Que os 21 anos de tortura, assassinatos e todo tipo de desrespeito aos direitos humanos, promovidos pelo regime militar no Brasil deixaram uma perca irreparável todo mundo sabe. A cada dia que passa torna-se mais difícil sustentar a farsa da “revolução dos militares de 64”. O que a gente não sabia era que o motor do regime eram os assassinatos sumários, promovidos e seguidos por todos os governos militares, como prova o documento divulgado pelo coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, professor Matias Spektor. Segundo o documento, o “legado” deixado de Geisel para Figueiredo foram mais de 100 assassinatos promovidos pelo regime que deveriam ser continuados. Execução sumária, ou seja, sem que a vítima tenha se quer a chance de se defender.
O documento trata-se de um memorando do William Egan Colby, ex-espião e agente da CIA, em 11 de abril de 1974, para Henry Kissinger, mentor da Operação Condor e Secretário de Estado americano, descrevendo como o general e então “presidente” Geisel recebeu informes sobre o assassinato de 104 “opositores” do regime, além de autorizar que tais práticas continuassem como política governamental do regime.
Quando falamos em “oposição”, entenda-se estudantes, jornalistas, religiosos, mães e pais de famílias que eram contra o regime. O documento é mais uma prova da brutalidade do regime de exceção que vivemos em nosso país de 1964 a 1985, como mostra o documentário “O Dia que durou 21 Anos”, de Camilo Tavares. Tais documentos revelam ainda mais o caráter do regime.
Provas inquestionáveis
Mas esses documentos não são os primeiros (nem serão os últimos). Em 2016, o Wikileaks, principal denunciante de documentos e informações secretas de órgãos de espionagem como a CIA, comprovou que nomes como Michel Temer, o jornalista William Waak e outras figuras já carimbadas como Roberto Marinho “contribuíram” como agentes da CIA em nosso país e na América Latina. Não é
à toa que Michel Temer disse ter havido golpe em 64 durante encontro da Fecomércio em março de 2018 em SP. Nomes como Paulo Maluf, Sílvio Santos e Alexandre Garcia são outros que figuram entre colaboradores históricos dos militares. Ou seja, como disse o poeta Renato Russo na música La Maison Dieu: “estejamos alertas/ porque o terror continua/ só mudou de cheiro e de uniforme”.
Memória, Verdade e Justiça
Não basta apenas denunciar esse tipo de postura em relação ao regime. As pesquisas mostram que países que modificaram suas leis, aprovaram a Anistia e puniram os agentes torturados, como o caso de Argentina e Chile, diminuíram e muito seus índices de violência, impunidade e corrupção.
Apesar de não ter condenado nenhum torturador ou colaborador do regime, a exemplo de como fez o Chile, que chegou a condenar o general Augusto Pinochet por genocídio, a comissão teve um papel decisivo para dialogar com a população acerca do verdadeiro papel das forças armadas durante o processo, tendo tido um brilhante trabalho que apurou 434 mortes ou desaparecimentos oficiais do regime, sendo esses 191 execuções, 210 desaparecimentos e 33 corpos encontrados e reconhecidos durantes os dois anos e sete meses de atividades, além das 1,8 mil vítimas de tortura.
Infelizmente esse tema ainda deve ser pautado e colocado na ordem do dia dos defensores dos direitos humanos, da democracia e liberdade. Ter que ouvir o comandante do exército dizer que “os militares precisam ter garantia para agir sem o risco de surgir uma nova comissão da verdade” e Raul Jungmann (Ministro Extraordinário da Segurança Pública) chamar as forças armadas de “ativo democrático que o nosso país tem” é, no mínimo, uma afronta ao estado democrático de direito e a toda história de luta do povo brasileiro.
Outros documentos e provas como esses virão à tona, mesmo o exército teimando em dizer que não há mais provas sobre tais fatos, ou que foram destruídos durante o regime. O Brasil, definitivamente, não é um país sem memória.
Cloves Silva, Pernambuco.