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sábado, 16 de novembro de 2024

Um estado que assassina crianças precisa ser destruído

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Artigo anexado na edição número 223 do jornal impresso, página 05.

Carol Vigliar


Foto: Reprodução/Arquivo

RIO DE JANEIRO – Ketellen Umbelino tinha apenas cinco anos. Não é idade pra se morrer! Choca e entristece em qualquer circunstância. Mas morrer baleada, fruto de uma guerra contra os pobres, não só choca, mas revolta! Apesar da pouca idade, a garota parecia saber disso ao pedir para sua mãe não chorar.

Apenas em 2019,quase 20 crianças foram baleadas no Brasil pelas mãos do Estado. Agatha, Marcos, Victor, Letícia, Lauane, Kauã. Segundo um levantamento feito pelo Joining Forces, o Brasil é o país com maior risco de violência contra crianças e adolescentes no mundo. Em Santo André, ABC Paulista, o menino Lucas, de 14 anos, foi sequestrado pela Polícia na porta da sua casa. 

No dia 1 de dezembro, a Policia Militar de São Paulo realizou uma operação de guerra em um baile funk na favela de Paraisópolis (zona sul de SP) que terminou com nove pessoas mortas por pisoteamento e outras sete feridas, a maioria era jovens de 17 anos.  “Eu vi um policial dando uma garrafada em uma pessoa no meio da confusão. Eles fecharam as saídas das ruas e saíram espancando. Foi uma covardia.”, disse uma adolescente a imprensa.

Mas não é só assim que o Estado brasileiro tem matado nossos filhos e filhas. No Brasil são 17,3 milhões de pessoas com até 14 anos em situação de pobreza! 34% vivem em lares com uma renda inferior a R$ 350 por pessoa. 49,7% das crianças e adolescentes brasileiros não têm acesso a, pelo menos, um dos direitos fundamentais previstos em lei pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como educação, proteção contra o trabalho infantil, moradia, água e saneamento básico!

O Brasil, que já foi modelo em cobertura vacinal, hoje já não garante mais a vacinação de crianças, tão importante, por garantir a proteção de bebês contra doenças como difteria, tétano, coqueluche, hepatite, etc. A mortalidade infantil, que caía desde a década de 1990, voltou a crescer no país com os cortes de verbas no SUS, somados ao aumento do desemprego, da carestia e do crescimento da pobreza. 

Por isso, afirmamos que o Estado brasileiro mata! Mata ao negar atendimento básico de saúde. O Estado mata ao negar o acesso à alimentação adequada nas escolas. Mata ao fechar escolas ou não abri-las em alguns locais: são 8,8 milhões de crianças e adolescentes fora das escolas! Mata ao permitir o desmatamento da Amazônia. Mata ao não garantir moradia digna e saneamento básico. São 13,3 milhões de crianças e adolescentes sem acesso a saneamento, 7,6 milhões sem acesso a água e 5,9 milhões de crianças e adolescentes sem teto!

Nossas crianças também são vítimas da violência sexual: segundo o anuário da violência, quatro meninas de até 13 anos são estupradas por hora no Brasil.

Nossas crianças estão morrendo! E não qualquer criança. Estão morrendo as crianças negras, as crianças indígenas, as crianças moradoras das periferias, aquelas que moram nos interiores de nosso país, as crianças sem teto.

Eu sou mãe e, como todas as mães, sonho com uma vida digna para meus filhos. Dias de sol, cama limpa, comida na mesa, pracinhas e parques. Escola de qualidade. Médico, quando eles precisarem. Escrevo este texto com choro contido. Com muita raiva por saber que, neste momento, milhares de crianças em nosso país tão rico não têm onde morar. Crianças que têm medo da chuva, por não saberem se sua casa vai aguentar da próxima vez que ela vier. Crianças que, bem cedo, saem para vender balas, para pedir. Crianças violadas. Crianças que passam horas agachadas na escola esperando o tiroteio passar. São apenas crianças, assim como meus filhos e, por isso, os sinto como meus. E sinto a dor de suas mães, das mães que já perderam os seus.

Não é fácil ser mãe, trabalhadora, pobre e ainda ter que se organizar para lutar! Não é! Nosso trabalho é árduo. Mas a nós não resta outra opção! Já estamos em guerra e nossos filhos já estão morrendo! Não podemos permitir isso! Assassinar crianças, por bala, por omissão, é crime! O Estado brasileiro é criminoso! E um Estado criminoso, que mata nossas crianças todos os dias, precisa ser destruído! Não podemos descansar enquanto não for garantido a todas as crianças o direito a uma vida digna, à saúde de qualidade, educação, lazer, cultura, moradia! E só conquistaremos isso quando este Estado for constituído por nós, trabalhadores e trabalhadoras, mães pobres, homens do nosso povo!

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