O coletivo Mujeres en Lucha (Mulheres em Luta) é uma organização uruguaia que existe há quase dois anos. Surgiu inspirado nas experiências de outros países, inclusive no Movimento de Mulheres Olga Benario, do Brasil. Constituído nas universidades, escolas e bairros, Mujeres en Lucha quer o fim da violência contra as mulheres, melhores condições de trabalho e uma sociedade igualitária.
Claudiane Lopes, Fortaleza
A Verdade – Qual é, no geral, a situação das mulheres no Uruguai?
Mujeres en Lucha – O Uruguai é um país com três milhões e meio de pessoas e as mulheres representam 52% da população, e, sobretudo nos últimos anos, criou leis que protegem os direitos das mulheres. Mas, apesar de existirem essas leis, nós mulheres ainda não estamos em igualdade e sofremos exploração e violência pelos homens. Isso se reflete no mercado de trabalho, pois apenas 55% das mulheres estão ativas economicamente e recebem 30% menos do que os salários dos homens, além de estarem nos postos de trabalho mais precarizados. Sete em cada dez mulheres já diz ter sofrido algum tipo de violência durante sua vida e, a cada 17 minutos, é feita uma denúncia de violência.
Entre as leis que foram criadas está a do aborto legal e seguro.
Sim, a lei da legalização do aborto é uma das mais importantes e existe há sete anos. Em 2008, no primeiro governo da Frente Ampla, foi promovida uma lei em conjunto com os movimentos sociais pela legalização do aborto. Essa lei é um avanço, pois existia uma alta taxa de mortalidade de mulheres que sofriam com os abortos clandestinos, mas ainda existem algumas barreiras por parte do governo para que as mulheres possam ter esse direito. A primeira coisa que a mulher faz é ir a uma entrevista, passa por vários interrogatórios com uma junta médica (médicos, psiquiatras, enfermeiras, psicólogos e assistente sociais) para que a mulher desista do procedimento. Depois disso, a mulher tem cinco dias para refletir e tomar a decisão final. Esse tempo acaba sendo uma barreira real para as mulheres que estão grávidas, porque, segundo a lei, a interrupção da gravidez só poderá ser feita até 12 semanas de gestação. O sistema de saúde é integrado, porém as mulheres têm que ter, no mínimo, um ano de residência no Uruguai para ter acesso, o que é uma grande dificuldade para as mulheres estrangeiras. Se as mulheres não passarem por esses procedimentos e fizer fora do sistema de saúde integrado é presa por até três anos pelo crime de aborto.
Quais as outras leis de proteção às quais as mulheres uruguaias têm direito?
Em nosso país foi aprovada, no ano passado, uma lei contra a violência doméstica, para que a mulher possa denunciar todos os tipos de violência e o agressor chegar a ser preso e passar por um processo de reeducação social. Outra lei é a tipificação do feminicídio, quando ocorrem homicídios de mulheres. Apesar do avanço dessas leis, existem poucas políticas públicas para proteger as mulheres da violência em que vivem. A lei prevê muitas coisas que não são implementadas, como garantia de emprego e estudo para mulheres vítimas de violência e para seus filhos. Os homens que são denunciados usam uma tornozeleira eletrônica para que não cheguem perto das vítimas, uma medida protetiva que, muitas vezes, não resolve o problema. Há também uma lei de cotas para a participação das mulheres em todas as eleições. Estabelece que 30% da lista de candidatos de cada partido tem que ser de candidatas. Hoje temos a participação de 22% de mulheres no Parlamento. Mas tem muita resistência dos partidos de cumprir essa lei. O direito às creches é apenas para crianças a partir dos três anos. Antes disso, as mães são obrigadas a deixar com parentes ou a pagar por esse serviço.
O movimento feminista vem avançando muito na América Latina. Qual é a visão de vocês sobre isso?
Nós achamos muito importante esse avanço, pois acreditamos que essas lutas na América Latina vêm de uma grande campanha e de manifestações contra a violência às mulheres. As manifestações do 8 de março em nosso país foram muito maiores nos últimos anos, por exemplo. Este avanço dos setores populares, em particular das mulheres, tem demonstrado a força popular contra as injustiças, por melhores condições de vida para o povo, e as lutas feministas têm crescido devido ao desgaste do patriarcado e do capitalismo no mundo.
Em 2021, ocorrerá o III Encontro Latino-Americano e Caribenho de Mulheres no Brasil. Qual é a expectativa de vocês?
O primeiro encontro que participamos como coletivo de mulheres foi no II Encontro Latino-Americano. Nele conseguimos entrar no Comitê Preparatório Internacional, que nos ajuda muito a conhecer como se organizam e lutam outros movimentos de mulheres dos diversos países da América do Sul e do Caribe para implementarmos essas lutas em nosso país. Queremos chegar ao próximo encontro, no Brasil, mais fortes, com mais companheiras do nosso coletivo, pois, para nós, o Movimento Olga Benario é um grande exemplo, a sua forma de organização e as suas ações de lutas na defesa dos direitos das mulheres. Vai ser muito importante trabalhar esses dois anos com muita alegria e irmos ao Brasil com a força das mulheres do Uruguai.
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