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sábado, 20 de abril de 2024

Selma Gürkan: “Capitalismo não resolve os problemas que ele criou”

Foto: Evrensel
LUTA DE CLASSES. “Para a burguesia, resolver os problemas que a pandemia causa nos mercados e nas bolsas de valores é mais importante do que cuidar do povo” (Foto: Evrensel)

A presidente do Partido do Trabalho da Turquia (EMEP), Selma Gürkan, conversou com o jornal Evrensel sobre a pandemia de coronavírus e a situação nos locais de trabalho. Gürkan defende que o capitalismo revelou seu caráter destrutivo na natureza e nas pessoas durante a pandemia e disse: Nós sabemos que os problemas criados pelo sistema não podem ser resolvidos dentro do capitalismo. A solução é o governo dos trabalhadores”.

Por Şerif Karatas, Istambul, Turquia*
Extraído de www.evrensel.net


O mundo está lutando contra a pandemia de coronavírus. Já observamos que a transmissão de Covid-19 é baseada completamente nas condições de classe. Como você avalia esse processo?
O mundo não se bateu com uma pandemia pela primeira vez na história; a peste, cólera, tifo, SARS, MERS, H1N1, Gripe Aviária, etc., tiraram muitas vidas no passado. Desde as primeiras pandemias, a humanidade produziu muitas ferramentas e adquiriu enorme experiência. Viroses não conhecem nenhuma fronteira ou classes sociais. No entanto, a forma como diferentes segmentos da sociedade são afetados pelo processo de contaminação são de fato baseados nas condições de classe de cada pessoa devido às diferentes condições de vida e trabalho.

Os problemas de imunidade que aumentam a probabilidade de transmissão e morte são essencialmente ligados às condições de moradia e emprego. Isso sem falar que nem todos conseguem tratamentos de maneira igual e justa. Há, por exemplo, os super-ricos que fugiram para suas ilhas privadas junto com seus empregados e médicos particulares. As medidas de quarentena para a classe dos ricos e para os trabalhadores que não podem se proteger não são as mesmas. A única referência para o capitalismo é o lucro. Por isso, os setores da indústria e dos serviços não pararam suas atividades, apesar da propaganda para “ficar em casa”. No fim das contas, resolver os problemas que a pandemia causa nos mercados e nas bolsas de valores é mais importante do que cuidar do povo.

Com esta pandemia, vemos claramente como a privatização e a comercialização do serviço de saúde ameaçam a vida do povo. Enquanto lutamos contra as políticas neoliberais, expondo seus altos custos e consequências, os poderes políticos fizeram tudo o que podiam para reprimir nossa luta. Mas mesmo com eles ainda ignorando muitos avisos, o tempo provou que esta é a luta correta.

O que aconteceu na Itália, Espanha e França revela que nenhuma lição foi aprendida. A Turquia está fazendo o mesmo. As medidas estavam deixando que os cidadãos criassem seu próprio “estado de emergência”, como o ministro falou, e o Estado não implementou nenhuma medida econômica que desse a possibilidade de os trabalhadores efetivarem o distanciamento social.

Por outro lado, a consciência e sensibilidade das pessoas podem ser transformadas, e a rápida transmissão do vírus está ligada a isso. Além do mais, tem a situação da Umrah (peregrinação anual à Meca feita pelos muçulmanos. NT), onde o governo é responsável pela fraqueza da quarentena.

A situação no serviço de saúde fica ainda mais aparente. Autoridades argumentam que a resposta da Itália à pandemia foi muito relaxada, mas isso não é diferente na Turquia. Nós podemos dizer que não apenas a priorização do lucro, mas também o pragmatismo conservador, a lógica que impede que as precauções necessárias sejam tomadas a tempo, bem como a autocracia que abre caminho para decisões simultâneas em vez de acumular experiências, cumprem um papel na aceleração da pandemia. Também podemos afirmar que a devastação será ainda mais profunda em nosso país.

A oposição e, especialmente, as organizações dos profissionais da saúde criticaram o governo por não ser transparente. Como você avalia as políticas do governo para o coronavírus, e como o processo deveria ser tratado?
Para começar, não há nenhuma confiança nos informes oficiais, os quais são pensados para esconder o atual quadro da pandemia. Os números de teste feitos são inadequados e, de acordo com os dados oficiais, os casos confirmados constituem cerca de 8% dos testes feitos. Também há alguns argumentos lógicos de que, se aumenta o número de testes, o número de casos confirmados de coronavírus também aumentará.

Um comitê científico foi formado, mas nenhuma organização da saúde, como o Sindicato dos Médicos Turcos ou o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, que expressaram sérias preocupações acerca das questões sobre saúde pública, estão envolvidas no processo. O medo faz com que a difusão de notícias falsas e boatos seja mais fácil e gere pânico. Para prevenir isso e possibilitar uma atmosfera tranquila, a coordenação e cooperação com as organizações e sindicatos dos trabalhadores da saúde é fundamental. Mas, se ao invés disso, num momento de emergência o governo remove alguns prefeitos do Partido Democrático do Povo (HDP), colocando interventores no lugar, apresenta um decreto judicial destinado a libertar estupradores, assassinos, líderes da máfia, traficantes de drogas, ladrões e vigaristas e adiciona um regulamento à Lei da Pandemia para aumentar o empréstimo hipotecário, então as pessoas naturalmente questionam sua sinceridade.

Nesse processo, os passos que precisam ser tomados são claros: um sistema de saúde efetivo, a reorganização dos hospitais e instituições de saúde em linha com as demandas da pandemia, transparência nas informações para o público e cooperação com as organizações e sindicatos dos trabalhadores da saúde. Também a vida social precisa ser mudada com medidas econômicas que focam no trabalho e nos trabalhadores.

Nos países onde a pandemia se espalhou, as políticas de saúde pública são mais criticadas e questionadas. As alternativas do capitalismo ou as políticas existentes estão também sendo discutidas. Qual é a sua proposta alternativa às políticas do governo?
Consideramos a saúde pública e individual um direito inviolável, assim como o serviço público gratuito. Defendemos o fim nas privatizações dos hospitais e a expropriação das instituições privadas de saúde. Toda atenção primária e preventiva de saúde precisa ser gratuita e acessível de acordo com as necessidades do povo. Instituições de saúde precisam ser reorganizadas com profissionais, equipamento e materiais adequados para um serviço de qualidade.

Nesses tempos de pandemia, as políticas de saúde do sistema capitalista estão sendo questionadas. Em nosso país, os hospitais privados servirão ao Ministério da Saúde durante a emergência. Mas nós acreditamos numa expropriação permanente do sistema privado. Além disso, questões religiosas são usadas nessas situações, como sempre. Superstições estão se espalhando e o fatalismo está sendo encorajado. Muitos estão encontrando dificuldades com os argumentos científicos, mas a situação atual em si incentiva o pensamento crítico. A Teoria da Evolução está sendo discutida novamente, por exemplo. Por causa da pandemia, a destruição causada pelo capitalismo sobre a natureza e o povo fica mais clara, e isso iniciou a crítica da ordem vigente no mundo e no nosso país. O estado de bem-estar social, uma distribuição justa da renda, a reorganização da saúde como serviço público etc., agora estão sendo apresentados como soluções para restaurar a ordem.

Claro que não negamos as lutas pelas reivindicações imediatas, mas também sabemos que os problemas criados pelo sistema não podem ser resolvidos dentro do capitalismo. A solução é o governo dos trabalhadores e a construção de uma sociedade socialista através do governo revolucionário democrático do povo. Esta é uma discussão de um sistema que pode possibilitar uma democracia real, proteção do meio ambiente, a construção de uma sociedade saudável, a reorganização da produção e a da vida social através da derrubada do sistema capitalista e da criação dessa nova sociedade. No presente, quando vivemos numa situação distópica, isto emerge como uma escolha possível e necessária, não como uma utopia.

Foto: Evrensel
CONTRA A EPIDEMIA. “Toda atenção primária e preventiva de saúde precisa ser gratuita e acessível de acordo com as necessidades do povo” (Foto: Evrensel)

Quais são suas observações sobre as fábricas? Quais pontos você destaca em seu trabalho entre os operários? Quais suas propostas?
Governo e mídia falam para “ficarmos em casa”, mas não há medidas de como isto vai ser assegurado para quem tem que trabalhar. Fábricas, locais de trabalho e o setor de serviços continuam trabalhando. O chamado para “ficar em casa” procura aliviar um sistema de saúde despreparado através do isolamento de segmentos do povo em casa. Estas pessoas podem trabalhar de casa, estão no setor da educação, o trabalho é flexível ou estão acima de uma determinada idade. Ainda assim, milhões de trabalhadores estão trabalhando, e a saúde tanto de quem está em casa, como de quem trabalha, está em risco. O governo não se importa com isso, só pensa em como expandir o processo.

Onde parou a produção os trabalhadores tiveram férias não remuneradas. Está havendo muitas demissões e aos desempregados é dada a escolha entre morrer de coronavírus ou morrer de forme. Por outro lado, as unidades de produção ativas não tomam as medidas necessárias de higiene e proteção contra o vírus. As áreas de trabalho coletivo são onde as pessoas não podem ser distanciadas e estão nos maiores grupos de risco.

Nosso partido exige que a produção e os serviços sejam paralisados, à exceção dos setores essenciais, como saúde, alimentação, energia, comunicação, etc., e que todos tenham licenças remuneradas. Queremos trazer para a agenda a questão do seguro-desemprego sem restrições, proibição de demissões, reorganização e redução das jornadas de trabalho quando necessária, exames de saúde constantes e a higienização dos locais de trabalho.

Os trabalhadores se preocupam não apenas com sua saúde, mas também com o risco de contaminaram suas famílias. Um ambiente higienizado de trabalho e os frequentes exames médicos são as demandas mais centrais. Embora sem muita esperança, eles querem férias remuneradas, isenção dos aluguéis e empréstimos, e estão indignados com o tratamento que recebem. As demandas são claras, mas como chegar lá ainda é um problema. Nós lutamos pelos trabalhadores e continuaremos a fazê-lo. Os sindicatos que estão tentando lidar com suas responsabilidades com a classe trabalhadora têm uma grande tarefa a frente, especialmente quando a burocracia sindical fica implorando aos patrões para não demitir.

O Presidente Erdoğan explicou as medidas econômicas e sanitárias a serem tomadas contra a Covid-19. Como você avalia o projeto de lei dele?
Esse projeto de lei é colocado pelo governo como um escudo e, de fato, procura proteger o capital. Ele é um enorme pacote de alívio que inclui a isenção de pagamentos e impostos, descontos no VAT (Imposto sobre Valor Agregado), ajuda financeira e a flexibilização do salário mínimo. Este é um pacote que causou grande alegria aos patrões, à burguesia e às suas organizações. Em outras palavras, como sempre o capital é resgatado primeiro dentro do regime autocrático de Erdoğan.

Tem alguma coisa nessa proposta para o povo? Claro que tem. Eles estão encorajando as pessoas a pegarem empréstimos, rezarem, serem pacientes e usarem perfume contra o vírus. Este é de fato um escudo contra a raiva dos trabalhadores. Entretanto, o povo vê tudo isso, e o descontentamento está crescendo. Isso também é aparente para aqueles que estão atrás de seus cálculos políticos diários e que estão tentando transformar a crise em uma oportunidade. No entanto, sabemos que haverá um tempo em que os trabalhadores se defenderão com um escudo, e isso não parece estar longe. Estes dias sombrios também abarcam essas lutas.

*Tradução do turco para o inglês de C. Güneş İspir (Evrensel). Tradução do inglês para o português de Felipe Annunziata (A Verdade)

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