Por Felipe Annunziata.
RIO DE JANEIRO – O início da pandemia do novo coronavírus foi marcado pelas pessoas da classe média e ricos vindos do exterior contaminados. Muitos especialistas, militantes do movimento popular e o povo em geral já esperavam que essa realidade não duraria muito. Precisaria de muito pouco para a COVID-19 invadir as favelas e periferias das grandes cidades. No Rio esse cenário logo se manifestou: a primeira morte foi de uma empregada doméstica que contraiu a doença de sua patroa que tinha vindo da Itália.
Pessoas vivendo em barracos de madeira ou latão, casas com 2 ou 3 cômodos onde vivem até 10 pessoas. Longas distâncias para o posto de saúde ou hospital mais próximo. Isso tudo somado a falta de tratamento de esgoto e água encanada em muitas residências. Essa é a realidade 1,2 milhão de cariocas que vivem nas favelas da capital fluminense.
A maioria dessas pessoas trabalham de maneira informal, como camelôs ou fazendo bicos. Outros que ainda conseguem estar na formalidade estão com salários cortados ou estão sendo obrigados a trabalhar sem nenhum tipo de proteção e tendo que pegar transportes superlotados. O coronavírus não poderia esperar cenário melhor para se espalhar.
Os governos nessa situação fazem de conta que o problema não existe. Até agora nenhum plano foi traçado pelo poder público para lidar com a pandemia nas favelas. O bispo-prefeito Crivella (PRB) se limitou a pedir mil vagas em hotéis para idosos moradores de favelas (como se morassem apenas mil idosos nas comunidades do Rio). Além disso, a prefeitura só colocou carros de som com a voz do prefeito com as orientações, numa ação que tem mais cara de campanha eleitoral do que combate à pandemia.
Os hospitais de campanha ou não abriram, ou foram inaugurados faltando pessoal e equipamento. Empresários e membros corruptos do governo aproveitaram para fazer a festa e superfaturaram os contratos que diziam respeito ao coronavírus.
“Apesar de diariamente a voz do Prefeito Marcelo Crivella ecoar sobre as nossas casas, não há nenhuma medida através dos representantes do governo para que o isolamento social seja feito com qualidade e seguridade de vida. Muitas pessoas no Bairro de Cavalcanti, comunidade Primavera e adjacências ainda não chegaram nem perto de ver o auxílio emergencial aprovado.” Afirmou Suellen Souza, moradora do bairro de Cavalcanti e estudante da UERJ.
Esse cenário tem se manifestado fortemente na forma como são notificados os casos e mortes pelo coronavírus. Desde o início da pandemia a prefeitura informou pelo menos 91 mortos em comunidades do Rio. A questão é que o governo municipal informa os dados de apenas 14 das mais de 700 favelas existentes, pois são essas que tem status de bairro na cidade.
Muitos desses números estão misturados com o dos bairros em volta ou mesmo não são considerados, seja pela falta de teste, seja pelo completo descontrole do Estado sobre o que ocorre nas periferias. O temor de todos é que este cenário seja muito pior.
“Irmão, então. Eu acredito que se todos que eu vi aqui forem de fato, como falaram vítimas de Covid. Passa dos 20 aqui na Maré.” Afirmou Vinícius, morador da Maré. Até o dia 07 de maio a prefeitura confirmava 7 óbitos na Maré. Em toda cidade já são 1,4 mil mortos.
Em pesquisa recente da FIOCRUZ foi apontada a presença do novo coronavírus no esgoto da cidade do Rio. Embora não se afirme ainda que é possível contrair a COVID-19 pelo esgoto, já há pesquisas internacionais que apontam que as fezes podem ser um vetor da nova doença. Com centenas de milhares de cariocas vivendo com esgoto a céu aberto, imagine a catástrofe que semana após semana se desenha na cidade “maravilhosa”.
Organização e solidariedade são as palavras de ordem do povo favelado
Com o total descaso e abandono por parte dos governos a única alternativa do povo pobre das favelas do Rio tem sido se organizar. A exemplo de outras comunidades do país os moradores tem se juntado em ações de solidariedade para garantir o básico de higiene e alimentação para quem ficou sem renda nenhuma. Também há muitas ações informativas com panfletagens e ações de higienização dos espaços públicos das favelas.
Exemplo disso foi uma ação dos moradores do Morro Santa Marta, na Zona Sul do Rio, em que se juntaram e organizaram um serviço de limpeza das escadarias e vielas da comunidade, já que a própria prefeitura não garantia o serviço. Em Acari, na Zona Norte, coletivos tem se organizado para distribuir todas as semanas cestas básicas e panfletos informativos. Além disso, a associação de moradores colocou um carro de som na comunidade para incentivar o isolamento social.
“Nós moradores com atuação de coletivos como Comitê Popular de Acari, Fala Akari e a militância da UP organizamos uma rede de solidariedade com arrecadação de alimentos e dinheiro. Fazemos a montagem de cestas básicas. Além disso, organizamos campanhas nas redes sociais e entregas de panfletos sobre a importância da higienização e isolamento.”, falou ao Jornal A Verdade Esteban Crescente, morador do bairro e presidente estadual da Unidade Popular.
Essas ações tem se espalhado por toda a cidade. Redes de solidariedade feitas pelos movimentos populares, como o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas tem garantido a distribuição de milhares de cestas básicas e aplacado um pouco da fome gerada pela incompetência do governo.
“Isso tem sido um diferencial do MLB aqui para mim e para outras famílias, pois eles não vem simplesmente e joga uma cesta básica e vai embora, eles voltam, alguns dias depois e perguntam como estamos, se estamos precisando de alguma coisa e isso tem feito muita diferença!”, disse Vinicius da Maré.
No entanto, mesmo com essas ações, o governo segura o processo de testagem e muitos vão para as UTI’s ou ficam na fila por um leito sem saber se estão ou não com coronavírus. Há denúncias de quem nem os profissionais de saúde são testados. Isso tem feito que muitas pessoas morressem nas favelas de COVID-19 sem saber.
A situação tem piorado a cada dia no Rio e a única resposta eficiente tem sido a que o povo pobre organizado tem dado todos os dias. Essa crise só evidencia que apenas com um governo popular, onde os trabalhadores sejam protagonistas, será possível vencer não apenas essa crise, mas todas as crises que o sistema capitalista cria.