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sábado, 27 de abril de 2024

Nada a temer depois que este trem começa a andar¹

Breve histórico da categoria ferroviária em São Paulo.

Giulia Caramante


Foto: Reprodução/Arquivo

SÃO PAULO – Irineu Evangelista de Souza. Eis o nome daquele que é lembrado como a figura mais importante da ferrovia brasileira. No ensino, nos documentos, nas pesquisas, Irineu é reconhecido como Barão e Visconde de Mauá. Os nomes dos homens que prepararam o terreno e instalaram dormentes, acessórios e trilhos para que o trem pudesse passar, contudo, estão perdidos. As condições de trabalho eram penosas: toneladas eram carregadas todos os dias, desmoronamentos de terra eram uma ameaça constante e doenças tropicais avançavam. Além desses fatos, havia vigilância policial nos locais das obras, as empreiteiras impunham restrições de mobilidade espacial e coagiam os trabalhadores, que recebiam um salário miserável – ou não recebiam, já que um sem-número de escravizados foi alugado para trabalhar na construção da ferrovia. 

Sob essas condições, o sistema ferroviário brasileiro foi edificado e a categoria ferroviária começou sua história. O ferroviário, não mais quem construiu a via de ferro no século 19, mas aquele que a mantinha, tornou-se uma figura quase folclórica. O velho maquinista, com seu boné, o pai que foi limpador de locomotiva, o tio torneiro mecânico, o filho como aprendiz e a casa numa vila às margens da via, a vida era vivida nos trilhos. Os ferroviários, porém, não hesitavam em pular para fora deles e suas histórias são marcadas por lutas.

Foto: Reprodução/Arquivo

É necessário, então, delimitar. O cenário será São Paulo e o início, a década de 1930. Os ferroviários cruzaram os braços nas oficinas da Lapa e da Estação da Luz. A reclamação era o uso indevido das contribuições da aposentadoria e os descontos nos salários acima da média dos anos anteriores a 1932. Não demorou a que o interior aderisse. Naquele mesmo ano, os ferroviários paralisaram mais uma vez junto a outras categorias. O resultado foi a conquista da jornada de trabalho de oito horas e aumento salarial. 

Dezesseis anos depois, outro exemplo: vivendo com um salário mínimo, os ferroviários das oficinas de Campinas e Ribeirão Preto exigiram aumento. A resposta do poder público, ao defender a empresa, foi a prisão das lideranças grevistas. Os anos de 1950 são frequentemente lembrados como a fase decadente do transporte sobre trilhos – a ferrovia deu lugar à rodovia. A manutenção dos empregos estava na ordem do dia. Quase 100% dos ferroviários da Companhia Paulista paralisaram, 188 trens de passageiros deixaram de circular e um número desconhecido de trens de carga não abasteceu os estoques. Vitoriosos, os ferroviários conseguiram a estatização da empresa.

Se antes ainda havia o sentimento de “família ferroviária”, a ditadura militar fez de tudo para acabar com esse elo. A erradicação de ramais ferroviários concretizou-se e a mudança no quadro de funcionários foi expressiva, além da sua diminuição e perseguição a qualquer tentativa de reivindicação. Nesse período, contudo, o Metropolitano de São Paulo (Metrô) foi construído e fez surgir a categoria metroviária, responsável por muitas lutas na história recente do Estado de São Paulo. 

Anos mais tarde, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) foi criada e assumiu o transporte de passageiros na metrópole. A vida de centenas de milhares de ferroviários e quilômetros de trilhos estão esquecidos pelo Estado hoje. Trazer à tona essas histórias é contribuir para a desmistificação de que o povo brasileiro é movido pela passividade e beber da fonte de inspiração para as futuras lutas que virão.


1. Refere-se à música Trem de Doido, interpretada por Lô Borges e presente no álbum Clube da Esquina. 

2. Fontes consultadas: Ferrovias, agricultura e mão de obra no Brasil (1850-1890), de Maria Lúcia Lamounier. A história do sindicalismo ferroviário paulista (1930-1961), de Marco Henrique Zambello.

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