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sábado, 9 de novembro de 2024

Bolsonaro manobra contra a demarcação de terras indígenas

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Foto: Divulgação


Lúcia Gavião
Belo Horizonte

BRASÍLIA – Enquanto candidato, Bolsonaro falava sem nenhum pudor que em seu governo não haveria mais nenhum milímetro de terras indígenas demarcadas. Hoje, presidente, cumpre violentamente sua promessa, sem qualquer atenção aos limites constitucionais e mesmo políticos de seus atos.

O presidente, que governa através de Medida Provisória (MP), em seu primeiro dia de governo, editou norma (MP nº 870/19) retirando da Funai e transferindo para o Ministério da Agricultura (Mapa) a atribuição de demarcar terras indígenas, ou seja, viabilizou a completa paralisação das demarcações, colocando a raposa para cuidar do galinheiro.

Após intensa campanha dos povos indígenas e dos servidores da Funai junto ao Congresso Nacional, esta medida foi rejeitada pelo Poder Legislativo, de modo que a atribuição deveria voltar para a Funai a partir da sanção e publicação da lei que regulamentou a referida MP (Lei nº 13.844/19), em 19 de junho de 2019.

Seguindo os trâmites dos processos legislativos, a mencionada lei foi devidamente sancionada e publicada pela Presidência da República. Contudo, no mesmo dia, à revelia da decisão do Congresso Nacional, Jair Bolsonaro editou uma nova Medida Provisória (886/19) mantendo a atribuição de demarcar terras indígenas com o Mapa, em uma manobra cínica e inconstitucional destinada a manter o apoio dos ruralistas ao seu já fragilizado governo.

De acordo com o artigo 62 da Constituição Federal de 1988, “é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”. Se a primeira MP já era inconstitucional em vários aspectos de forma e conteúdo, essa última é uma afronta literal à Constituição, à decisão do Congresso Nacional e aos povos indígenas, já que repete o mesmo texto da MP rejeitada e na mesma sessão legislativa.

Medidas provisórias são normas editadas pela Presidência da República em caso de relevância e urgência, que devem ser avaliadas e confirmadas pelo Congresso Nacional, a fim de que sejam ou não transformadas em lei, uma vez que a atividade de criar leis é atribuição do poder Legislativo, e não do Executivo.

A retirada da demarcação de terras indígenas da Funai e transferência para o Mapa, através de MP, é inconstitucional na forma, pois não há relevância e urgência que justifique a medida, e na essência, uma vez que se coloca tal atividade sob a responsabilidade de órgão que tem flagrantes interesses contrários aos da efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas, sendo uma escancarada medida destinada à não efetivação destes direitos constitucionais.

A primeira tentativa (MP 870/19) já era absurda e inconstitucional, a segunda (MP 886/19) é uma desmensurada afronta jurídica e política deste tresloucado governo. Diante dessa verdadeira balbúrdia, no dia 24 de junho, uma semana após a edição dessa segunda MP, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso afastou por liminar a validade da medida, devolvendo para a Funai a demarcação. Se forem seguidas as regras do jogo (leia-se o tão falado Estado Democrático de Direito e suas leis), esta decisão deverá ser confirmada pelos demais ministros do STF. Entretanto, até lá muitas águas e artimanhas ainda podem rolar e, com isso, o governo vai malandramente conseguindo mais tempo de êxito em seu intento de paralisar as demarcações e as atividades da Funai.

O conjunto da obra é ainda mais grotesco (sim, sempre é possível piorar neste cenário). Uma semana antes da edição da MP 886/19, no dia 14 de junho, o então presidente da Funai, general Franklimberg Ribeiro de Freitas (no cargo há seis meses e alinhado ao governo), foi exonerado do cargo a pedido dos ruralistas. Em um pronunciamento final, o general explicou quais teriam sido os motivos de sua demissão, relatando que contrariou os interesses do secretário especial de Assuntos Fundiários do Mapa, Luiz Antônio Nabhan Garcia, quando se negou a entregar ao Ministério cerca de cinquenta cargos essenciais ao funcionamento da Funai, além de ter se negado a tomar outras medidas administrativas contrárias à legislação que regula as atividades da Funai. Ao final, o general revelou a grande novidade: “esse pessoal saliva ódio aos indígenas”.

Com a ascensão do fascismo ao poder, sabíamos todos que não seria fácil o cenário para as populações mais vulneráveis do país, porém, a necessidade de intensificação da luta e resistência social se revela imprescindível a cada hora e ato deste governo. Basta um piscar de olhos e lá se vão direitos duramente conquistados.

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