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quarta-feira, 1 de maio de 2024

Opinião | 30 anos sem Raul Seixas: Uma voz questionadora que não se calou

O legado histórico e cultural de Raul Seixas e seu posicionamento diante das injustiças sociais e da censura continuam marcando o cotidiano dos brasileiros.

Lucas Marcelino


Foto: Divulgação


LEGADO – Há 30 anos atrás, no dia 21 de agosto de 1989, morria em São Paulo o cantor, compositor e produtor, Raul Seixas. Um dos maiores artistas, poetas e compositores da música brasileira.

Suas composições emblemáticas estavam sempre ligadas à vida do povo que, mesmo após tanto tempo, não reservou para ele o mesmo esquecimento que teve com outros artistas. Pelo contrário, quanto mais o tempo passa mais suas músicas são ouvidas e suas composições reverenciadas.

Muito disso se deve ao fato de que Raul tinha uma grande habilidade para criar analogias simples que se relacionavam e expressavam bem o que o povo sentia. Sua linguagem própria – misturando o jeito nordestino adquirido na infância na Bahia com a sabedoria conquistada por muito estudo filosófico – se ligou imediatamente a um povo que sofria com a repressão da Ditadura Militar e buscava formas de expressar seu descontentamento com a situação do país e com seus problemas pessoais.

Outro fato importante para essa admiração foi toda a mitologia criada em torno da sua vida, graças aos altos e baixos na carreira por problemas pessoais e com a bebida. Enquanto recentemente um pastor foi criticado por cantar uma música do ‘satanista’ Raul Seixas, uma das recentes novelas da Globo tinham como abertura uma releitura de um de seus clássicos.

Talvez a sua principal característica seja a inquietude perante os questionamentos pessoais sobre a vida e os problemas sociais de um país em que se “assovia que é pra disfarçar”. Assim acumulou críticos e defensores de todos os lados, mas marcou presença na casa de todos os brasileiros. Não há alguém que não conheça uma música ou um verso criado por ele.

Na esquerda, Raul é muito criticado por nunca ter tido uma militância ativa ou organizada, por seu idealismo e misticismo e até mesmo por não ter resistido ao vício na bebida – críticas que levaram diversos artistas a se afastar da militância durante o século XX. Mas fora isso, presente na grande maioria da classe artística que alcança um status pequeno-burguês, é preciso reconhecer seu papel na crítica social implacável à classe média, na emulação do povo para resistir e lutar, na insistência do questionamento e de não aceitar aquilo que nos é imposto e no desmascaramento da mediocridade da elite política e econômica e da classe média brasileira.

Raul cantou tudo e mais um pouco, em todos os ritmos possíveis. Se não foi o herói da classe trabalhadora que outros e outras foram ao menos cumpriu seu papel na arte e tornou nossa vida um pouco mais agradável (ou não, a depender das interpretações das suas letras) e traduziu o mundo de uma forma que o povo sempre compreenderá.

Foto: Divulgação


Deixamos dicas de músicas para iniciar ou ampliar o conhecimento da obra do maior roqueiro brasileiro:

Ouro de tolo: a melodia surpreendeu todo mundo, mas foi a letra que trouxe uma das melhores críticas à classe média e ao modelo de realização consumista. Essa união colocou Raul Seixas entre os grandes nomes da música brasileira logo no disco de estreia.

Cowboy fora da lei: o último grande sucesso trazia uma análise irônica e uma crítica à reabertura política pós Ditadura.

Como vovó já dizia: a versão conhecida por todos é bem diferente da original – censurada pela Ditadura Militar. A versão permitida dizia: “quem não tem filé, come pão e osso duro”; a original era mais direta: “quem não presente, se conforma com futuro”. Censura não era suficiente para calá-lo.

Sociedade Alternativa: um dos hinos que marcaram não só a carreira, mas a visão que o público criou sobre o artista. O governo militar viu um subversivo que queria construir o comunismo no Brasil e levou Raul para os porões da Ditadura para ser torturado.

É fim de mês: um rap! Essa música está escondida no lado B do disco que traz o Raul mais crítico à religião. Nela ele canta todos os perrengues para sobreviver em um país com grande parte do povo na miséria, em que não se tinha nem onde cair morto.

Cachorro-Urubu: uma homenagem ao indígena norte-americano, chefe da tribo Sioux, que declarou guerra ao exército Yankee para defender os territórios sagrados e a cultura ancestral.

Aluga-se: um dos maiores sucessos da carreira e uma das melhores interpretações da realidade que o país vivia com a abertura econômica e a entrega promovida pelo liberalismo do final da Ditadura. Se tivesse sido lançada hoje, seria um sucesso ainda maior e um pesadelo para o atual ministro da economia.

Ave Maria da Rua: uma das mais belas músicas, faz parte do disco que contrapôs o anterior (Novo Aeon) pelo forte misticismo e religiosidade. Mesmo assim, traz uma visão ampliada da personagem principal, resgatando as ideias primordiais do Cristianismo.

Movido a álcool: Raul nunca escondeu seu respeito pelo forró e por Luiz Gonzaga. Nessa música ele mostra que sabe honrar o seu ídolo e canta com bom humor, molejo e ironia as dúvidas da sociedade sobre o projeto Proálcool, que criou o primeiro motor a concorrer com a cachaça.

Todas as outras: com certeza uma das músicas do Raul vai chamar a sua atenção.

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