A Revolução Socialista Russa de 1917

1703

Um trem chega a Petrogrado. Uma multidão de operários, soldados e marinheiros espera um homem. Sua irmã, Maria, e sua amiga Alexandra Kollontai¹ abraçam-no. Tcherkheidze, líder menchevique, saúda-o em nome do Soviete de Operários e Soldados de Petrogrado. Ele dá-lhe pouca atenção. Sobe em um banco e dirige-se à multidão: “Caros camaradas, soldados, marinheiros e operários, eu os saúdo em nome da Revolução Russa, vanguarda do exército proletário mundial. Não está longe a hora em que os povos voltarão suas armas contra os capitalistas, seus exploradores. A revolução feita por vocês abriu uma nova época”. Silêncio atento. Ele prossegue, referindo-se à guerra imperialista (1ª Guerra Mundial em que a Rússia está envolvida): “Abaixo a guerra assassina e odiada. Paz imediata!”. A multidão ovaciona. A partir daquele instante, reconhece o seu verdadeiro líder, o líder maior da revolução socialista, Lênin. Era o dia 16 de abril de 19172.

O capitalismo começou a desenvolver-se na Rússia mais tarde que em outros países da Europa e sob a dependência destes. Internamente, a burguesia se formou a partir do latifúndio e em aliança com ele.

A monarquia czaristaaboliu o regime de servidão no campo em 1861, mas, na prática, a submissão continuou, uma vez que os camponeses pobres não tiveram garantida a posse da terra; foram expulsos ou obrigados a fazer “parcerias” em que os donos da terra nada investiam e recebiam geralmente metade da colheita. Para as revoltas, a repressão permanecia brutal, intocável, mantidos os castigos corporais, inclusive.

Apesar desses limites, a indústria cresceu rapidamente. De 1865 a 1869, o número de operários dobrou (de 706 mil para 1,433 milhão). No final da década de 1890, era de 2,792 milhões, com a industrialização atingindo 50 províncias.

Movimento operário e marxismo: fusão decisiva

O crescimento da classe operária, aliado à manutenção de péssimas condições de trabalho, salários baixos, superexploração de homens, mulheres e crianças não tardou a provocar mobilizações reivindicatórias. Nasceram as primeiras organizações operárias.

Nessa mesma época, surgiram também as primeiras organizações marxistas, os círculos, compostos por intelectuais que traduziam, comentavam e divulgavam as obras marxistas. Um dos seus integrantes, Vladimir Ilitch Ulianov (Lênin. A Verdade nº 49), um jovem advogado, compreendeu que era necessário fundir o marxismo com o movimento operário, e os operários mais avançados deviam fazer agitação entre as massas, combinando as reivindicações econômicas (salários, condições de trabalho) com as políticas (derrubada do czarismo). Lênin dizia que “teoria não é dogma e sim guia para a ação”. Utilizando o método dialético (marxista), ele estudou profundamente a realidade russa e a evolução do capitalismo no período posterior à morte de Marx e Engels e concluiu que, em vez de se dar no centro do sistema, a revolução socialista poderia começar pelos países atrasados e dependentes, como a Rússia, os chamados elos fracos da corrente imperialista.

A União de Luta pela Emancipação da Classe Operária, reunindo intelectuais e operários avançados, concretizou a fusão preconizada por Lênin; o movimento operário foi se fortalecendo até passar a intervir diretamente na vida política do país. Em 1898, realizou-se o congresso de fundação do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR).

As Jornadas de 1905

Em 9 de janeiro de 1905, 140 mil operários ocuparam as ruas centrais de São Petersburgo3, concentrando-se pacificamente em frente ao palácio imperial para apresentar reivindicações de leis que possibilitassem a melhoria de suas condições de vida e trabalho. A resposta foi uma fuzilaria que vitimou cerca de mil manifestantes. Não houve recuo. As greves se alastraram por todo o país, resultando num avanço organizativo sem precedentes com a criação dos sovietes, conselhos representativos de toda a classe em nível de um município, de uma província, de uma região.

O ano de 1905 foi também de muita agitação no campo. Os camponeses pobres marcharam espontaneamente sobre a propriedade dos latifundiários, destruindo bens e se apossando dos grãos. A rebelião grassou também entre os militares, especialmente os marinheiros, registrando-se em junho a sublevação do Encouraçado Potemkin (navio de guerra).

Em 1905, os bolcheviques compreendiam que a revolução em curso na Rússia era de caráter burguês, mas a burguesia não tinha condições de levá-la a cabo, cabendo, pois, ao proletariado converter-se em dirigente do movimento revolucionário, aliando-se aos camponeses pobres e recusando qualquer tipo de acordo com a burguesia. Os mencheviques entendiam, ao contrário, que sendo a revolução de caráter democrático-burguês, a burguesia é que deveria dirigi-la.

No outono de 1905, o movimento revolucionário já se estendia a todo o país. Em outubro, uma greve geral atinge toda a Rússia, envolvendo um milhão de operários. Os sovietes multiplicaram-se. A luta camponesa aguçou-se. Os marinheiros sublevaram-se. Os bolcheviques conclamaram as massas à insurreição armada.

A insurreição desencadeou-se em Moscou, logo que o czar determinou a dissolução dos sovietes e a prisão dos líderes bolcheviques. A greve geral não se estendeu a toda a Rússia, o que facilitou a repressão. Outras regiões se lançaram também às armas, mas o exército imperial dominou-as e, em 1907, tinha fim o movimento revolucionário.

Na clandestinidade, os bolcheviques passaram, nessa fase de refluxo, a utilizar todas as possibilidades legais de ação, como as associações de socorro mútuo e a própria Duma (parlamento controlado pelo czar).

Em 1912, o movimento operário já promove greves em todo o país, de caráter econômico e político, e os camponeses também retomam suas lutas contra os latifundiários. Os sovietes proliferam. Os bolcheviques multiplicam as organizações do partido e criam um jornal diário, dirigido por Josef Stálin,chamadoPravda (A Verdade), com tiragem de 40 mil exemplares, que se torna instrumento de informação e orientação dos operários de todo o país.

1ª Guerra Mundial

No dia 1º de agosto de 1914, a Alemanha declara guerra à Rússia e o governo de Nicolau II decreta a mobilização geral. Trava-se uma guerra entre blocos de potências imperialistas pela divisão do mundo, cada uma querendo uma fatia maior. De um lado, Alemanha e Áustria; do outro, Inglaterra, França e Rússia. O partido da burguesia liberal (os kadetes), os socialistas-revolucionários (partido camponês) e os mencheviques, de pronto, uniram-se ao czarismo para “defender a pátria”.

O Partido Bolchevique, desde o início posicionou-se firmemente no sentido de que os operários e os camponeses deveriam lutar contra essa guerra, pois não se tratava de patriotismo, e sim de imperialismo, de dominação dos povos mais fracos. A palavra de ordem bolchevique foi a de transformar a guerra imperialista em guerra civil, isto é, os soldados operários e camponeses deveriam voltar as armas contra as burguesias de seus países, derrubando-as do poder.

A perseguição policial aos bolcheviques foi intensa. Todos os deputados bolcheviques que votaram na Duma contra os créditos de guerra foram presos.A guerra foi um desastre para a Rússia. Não poderia ser diferente, pois na frente de batalha havia um exército de operários e camponeses famintos, nus, descalços e sem motivação, pois estava claro que aquela guerra não era do seu interesse. A economia estava em crise profunda. Fábricas paradas, produção agrícola em decadência. Diminuíam as riquezas da burguesia e os trabalhadores estavam a cada dia mais imersos na fome, na miséria, no sofrimento.

O ódio e a indignação tomam conta dos operários, camponeses pobres e soldados, que se conscientizaram de que para viver precisavam de pão, terra e paz.  O czar Nicolau II está isolado porque a burguesia se descontenta e prepara um golpe palaciano para derrubá-lo.

Os operários também querem derrubar o imperador, mas seus métodos são outros.O ano de 1917 começa com a retomada de grandes greves e manifestações de massa que ganham a cada dia novos adeptos.

Jornadas de Fevereiro na Rússia

O período de 22 a 27 de fevereiro(07 a 12 de março no calendário atual) é de convulsão em todo o país. No dia 26 (11 de março), os operários de Petrogrado recebem o apoio de um batalhão do exército, que abre fogo contra a guarda imperial quando ela vai dissolver uma manifestação. No dia seguinte, os operários se armam e mais soldados se sublevam. O czarismo está morto. A Revolução de Fevereiro teve, de fato, como base os sovietes de operários e soldados. Eles eram os órgãos do poder popular.

O proletariado fez a revolução, mas a burguesia (kadetes), os latifundiários aburguesados e a pequena-burguesia (socialistas-revolucionários e mencheviques) é que assumiram o poder, instalando um Governo Provisório sem levar em consideração os sovietes. Estes, entretanto, constituíram um governo paralelo, estabelecendo-se uma dualidade de poderes.

Cinco dias depois da Revolução de Fevereiro, o Pravda volta a circular abertamente, buscando esclarecer os operários e os camponeses de que o governo provisório burguês representa a continuidade da guerra imperialista e da mesma política de exploração e fome adotada pelo czarismo.

Não foi um trabalho difícil. O Governo Provisório permanecia surdo às reivindicações do povo e definiu a continuidade da Rússia na guerra. Foi neste clima que Lênin desembarcou em Petrogrado.

No dia 16 de junho, reuniu-se o I Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, no qual os bolcheviques ainda eram minoria. Mas em Petrogrado, o maior centro industrial do país, a predominância das ideias bolcheviques entre o povo já era evidente. Prova disso é que, no dia 18, 400 mil manifestantes desfilaram pelas ruas centrais da cidade, proclamando: “Abaixo a guerra! Abaixo os ministros capitalistas! Todo o Poder aos Sovietes!”.

Nos dias seguintes, o Governo Provisório determinou a repressão às massas e a prisão dos líderes bolcheviques. Lênin, mais uma vez, ingressou na clandestinidade.

O VI Congresso do Partido Bolchevique, realizado clandestinamente de 26 de julho (8 de agosto) a 3 de agosto (16 de agosto), avaliou que não havia mais condições de continuar a luta pacífica e já se tinha acumulado forças suficientes para a insurreição armada.

As forças burguesas ameaçaram esmagar a sangue e fogo qualquer tentativa de movimento revolucionário. A seguir, Kerenski (ministro social-revolucionário) incentivou um golpe planejado pelo general Kornilov, mas retirou seu apoio quando soube que não haveria espaço para ele e seria instaurada uma ditadura militar.

A derrota do golpe foi, entretanto, mérito exclusivo dos operários, soldados e marinheiros rebeldes. O episódio fortaleceu a influência bolchevique nas massas dos grandes centros e logo os sovietes de Petrogrado e Moscou contavam com maioria revolucionária.

Outubro: dez dias que abalaram o mundo

Entre a decisão do Comitê Central do Partido Bolchevique e a tomada do poder, foram dez dias de muita movimentação, definição de estratégia e tática militares, mobilizações, divisão de tarefas. Em meados de outubro, Lênin havia chegado a Petrogrado clandestinamente e comandava pessoalmente todos os preparativos.

O levante armado começou no dia 24 de outubro (6 de novembro) com a ocupação dos órgãos de imprensa da capital. A 25 de outubro (7 de novembro), as tropas revolucionárias ocuparam tranquilamente os correios e telégrafos, os ministérios, o Banco do Estado e cercaram o Palácio do Inverno. Aí, ainda se esboçou alguma resistência, resolvida rapidamente com a chegada do Cruzador Aurora, comandado pelos marinheiros de Kronstadt.

Uma nova era começava. Na mesma noite, instalou-se o II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia com maioria bolchevique. Lunachárski, dirigente bolchevique, leu uma proposta redigida por Lênin e aprovada pelo Pleno do Congresso: “Apoiando-se na vontade da enorme maioria dos operários, soldados e camponeses,o congresso toma o poder nas suas mãos”.

Enquanto isso, reunido com o Centro do Partido, órgão que dirigiu a insurreição vitoriosa, Lênin declarava: “Comecemos imediatamente a edificação do socialismo!”.

Luiz Alvesadvogado

¹ Alexandra Kollontai, ministra do governo bolchevique e escritora. Autora de A Nova Mulher e a Moral Sexual.

²O calendário russo era diferente do ocidental. De acordo com ele, a Revolução Socialista ocorreu no dia 25 de outubro. Em janeiro de 1918, foi aprovado o uso do calendário ocidental. Assim, continuou a denominação Revolução de Outubro, mas sua comemoração ocorre em 7 de novembro, de acordo com o novo calendário.

³Fundada pelo czar Pedro, o Grande, em 1703, São Petersburgo teve o nome alterado para Petrogrado. A partir de 1924, o nome mudou novamente para Leningrado, em homenagem ao grande líder da Revolução Bolchevique. Com a retomada do poder pela burguesia imperialista, a cidade voltou, em 1991, a se chamar São Petersburgo.