Nos últimos dias, governos e instituições discutem a implementação do ensino a distância na educação básica no Brasil. Essa é a mais nova ideia para o plano de destruição da educação brasileira. Por que implementar o ensino a distância é irresponsável? A quem interessa isso?
João Maia
Movimento Luta de Classes
Professor da Rede Estadual de Minas Gerais
Foto: O Tempo
Educação requer uma relação de convívio, diálogo, estímulos e experiências coletivas. Para isso, os estudantes vão à escola e lá desenvolvem não só os conteúdos mas também a habilidade de aprender. Aprendem a conviver, aprendem sobre sua personalidade e autonomia, aprendem leis do seu país, percebem o papel que ocupam no sistema, além disso podem aprender se um corpo afunda ou flutua quando jogado na água ou qual o formato da Terra por exemplo. A tudo isso chamamos de educação. Essa educação não cabe no ensino a distância.
No dia 8 de Abril, o Conselho Nacional de Educação (subordinado ao MEC e ao governo federal) promoveu um web debate para defender o ensino a distância. Para o debate foram convidados representantes do Banco Mundial, Todos Pela Educação além de dirigentes escolares e representantes do governo.
Outra campanha a favor do ensino a distância é feito pelo Todos pela Educação. Sob o argumento de que “a educação não pode parar” a instituição lançou também no dia 8 de Abril uma “nota técnica” incentivando com algumas ressalvas a implementação dessa modalidade de ensino.¹
POR QUE BANCOS TÊM INTERESSE NA EDUCAÇÃO?
Quais são os interesses dessas instituições com a implementação do ensino a distância? O Todos Pela Educação é uma instituição financiada e incentivada por grandes milionários como Jorge Paulo Lemann, banqueiro, dono da Ambev e considerado o homem mais rico do Brasil. Além dele, empresas como Vivo, Vale, Gol e bancos como Bradesco e Itaú se reivindicam “mantenedores” e apoiadores da fundação. O interesse de bancos na educação só pode ser o único interesse que banco tem em qualquer tema: lucro e manutenção do sistema e da ideologia capitalista.
Os governos ao embarcarem nessa aventura irresponsável do ensino a distância optam por uma educação de resultados, a ideologia liberal da educação, na qual “passar de ano”, manter calendário letivo e realizar o ENEM na data estipulada é sinônimo de competência, não importa a qualidade que for feito. Com isso, abrem caminho para implementação mais sistemática do EAD posteriormente, demitindo trabalhadores e enriquecendo o mercado do ensino privado.
POR QUE VAI DAR ERRADO?
Não é por desinformação que os governos e instituições vão cometer mais um erro na gestão da educação brasileira. Mais do que nunca podemos dizer que a crise na educação é na verdade, um projeto. O IBGE levanta periodicamente dados que afirmam: internet não é uma realidade de todos os lares brasileiros. Poderíamos parar por aqui. Porém, há outros vários argumentos que impedem a realização eficaz desta modalidade de ensino.
Os professores também não necessariamente possuem (e nem tem o dever de possuir) os recursos necessários; o modelo de ensino a distância não foi discutido com a comunidade; o ensino a distância é não recomendado em várias faixas etárias e extremamente questionável em outras; ainda no modelo de EAD é necessário uma concepção pedagógica sistemática, o que não foi apresentado até agora.
Com esses e outros problemas o que podemos prever é a acentuação da desigualdade da educação brasileira. Voltaremos às salas de aulas com estudantes em níveis completamente diferentes uns dos outros. Nos vestibulares e no ingresso na universidade, estudantes com melhores condições terão muito mais vantagem que estudantes com menos acesso a tecnologia ou com uma realidade familiar ou de moradia menos indicada para aprendizagem.
O CASO DE MINAS GERAIS
No dia 9 de Abril, o governo de Minas Gerais determinou a volta do funcionamento administrativo da escola remotamente e presencialmente e se prepara para o retorno do trabalho dos professores. Minas Gerais é governado pelo milionário Romeu Zema do Partido Novo.
Porém a educação do estado de Minas Gerais está de greve desde o começo do ano letivo pelo pagamento do piso salarial constitucional. Além de não pagar o piso dos professores, Zema não pagou todo o décimo terceiro de 2019 e também disse que não tem previsão de quando vai pagar os salários do mês de Março, já atrasados.
Outro motivo para a greve da educação mineira é o sistema online de re-matrícula dos estudantes inaugurado este ano. Esse sistema gerou caos e desespero pras famílias de estudantes que em muitos casos não conseguiram vagas nas escolas ou tiveram suas matrículas encaminhadas para escolas longe de suas residência, chegando a matricular estudantes comuns em unidades prisionais por exemplo. Junta-se a isso a inoperância de todo sistema digital da rede de estadual de educação, com sistema de diário eletrônico que não funciona por exemplo.
É neste cenário de greve, não pagamento de salários, caos no sistema digital e ausência de diálogo com a comunidade escolar que o Partido Novo tem a cara de pau de querer implementar o ensino a distância no estado de Minas Gerais. Essa mesma gestão que defendeu o Voucher Escolar, na qual a família receberia um vale matricular os estudantes na rede privada. Só há uma explicação para essas movimentações: destruir a educação pública e encher os bolsos de seus aliados do mercado educacional privado.
O QUE FAZER ENTÃO?
É claro que ninguém gostaria de estar vivendo uma crise de pandemia como vivemos hoje. Porém, ela existe, é real e muito séria. Estamos tratando de vidas e neste caso, vivemos um período de excepcionalidade ou “cenário de força maior”. Isso significa que para o melhor funcionamento de nossas vidas no próximo período, precisamos agora tomar medidas incomuns.
Neste caso, o adiamento do ENEM deve ser imediatamente determinado pelo governo federal. O vestibular já é um mecanismo de exclusão dos jovens mais pobres à universidade. Não podemos deixar que tenhamos o ENEM mais desigual dos últimos tempos.
Os estados devem criar recursos educacionais facultativos. É um direito de todos o acesso à educação. É uma boa iniciativa para o momento e para a posterioridade se os estados pensassem e desenvolvessem recursos digitais para estudo. Isso porém não pode estar ligado ao compromissos do ano letivo e à progressão do aluno. Quando for recomendado a volta às salas de aula, os estados devem pensar calendários e soluções para o cumprimento de conteúdos e avaliações.
O Ministério da Educação deve desenvolver uma plataforma de estudos qualificada e democrática. O governo federal possui muito mais recursos financeiros, técnicos e estruturais para desenvolver uma plataforma de estudos que todos estudantes tenham acesso. Para isso terá que estudar e superar o desafio do acesso à tecnologia por parte dos estudantes. Apesar da pausa nas aulas, muitos estudantes gostariam de continuar se formando e se preparando. Muitos fazem isso de forma independente na internet em plataformas pagas ou gratuitas. Cabe ao governo federal neste período de crise geral, democratizar o acesso a conteúdo de qualidade.
Neste período de Coronavírus, a ganância dos ricos tem pressa e nada importa senão a manutenção da agenda dos seus lucros. Porém, para professores, estudantes e famílias brasileiras, em sua maioria pobres, o caminho para uma educação de qualidade, justa e democrática neste momento é esperar. E, se puder, fique em casa.
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