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sábado, 12 de outubro de 2024

Opinião | Angústia e pânico na Linha 4: Chega de Privatização

Usuários da Linha 4 Amarela do metrô de São Paulo entram em pânico na estação devido falha elétrica nos trens, nas horas que ficaram pressos a empresa responsável pela linha privatizada não esclareceu a situação para os presentes.

Clarisse de Almeida
Unidade Popular, Rede Feminista de Juristas e Movimento de Mulheres Olga Benário


Foto: Clarisse de Almdeida

BRASIL – Acordei hoje com a voz rouca de tanto gritar. Ontem, por volta das 7 horas da noite, na volta do trabalho como outros tantos, minutos depois deu tirar essa foto, que já captara parte das angústias dos trabalhadores na Estação República da Linha 4 Amarela PRIVATIZADA monopolista do Metrô de São Paulo, amontoou-se uma massa de pessoas na plataforma mais subterrânea de passageiros – que mal conseguiam respirar. E desmaiavam. Quase sufocados. Enquanto com um olho eu mirava aflita a infinidade de TVs de tecnologia de ponta passarem propagandas PRIVADAS desenfreadamente, do chorume alimentício industrial do Mc Donald’s até filmes blockbusters à la imperialismo cultural feito Vingadores, passando por planos de saúde PRIVADOS e condições de pagamento de faculdades PRIVADAS, sem qualquer interrupção para avisar a população do que estava acontecendo, com o outro olho eu assistia outra multidão desesperada correr do lado oposto sem conseguir passar.

Quando consegui trocar palavras com uma jovem que esbarrara em mim e vinha de lá, ela me dizia aflita que deu uma pane elétrica no trem anterior na região da Paulista, e que aquele povaréu todo teve que descer. E peregrinar. Desassistidos. Nos trilhos. No escuro. Frações de segundo depois, vejo bebês passando por mim nos colos de suas mães chorando aguda e penetrantemente de tanto medo. Desnorteados, naquele mesmo minuto, crianças, idosos, pessoas com deficiência física e dificuldade de locomoção não conseguiam se mover no meio da confusão. Estavam inertes e amedrontados, prestes a serem pisoteados. Quando fui tentar ajudar uma senhora com a perna manca a sair dali em segurança, um agente do metrô da Linha Amarela apareceu esgoelando que estavam evacuando a estação, empurrando todos pra longe da plataforma. Quando fui atrás de respostas, ele não sabia me dar nenhuma. E daí se estalaram os avisos sonoros quase inaudíveis no meio de tanta algazarra.

“Prezados CLIENTES, a linha 4 amarela está interrompida”. Nós não somos CLIENTELA. Somos TRABALHADORES. Encurralados, já sabíamos que o metrô estava parado. Panes elétricas e erros humanos acontecem a todo momento; são inerentes a um sistema complexo de infraestrutura de mobilidade urbana em uma megalópole como a nossa. O que não pode acontecer é o que se seguiu. Acompanhada de outros trabalhadores indignados com o peso em seus lombos de tanto serem explorados e sequer poderem voltar pra casa, subimos as escadas atrás de registrar nosso protesto ao comando da Linha Amarela. Abordei algumas lideranças trajadas de amarelo reivindicando atenção. Mas todos os agentes da Linha PRIVATIZADA do Metrô de São Paulo sumiram. Se escondendo atrás das portas que cerraram na minha frente com o dedo em riste. Em defesa da linha pública, que mesmo com todas suas penúrias, os metroviários trajados de preto, trabalhadores oprimidos também, permaneceram ali comigo a todo instante ajudando a comunicar a massa de gente que chegava, explicando o que acontecia.

A vasta maioria deles foi gentil. Com exceção de um, um homem, que me disse que eu estava falando muito alto, que deveria ficar quieta e ir embora. Como mulher, fui socializada a falar mal. E a falar baixo. Mas quis responder alto. E em bom tom. A despeito da culpa não estar em pessoas individualmente perversas, mas em estruturas econômicas ardilosas, acendeu uma fagulha em mim. E comecei a urrar ali no meio de todos o que estava acontecendo. Teve gente que podia ter morrido sufocada. Nós moramos na maior cidade do hemisfério sul, com um dos custos de vida mais altos do país. São milhões de pessoas que vão e vem no transporte que se diz PÚBLICO. Pagando vertiginosos R$4,30 a perna. Com um salário mínimo corroído pela inflação. Com Vales-transporte que sequer cobrem o mês. Quando sequer temos salários ou CLTs. Eram trabalhadores ali que PAGAM pra ir e vir. PAGAM pra trabalhar. PAGAM pra procurar emprego. PAGAM pra poder chegar em casa e ver o filho acordado. PAGAM pra ir até um banco pagar um boleto. PAGAM para se endividarem.

Essa é a Parceria Público-Privada da Linha 4 Amarela do Metrô de São Paulo. Essa é a empresa ViaQuatro, pertencente ao grupo CCR, que venceu a concessão por TRINTA anos para aferir LUCRO às nossas custas. É a primeira linha do Brasil a ser operada pela iniciativa privada. Que deixou MASSAS DE PESSOAS PRESAS e ignorantes ao que lhes acontecia. Eles nos querem ignorantes. Incultos. Alienados. Enlatados em um trem superlotado pra não pensarmos no porquê estamos espremidos ali. Lembrei que poucos anos atrás ocorreu um desabamento em um canteiro de obras que já MATOU QUASE DEZ TRABALHADORES em outras estações da mesma linha privatizada. À época, 96 IMÓVEIS FORAM INTERDITADOS. À época, 230 PESSOAS FICARAM DESABRIGADAS. O que foi abafado. Em nome de uma linha que presta serviços de transporte de INTERESSE PÚBLICO para TODOS na mão de POUCOS. Além de nos PRIVAR de respirar, a Linha 4 Amarela nos PRIVA o acesso à cidade. Depois de quase quatro horas ali gritando, o metrô voltou a funcionar. E nos unimos na volta para casa. Entoando em muitas vozes: É PRECISO UM TRANSPORTE PÚBLICO GRATUITO, ACESSÍVEL E DE QUALIDADE AO POVO!

Aos trabalhadores anônimos que permaneceram comigo apoiando e registrando, meu mais sincero muito obrigada. Por conta de vocês estou de pé.

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