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quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

XIV Intereclesial das CEBs: Oxigênio para a caminhada profética

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Com o tema “CEBs e os desafios do/no mundo urbano” e com o lema “Eu vi, ouvi os clamores do meu povo (oprimido) e desci para libertá-lo” (Ex 3,7), aconteceu em Londrina, no Paraná, o 14º Intereclesial das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), de 23 a 27/01/2018. O encontro foi uma beleza espiritual profética, um verdadeiro pentecostes, irrupção do espírito profético do Deus da vida. Participaram cerca de 3.300 representantes de CEBs de todo o Brasil e houve representação latino-americana e europeia, uma boa representação de 23 povos indígenas e uma significativa representação de quilombolas e de juventudes. A CNBB participou com 60 bispos. As delegações do Nordeste viajaram 2, 3 ou até 4 dias de ônibus para chegar a Londrina. Quem veio da Amazônia viajou 2, 3 ou até 4 dias de barco para pegar um avião até Londrina. Todo o povo do 14º Intereclesial foi acolhido graciosamente por cerca de 1800 famílias em suas casas em Londrina ou cidades vizinhas, onde dormiam, tomavam café da manhã e jantavam. Uma multidão de voluntários contribuiu nas equipes de serviço. Só na Equipe de Comunicação havia mais de oitenta pessoas. Sob a coordenação da Ampliada das CEBs (“coordenação” nacional das CEBs composta por dois representantes de cada estado), com as reflexões de dezenas de assessoras/res, tendo o arcebispo da Arquidiocese de Londrina, Dom Geremias Steinmetz, como anfitrião, o 14º Intereclesial aconteceu de forma participativa e democrática, em clima de alegria e confraternização, em um grande mutirão em defesa das condições objetivas que garantam o respeito à dignidade humana e à dignidade de todos os seres vivos.

O jeito plural e envolvente do desenrolar do 14º Intereclesial das CEBs deve ser ressaltado. Houve momentos abertos a todas as pessoas da arquidiocese de Londrina: a celebração de abertura, na Praça da Bíblia; a Caminhada e Celebração dos Mártires da Caminhada no Aterro Lago Igapó e a Celebração Eucarística final no estádio Moringão. Nas três primeiras manhãs, todos participaram da Grande Plenária, no estádio Moringão: acolhida com músicas das CEBs, reflexões dos/as assessoras/res e fila do povo. Na primeira manhã, no momento do Ver, foi feita uma Análise crítica da Conjuntura. Na segunda manhã, no momento do Julgar, houve análise a partir da Bíblia e da Teologia Pastoral, na perspectiva da Teologia da Libertação. Na terceira manhã, momento do Agir, muitas pistas de ação e Moções de apoio ou de repúdio foram apresentadas. Durante as três primeiras tardes, os 3.300 participantes se reuniram em 13 Plenárias1 – cada uma com cerca de 300 participantes – em 10 outros espaços de Londrina, onde, após a análise e provocações da/o assessor/a, se reuniram em pequenos grupos. No final das tardes, sínteses das reflexões e experiências foram postas em comum em todas as 13 Plenárias. Na última manhã, o Encontro se realizou por Regionais das CEBs para traçar propostas de ação conjunta. Na última tarde, no Moringão, foram apresentados os documentos finais: Carta do 14º Intereclesial das CEBs, Moções e repasse do “Trem das CEBs” para o Regional do Mato Grosso que ficou com a missão de realizar o 15º Intereclesial das CEBs, em Rondonópolis, no ano de 2022.

Eis um exemplo do que houve nas Plenárias. Dia 24, no segundo dia do Encontro, 300 delegadas/os das CEBs do Brasil, participaram da Plenária “O acesso e condições de moradia”, uma das treze Plenárias que trataram de VER treze desafios do/no mundo urbano para o povo das CEBs e das igrejas.  A assessora, Profa. Cecília Angileli, demonstrou que, mesmo após 70 anos de reconhecimento do direito à moradia pela ONU (Organização das Nações Unidas), grande parte do povo no mundo sobrevive sem ou em moradia inadequada e ainda sob ameaça de remoções forçadas. “Virou crime lutar para não ser transferido do déficit habitacional qualitativo (inadequação da moradia) para o déficit habitacional quantitativo (ausência da moradia)”, fez-nos ver Cecília. O Estado não está sendo apenas ausente, mas violento e violentador, pois está sendo cúmplice da especulação imobiliária. A assessora alertou que “as políticas habitacionais não podem se resumir apenas a um teto e quatro paredes, mas devem garantir o acesso da moradia a equipamentos públicos, ter um custo acessível, estar bem localizada, priorizar grupos vulneráveis, estar adequada aos elementos culturais desta população, deve ter habitabilidade e a segurança da posse” conforme atesta a Relatoria da ONU, de 2015. Há um abismo entre o direito e o acesso à moradia. No Brasil, estima-se que o déficit habitacional esteja em oito milhões de moradia, atingindo cerca de 1/3 da população, ou seja, quase 70 milhões de pessoas.  Em uma sociedade capitalista como o Brasil, terra e moradia viraram mercadoria. Cidades administradas como empresas violentam o direito humano à moradia. Os megaprojetos empresariais no campo e na cidade estão provocando remoções forçadas. Urge resistir contra a mercantilização de tudo o que é direito humano fundamental: terra, água, moradia, saúde etc.

Após a análise e as provocações da assessora, em 12 grupos, foi feita uma socialização de experiências para VER o desafio que é conquistar moradia nas cidades. A pergunta orientadora foi: “Nas situações da sua região, como a sua comunidade lida com esses desafios?” No plenário final foi apresentada uma infinidade de experiências concretas que demonstram o quanto o direito à moradia não está sendo respeitado e, pior, o bloqueio à moradia está imenso. Muitos casos concretos foram noticiados. Um deles está na cidade de Londrina, que tem um déficit habitacional de mais de 60 mil moradias, enquanto há muitos imóveis ociosos e mais de 15 mil pessoas passando fome na cidade, diariamente. Isso levou à Ocupação de 1300 casas, germinadas ou em sobrados, inacabadas em obra paralisada do Programa Minha Casa Minha Vida, onde se formou a Ocupação Flores do Campo. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região deu prazo até meado de fevereiro para despejar as 150 famílias da Ocupação Flores do Campo que, organizadas, resistem há um ano e meio e preferem morrer na luta a voltar para a cruz do aluguel ou à humilhação que é sobreviver de favor.

A Plenária da Moradia nos fez VER que só com conversa e pedidos não se conquista moradia. SEM LUTA COLETIVA dos Sem Moradia, a moradia não será conquistada e nem as remoções impedidas. Foi visto que se comprometer com a luta pela moradia é também um apelo do Evangelho de Jesus Cristo, passa pela Opção pelos Pobres, o que inclui fazer Opção de Classe. O papa Francisco aponta uma meta: “Nenhuma família sem moradia digna”. Imagine a profundidade da discussão nas treze Plenárias!

No 14º Intereclesial das CEBs estava a Igreja comprometida com a causa dos empobrecidos, a que sabe que para efetivar a Opção pelos Pobres é preciso fazer na prática Opção de Classe: conviver e lutar por direitos sociais ao lado das classes trabalhadora e camponesa. Estava lá em Londrina, a Igreja que tem entre os seus muitos ameaçados de morte (e de ressurreição!) e uma multidão de mártires da caminhada que, por causa do compromisso com o Evangelho de Jesus Cristo, se comprometeram na defesa dos sem-terra, dos camponeses expropriados, dos sem moradia, dos povos indígenas, dos posseiros, dos quilombolas, na luta por reforma agrária, por direitos sociais e pela construção de uma sociedade justa, solidária, ecumênica e sustentável ecologicamente. Por esse compromisso, muitos/as filhos/as das CEBs foram martirizados/as, mas continuam vivos/as em nós na luta, além de partilhar vida plena.

Com Jacques Alfonsin, que também participou do 14º Intereclesial das CEBs, afirmamos: “A qualquer Estado, mesmo aquele com aparência de legalidade, autoproclamando-se como democrático e de direito, mas governado por patifes, corruptos e ladrões, a cidadania não deve obediência. Resiliência contra as suas leis já se encontra amparada pelo conhecido “direito achado na rua.” As CEBs brasileiras parecem ter saído deste Encontro dispostas a resistir e desobedecer” qualquer mandamento que seja contrário à justiça social e à dignidade humana e planetárias. Como a viúva do Evangelho de Lucas (Lc 18,1-8), em nome da fé no Deus da vida, sigamos testemunhando compromisso com o Evangelho de Jesus Cristo e com as causas dos injustiçados, que passa pela luta por justiça agrária, justiça urbana, justiça socioambiental, justiça geracional etc. Assim, o trem das CEBs não parou e nem vai parar de ser oxigênio para a caminhada profética.

 Belo Horizonte, MG, 06 de fevereiro de 2018.

Gilvander Moreira2

 Obs. 1: Os vídeos, abaixo, ilustram o texto, acima.

1 Chamadas de Mini plenárias, mas na realidade não eram mini, pois aconteceram com cerca de 300 pessoas cada.

2 Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.

E-mail: [email protected]www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

 

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