta Ísis Turiño, 22 anos, estudante de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que há três anos e meio faz terapia para tratar a depressão. “As pessoas me perguntavam o que estava acontecendo. Foi choro e julgamento por todos os lados da família quando contei. A minha mãe se culpava muito”, relata. Ela preferiu o isolamento a ter que explicar o que estava acontecendo: “Falar o que eu passava para as pessoas que amava as fazia sofrer. Isso me apavorava, me fazia mal. Não conseguia mais responder à minha própria mãe”. A culpa é a pior coisa. Você se culpa por estar assim”.

Em 2013, aos 18 anos, Ísis saiu de Cuiabá (MT) para morar sozinha no Rio, quando passou no vestibular para a UFRJ, um sonho para ela. Na mesma época seu irmão mudou-se para a França, para ingressar na Legião Estrangeira Francesa (unidade militar criada em 1831 que recruta voluntários de todo o mundo para defender os interesses da França junto às suas colônias), e ela precisou processar o próprio pai, exigindo pensão alimentícia.

Os sintomas mais agudos da depressão surgiram quando estava no segundo período da faculdade. Problemas familiares, o choque de morar numa cidade com população onze vezes maior que a de sua terra natal, o elevado custo de vida do Rio, a sua exigência por perfeição acadêmica, a rigidez e cobrança da universidade e desilusões amorosas são alguns dos fatores – além dos biológicos – que podem ter contribuído para sua queda emocional.

Um dia, no meio de uma prova, sofreu sua primeira crise de pânico. Após isso, buscou ajuda médica e descobriu que vivia um quadro depressivo e que tinha severos problemas de ansiedade. “Eu não! Sou uma pessoa equilibrada, alegre”, reagiu à época. “Tentamos nos encaixar nos padrões preconceituosos criados em torno da depressão, mas não cabemos dentro deles. É muito diferente. Esses padrões são muito estereotipados”, acrescenta.

Graças aos mais de três anos de terapia, após altos e baixos, Ísis vive um período de melhora em seu quadro. “A gente não é feliz, mas tem a possibilidade de ser. Sou uma pessoa feliz dentro das possibilidades”, diz a estudante. “Não acredito numa cura. A depressão não é quem eu sou, mas ela faz parte de mim. Preciso estar sempre atenta, não posso baixar a guarda. Há maneiras de lidar com a depressão, mas não posso me apegar a uma possível cura”.

Para ela, a universidade tem parcela de culpa em seu quadro depressivo, por ser um local rígido, de pouca negociação e que não leva em consideração as diferenças emocionais existentes na comunidade acadêmica. “O tempo passa diferente para o depressivo, é mais lento. Para a universidade o tempo é outro, é tudo para ontem”. Ísis também critica a estrutura burocrática: “Exigem atestado até para tentativa de suicídio. O prazo para o trancamento de disciplinas é inflexível, mas não escolhemos quando teremos uma crise longa”. Tamanha era a insegurança diante da universidade que escrevia trabalhos e provas e não conseguia entregar. “A universidade é um ambiente com muitas pessoas depressivas e com tendências suicidas, que se não estão em tratamento, deveriam estar. A universidade deveria dar caminhos e fazer as pessoas serem compreendidas. Ela precisa sair da superficialidade do debate sobre a depressão”, pondera a estudante.

O médico psiquiatra e doutor pela UFRJ, Marco André Mezzasalma, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), diz que a depressão muda a forma de lidar com o mundo. “É como um óculos de lentes azuis que você põe em seu rosto. Ele distorce e deforma as cores do mundo a sua volta”. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão tornou-se em 2017 a doença mais incapacitante do mundo e é considerada a principal causa de problemas de saúde e de perda da qualidade de vida, atingindo mais de 300 milhões de pessoas no planeta. Para Mezzasalma, o preconceito, a falta de informação e os estigmas são os fatores que mais dificultam o diagnóstico e o tratamento. “Precisamos superar o preconceito, a psicofobia”, aponta. O médico explica que existem diversos níveis de depressão e que o tratamento pode variar. Mudanças de hábitos de vida, prática de esportes, psicoterapia e medicação são alguns exemplos descritos pelo psiquiatra.

De acordo com dados do 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), de 2012, depressão e ansiedade, se somadas, atingem um a cada cinco adolescentes ao menos uma vez da vida, atrás apenas de alergias como as doenças de maior incidência entre eles. Entre os adultos o número chega a 39%, superando a hipertensão e ocupando o topo da lista. O relatório diz que a cada vinte brasileiros, um já tentou tirar a própria vida. Ou seja, cerca de 10 milhões de pessoas já tentaram suicídio no país. Para Mezzasalma, a tentativa é o final de um quadro iniciado muito antes e sobre o qual a pessoa não consegue falar

Dois suicídios de estudantes em 12 dias chocaram a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No dia 5 de maio, o aluno de Artes Visuais Marcelo Antônio Silva, de 23 anos, tirou a própria vida. No dia 17, Bruno Magalhães, de 26 anos, também se suicidou. Ambos eram da Moradia Universitária da UFMG. Bruno morreu durante a 5ª Semana de Saúde Mental da universidade. A psicóloga Cristiane Rocha, que participava do evento, declarou: “A saúde mental é um problema da Universidade como um todo. Ela contribui em muito para o sofrimento mental dos alunos. Contribui para o isolamento, para a solidão. É excludente, muitas vezes. De forma que não cabe a diferença, não cabe a dor, o sofrimento do outro. Isso tudo é suprimido aqui dentro”.

Números alarmantes

Segundo os dados mais atualizados da OMS, de 2014, 804 mil pessoas se suicidaram em 2012 no mundo. Média de 11,4 mortes por 100 mil habitantes. Números do DATASUS mostram que, entre 1990 e 2010, os suicídios no Brasil cresceram 95%. Nesse período, a taxa subiu de 3,28 mortes por 100 mil habitantes para 4,95. Entre jovens de 15 a 29 anos o aumento foi de 69,17%. Considerando apenas o universo dos jovens brasileiros, a taxa saltou de 7,82 mortes a cada 100 mil jovens em 1990 para 11,43 em 2010, de acordo com informações cruzadas do DATASUS e IBGE desses períodos.

O Ministério da Saúde aponta que, de 2007 a 2017, o número de psiquiatras do Sistema Único de Saúde (SUS) cresceu 53,9% e o de psicólogos 137,3%. Porém, o Conselho Federal de Medicina (CMF) denuncia que o Brasil perdeu mais de 15 mil leitos psiquiátricos entre 2005 e 2016. “Discordamos frontalmente dessa redução. Ela é arbitrária e não está amparada em nenhuma experiência internacional”, critica Emmanuel Fortes, 3º vice-presidente do CFM e coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho, em entrevista ao jornal do Conselho Federal de Medicina. “Criou-se uma animosidade contra o hospital psiquiátrico, como se ele ­fizesse mal à saúde do paciente. O que faz mal é um hospital sem médicos e sem condições de funcionar”, completou Fortes.

Prevenção de suicídio

O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio online, por telefone e presencial. Ligue 141 ou entre no site www.cvv.org.br para mais informações. Valorize a vida.

Caio Brasil, estudante de Jornalismo da Escola de Comunicação da UFRJ

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