Jornalistas independentes denunciam a grave situação em vários bairros de Maceió e sua ligação direta com décadas de mineração no subsolo pela empresa Braskem
Lenilda Luna
Foto: Divulgação
As rachaduras e afundamentos nos bairros Pinheiro, Bebedouro, Mutange e Bom Parto em Maceió são tão graves que não é necessário ser especialista para saber que existem riscos para milhares de moradores dessa região populosa da capital alagoana, com cerca de 40 mil pessoas. Depois de fortes chuvas em 2018, crateras nas ruas e fissuras nas paredes das casas assustaram aos moradores.
Por muito tempo, com a desculpa de não causar pânico, a extensão do problema foi minimizada nos meios de comunicação. Os jornalistas que cobriam o assunto até queriam se aprofundar na apuração, mas os veículos não permitiam ir muito além do discurso das autoridades. Percebeu-se muitas vezes a tentativa de desvincular o fenômeno geológico da ação de mineração de sal-gema no subsolo dos bairros, promovida desde a década de 80.
Este ano, no entanto, um acontecimento que nada tem a ver com o problema dos bairros, acabou mudando a configuração da cobertura jornalística sobre o assunto que aflige tantos maceioenses: a greve dos jornalistas. Depois de heróicos nove dias de resistência, jornalistas competentes e comprometidos com a ética profissional foram demitidos dos veículos em que trabalhavam, alguns há décadas.
Esses profissionais se juntaram e se cotizaram para construir uma plataforma digital de comunicação independente. O ACTA nasceu seis meses após a grande manifestação dos jornalistas contra a proposta de redução de 40% do piso salarial da categoria em Alagoas. A plataforma multimídia construída com o investimento dos 32 profissionais envolvidos escolheu um tema para a estréia: a situação dos bairros atingidos pelos efeitos de décadas de mineração no subsolo.
O problema está sendo acompanhado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Defesa Civil de Maceió, pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas e pelas associações de moradores e empresários dos bairros atingidos. Em novembro deste ano, a Braskem iniciou a remover 1,5 mil moradores de imóveis próximos aos 15 poços de extração de sal-gema da petroquímica, assumindo que tem responsabilidade no afundamento da região. Isso depois que especialistas do Instituto de Geomecânica de Leipzig (IFG), da Alemanha, fizeram um estudo que confirmou tudo o que o CPRM já havia dito.
Em reunião realizado no início de dezembro, o geólogo Thales Sampaio (CPRM) afirmou que o afundamento nos bairros tem relação com a mineração. “O afundamento é provocado pela desestabilização da camada de sal que está a mil a 1,2 mil metros de profundidade que está sendo minerada pela Braskem, que abriu 35 cavidades nos bairros. Dissemos isso há seis meses e agora os estudos e laudos de especialistas internacionais comprovam a tese. Não podemos garantir a integridade das pessoas que moram nesses locais. O risco é alto”, declarou o geólogo aos jornalistas.
O drama de moradores e comerciantes dos quatro bairros tem causado comoção nacional. Várias entidades se mobilizam para ajudar aos que estão profundamente abalados por terem que deixar suas casas. Muitos continuam nos imóveis, sem ter para onde ir, mas não conseguem dormir, com medo. Os bairros do Mutange, Bom Parto e Bebedouro são habitados por famílias, na maioria, de baixa renda. No Pinheiro, a classe média e os empresários locais foram os primeiros a reclamar as indenizações da empresa.
Mas é a vida de quem depende da proximidade com a lagoa Mundaú para pescar e coletar o sururu e de quem não tem renda para alugar outro imóvel que está mais afetada. São os mais pobres que estão sob maior risco, em torno de quatro poços que podem desabar a qualquer momento. Muitas dessas famílias ainda não receberam o aluguel social ou ajuda por parte do poder público e da empresa Braskem. O sentimento é de desorientação e medo.
O drama das famílias levou o jornalista Oscar de Melo a fazer um desabafo nas redes sociais. “Qualquer pessoa que venha a ser vítima de um incidente nessa região, caracteriza um crime de omissão, porque não é de hoje que estamos alertando sobre essa situação. O aviso tem sido dado, mas me assusta bastante a falta de ação daqueles que deveriam estar a frente desse processo. Quantas vezes o prefeito Rui Palmeira esteve no local? Quantas vezes o governador Renan Filho foi falar com essas famílias? Os moradores estão lá, todos os dias arriscando suas vidas. A integridade das pessoas tem que estar acima de qualquer interesse econômico”, desabafou o jornalista
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