A região da divisa é um ponto onde se convergem três cidades do Alto Tietê: Mogi das Cruzes, Suzano e Itaquaquecetuba. Mesmo tão bem cercada, as três prefeituras fazem questão de abandonar os moradores. Por este abandono, o povo acostumou-se a insurgir-se.
Thales Caramante
Foto: Thales Caramante/Jornal A Verdade
MOGI DAS CRUZES (SP) – Constituído por até sete bairros separados em três municípios diferentes, a afastada região nomeada ilustradamente como “divisa” é constituída por cerca de 15 mil habitantes que, ao passar das décadas, já se acostumaram, porém não se acomodaram, com a tradição de abandono e, ao mesmo tempo, exaustivo assistencialismo limitado e eleitoreiro das prefeituras, mais particularmente de Mogi das Cruzes – chefiada hoje pelo Prefeito Marcus Melo (PSDB).
O jornal A Verdade passou o dia com Henrique Soares, 48, Presidente da Associação Beneficente Jardim Margarida, que pôs a nu todas as deficiências da região, sem deixar de lembrar, através de fotografias e manchetes, a história de luta e insurgência dos trabalhadores que reconheceram o abandono da administração pública.
Reunido na sede da associação, Henrique não se demorou para citar os diversos problemas da divisa. Ele acredita que a questão que mais fere os trabalhadores hoje é o transporte. Na divisa, o acesso aos serviços públicos e ao emprego é amplamente limitado – quase nulo –, fazendo com que o transporte para o centro seja essencial para a vida local. O ônibus custa R$4,50, tendo uma frota baixa e horários desiguais.
“Os estudantes do ensino médio não têm acesso à educação de fato. Não há escola de ensino médio em nenhum bairro aqui. Os estudantes da divisa têm que estar às 6 horas da manhã já dentro do ônibus para chegarem ao “Chicão” (E.E. Francisco Ferreira Lopes, escola no centro de Mogi) há tempo. Se estudam de tarde, têm que sair de casa às 11 horas para chegar só às 13h.” Os estudantes de Mogi ainda pagam meia-passagem, não têm direito ao passe-livre estudantil e nem acesso à ônibus escolar, o que gerou diversas manifestações pela cidade.
Henrique argumenta que pelo preço pago hoje nos ônibus, deveria haver transporte pelo menos há cada trinta minutos e com direito a passe-livre estudantil e diminuição da idade mínima para o passe-livre dos idosos. Ou seja, na visão política de Soares, o transporte deve servir à população e não aos interesses da milionária família Júlio Simões que monopoliza o transporte público na região através da subsidiaria CS Brasil, que anualmente utiliza a prefeitura como seu “balcão de negócios”, aumentando os preços das passagens sem melhorar as condições de serviço.
Outro problema urgente na divisa é o acesso a saúde pública. O distrito com mais de 15 mil habitantes não tem um posto de saúde para atender os trabalhadores, pelo contrário, o regime que rege o acesso à saúde é o Programa Saúde da Família (PSF). Segundo o representante da Associação Beneficente Jardim Margarida, o PSF obriga a essa região com milhares de habitantes a ser atendida por um único médico que “é, ao mesmo tempo, pediatra, ginecologista e clínico geral.”
O resultado é uma região com diversos bairros sem nenhum atendimento médico efetivo: longas filas, desistências e horas de espera. Isso significa, literalmente, um povo doente, sem qualidade de vida e dependente da própria sorte. Os casos emergenciais obrigam os trabalhadores, que já não tem acesso à saúde, a se locomoverem para o centro da cidade. A Verdade é que não há acesso nem a ambulâncias, pois elas estão todas concentradas no centro da cidade e estão incapacitadas de chegar na divisa sem antes passar por um prolongado percurso de pelo menos uma hora e vinte minutos de viagem ininterrupta.
Os trabalhadores, descontentes, encaminharam um abaixo-assinado, amplamente, apoiado pelos moradores, para a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Anísia Ferreira, 66, moradora da divisa, argumenta que o acesso a saneamento básico limitado abre as condições para frustrar as iniciativas assistencialistas da medicina preventiva que o poder público optou para a região. Tornando qualquer princípio e iniciativa algo meramente paliativo e temporário.
Note que o objetivo do PSF não é desarticular os problemas de saúde e prevenir os moradores, mas tão somente curar os moradores das doenças que contraem devido às condições de vida nos bairros. Assim, o poder público mantem intacto a estrutura organizacional da proliferação de doenças, dando espaço para que o trabalhador em tratamento médico venha futuramente a contrair as mesmas doenças e questionar a qualidade do atendimento do PSF, resultado em mais trabalhadores adoecidos, com a saúde limitada e precisando de mais cuidados no futuro.
A prefeitura, por sua vez, promete a construção de um novo posto com acesso também a dentista. Porém essa estrutura não se compromete com os reais problemas sanitários do bairro, mantendo o sistema PSF. Assim, a finalidade última não é garantir a qualidade de vida da população, que se vê duplamente oprimida e abandonada, ora pelo sistema de transporte, ora pelo sistema de saúde limitado. Isso quando o povo não é obrigado a dormir no SUS no centro da cidade porque não há transporte que os leve de volta para a divisa.
Sendo uma região principalmente residencial, tendo apenas pequenos comércios locais, na divisa, a juventude não tem nenhum acesso ao primeiro emprego, cursos profissionalizantes de qualidade técnica, não tem acesso a espaços públicos de integração social, o que abre condições para ela ser aliciada pelo tráfico de drogas, que por sua vez será outro instrumento de opressão contra os trabalhadores que serão marginalizados pelo município através da polícia.
Esses problemas permitem o crescimento da revolta e o sentimento de necessidade de insurgência geral do povo. Por isso não é incomum encontrar manchetes jornalísticas e coberturas de reportagens descrevendo queima de pneus, avenidas bloqueadas, ocupações temporárias de espaços públicos, denúncias e comícios relâmpagos e a tentativa de eleição de candidatos populares moradores do distrito que tentam a sorte na corrida eleitoral.
“Acredito que o MLB [Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas] é uma necessidade urgente para a organização do povo na divisa. Assim como o jornal A Verdade e a Unidade Popular.” – Finalizou Henrique Soares.