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terça-feira, 24 de dezembro de 2024

“Por que tornei-me professor?”

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Essa carta foi escrita logo após me formar, em 2013, e não tiraria uma palavra dela. Pelo contrário, só teria a acrescentar o que aprendi ao longo do tempo e que reforça todas e a principal das convicções de quando me tornei professor: servir ao povo para construir uma nova sociedade baseada na liberdade pelo conhecimento.

Lucas Marcelino
Professor, Unidade Popular Pelo Socialismo.


Foto: Jornal A Verdade

SÃO PAULO – Hoje, depois de ter entregue e receber a aprovação ao último trabalhado exigido para minha formação, posso dizer – com o orgulho que me traz esse direito – que sou um professor. Mais um soldado do exército da educação. Mais um, entre tantos outros homens e mulheres, que dedicará sua vida a conceder a liberdade a outras pessoas. Pois se uma revolução social pode trazer a libertação social, somente a educação pode trazer a libertação individual. Só a educação pode levar o indivíduo ao conhecimento e à sua autonomia para compreender o que ele é.

Foram quatro anos de esforço. Faço questão de não usar o termo “sofrimento”. Pois não foram quatro anos de sofrimento. Se, em algum momento eu exigisse – ou tenha exigido, quando ainda não era capaz de compreender esse erro – que os professores me facilitassem o caminho até minha formação, ou que amigos me favorecessem nas tarefas que me levariam ao orgulhoso título de professor, eu estaria sendo submisso à ignorância. Estaria renunciando ao conhecimento e abdicando do direito de me considerar o mais honroso dos profissionais. Estaria sujando minha própria história e deixando de ser digno de me tornar professor.

Não digo que tal coisa não possa ter acontecido. É permitido que um estudante – e recuso-me a usar o termo aluno, pois deriva de uma expressão do latim que significa “sem luz” – cometa erros, para isso servem as avaliações e a habilidade corretiva do professor. Mas o erro de querer tornar-se um professor por caminhos mais fáceis é um erro que o estudante deve reconhecer e abandonar em um momento da sua formação. E é esse momento que faz com que ele deixe de ser um estudante para tornar-se professor.

Hoje posso dizer a qualquer pessoa que sou um professor. Mesmo sem ter entrado na sala de aula. Porque sei que no momento que me for exigido eu estarei preparado para assumir a responsabilidade. E devo essa capacidade, além do meu próprio esforço, aqueles que estavam à frente me proporcionando a condição que tenho hoje. É aos professores que tive e a toda organização escolar desde o primeiro dia que entrei em uma escola que devo a honra de ter me tornado Licenciado em Ciências com Habilitação em Química.

Às vezes brinco que por ser professor e, além do mais, professor de química sou louco ao quadrado. Mas esta brincadeira só existe da boca para fora. No momento que compreendi a importância do professor e o papel da química na minha vida e na sociedade tive a oportunidade de deixar de ser ignorante para tornar-me sábio.

Foto: Reprodução

E o que me levou a essa compreensão? Por que não desisti antes e voltei para meu seguro lugar em uma bancada atrás de um equipamento de última geração com um salário que me dava muito mais tranquilidade financeira nesse mundo de valores quase puramente monetários?

Compreendi e não desisti, porque entendi que o professor é o transformador da sociedade, de forma indireta, através da transformação das pessoas. Quando compreendi que estaria trabalhando para o povo, que o povo seria meu patrão e ao mesmo tempo meu aprendiz, pude ver que ali estava o lugar seguro que eu queria ocupar e ali estava um equipamento que sempre será de última geração, que sempre será a vanguarda das mudanças na sociedade.

O salário? O salário será a libertação de cada indivíduo da ignorância. Meu pagamento será cada novo estudante formado cidadão e consciente das suas necessidades e de como ele poderá saná-las. Quando me permiti ter o título de professor, me obriguei a defender a causa da liberdade e da igualdade de condições e oportunidades. Essa causa que me levou a suportar os anos de esforço em que estive na faculdade e que me levou a ter como tema do meu último trabalho na minha graduação o Letramento Científico.

Seria comum que eu decidisse trabalhar com meu grupo um assunto já esgotado e que me facilitasse o caminho concluído ontem. Mas um professor nunca pode ser comum. E junto ao meu grupo e a todos os amigos da minha turma que também se esforçaram para sair do lugar comum, vejo que a sociedade tem novos defensores da libertação do indivíduo da ignorância. Esse último trabalho veio me mostrar que é preciso cada vez mais buscar o título pelo mérito. Que esse esforço me dará a condição de garantir a qualquer questionamento que sim, eu sou professor.

Trabalhar o letramento científico, buscar referências quase inexistentes em autores quase anônimos, me condicionou também um letramento. Agora enxergo ainda mais a possibilidade que tenho de transformar a sociedade, a importância que eu tenho e que os conhecimentos que adquiri têm de construir uma sociedade livre da injustiça e da desigualdade. E é em busca dessa sociedade que usarei minha licença para transmitir conhecimento a quem não o possui.  É em busca dessa sociedade que me recuso a limitar meus esforços para formar alguns novos professores no futuro e por esta sociedade me recuso também a limitar meus esforços para “salvar” alguns e não todos os estudantes que estiverem na mesma sala de aula que eu.

É por esta sociedade que me recuso a buscar o caminho mais fácil, de menores glórias e menores conquistas. O caminho mais fácil que leva a menores conhecimentos, a menores níveis de letramento, à menor liberdade. Não aceitarei que me oriente pelo caminho mais fácil e peço que todos me impeçam de segui-lo.

A permissão que tenho para chamar-me de professor é a permissão que todos têm de me cobrar como professor. E para tal é preciso estar convicto, de que só atuando e entregando todas as forças pela liberdade do povo, eu poderei manter meu título de professor. Um título que não se mantém num diploma na parede de casa, mas que se carrega na ponta dos dedos, na ponta da língua e no meio do coração.

Foto: Jornal A Verdade

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