Rodrigo Oliveira
Unidade Popular Pelo Socialismo
BRASÍLIA – A defesa de adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2020 é uma pauta importante para todos aqueles que se interessam pela educação e acreditam que tal é a maior ferramenta na luta pela instauração de uma sociedade melhor. No dia 17 de abril, a juíza Marisa Claudia Gonçalves Cucio, da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo, acatou os argumentos da Defensoria Pública da União (DPU) em ação civil pública, determinando que a União e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) adeque o calendário oficial do exame para as correntes necessidades dos avaliados frente à pandemia da Covid-19, além da extensão por mais 15 dias de prazo para a solicitação de isenção da taxa de inscrição.
Tal medida foi adotada frente à demanda popular em todo o Brasil; estudantes e professores, dos mais variados níveis educacionais, protestaram pelo adiamento em suas redes sociais (em obediência às demandas de isolamento e enfrentamento da Covid-19 realizadas pela Organização Mundial de Saúde – OMS – e por decretos em vários estados e munícipios), levantando e postando a hashtag #adiaENEM.
A resposta oficial do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, divulgada em uma de suas redes sociais, foi que o adiamento do ENEM prejudicaria a formação de profissionais qualificados, e que o Brasil precisaria desses em um futuro próximo; que a Nação sentiria a médio/longo prazo os resultados desfavoráveis de tal medida. Com a bravata “O BRASIL NÃO PODE PARAR!”, a justificativa é que a seleção já se iniciaria, então, pelo ato da inscrição, a partir da ideia de que se inscreveria quem pudesse (a falaciosa meritocracia burguesa). A elitização das Universidades está, de forma cada vez mais nítida, no cerne do projeto que este governo apresenta ao Brasil. O ENEM digital foi adiado para os dias 22 e 29 de novembro, mas a aplicação da modalidade impressa continua marcada para os dias 1o e 8 de novembro.
Se a premissa do ENEM é estabelecer um cenário democrático para todos os concorrentes (por mais que ainda estejamos longe disso), precisamos pontuar alguns problemas que nos levam a continuar na defesa do adiamento da prova. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios de 2017, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, ligado às Nações Unidas e ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, 67% da população brasileira tem acesso regular à internet. Diante desta informação, percebemos que cerca de 69 milhões de pessoas estariam excluídas do acesso. Por que falar sobre acesso à internet é tão importante? A justificativa dos que defendem a manutenção da prova nas datas já estabelecidas vai ao encontro da ideia meritocrática de que as escolas estão fornecendo, a partir da modalidade EaD, aulas online para suprir o ensino dos alunos, e que, por isso, caberia ao candidato esforço próprio para cumprir com seu objetivo final, qual seja, de ingressar na Universidade. A partir do primeiro ponto aqui levantado, percebemos que 33% da população não poderia participar, nem com todo o esforço possível, pois não tem acesso à internet, sendo, dessa maneira, impossível continuar os estudos.
Porém, os problemas não acabam por aí: o acesso realizado pela maioria dos brasileiros atualmente é feito pelo celular (uma média de 56%), sendo que, destes, 51,3% usam o aparelho na modalidade pré-pago. Em um cenário de desemprego, crise econômica, redução salarial, os brasileiros terão condições de manter suas linhas telefônicas ativas e, assim, o acesso à internet regularmente?
Outras são as discrepâncias quando analisamos a realidade dos diversos brasileiros: o acesso no meio urbano é de 74% e no meio rural de apenas 49%. Além disso, as condições de moradia também contam nessa análise, pois o estudante precisa de um ambiente propício para o desenvolvimento de suas atividades. O direito à moradia é previsto em documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), e nacionais, como a nossa Constituição (1988 – em advento da Emenda Constitucional no. 26/00, art. 6o, caput), mas mesmo assim, em um país com tamanha desigualdade como o nosso, continua senda um privilégio. De acordo com o CENSO 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 52% das residências brasileiras apresentam condições adequadas de moradia (condições avaliadas pela distribuição de água, acesso ao esgoto e saneamento básico, número de cômodos por habitante, entre outros). A desigualdade aflora ainda mais quando comparamos regiões do Brasil: no Norte, apenas 16,3% das residências apresentam condições adequadas. Há também uma diferença de cor, diferença esta que marca de sangue a nossa população negra: apenas 45,9% das casas habitadas por negros apresentam condições adequadas para 64% das casas habitadas por brancos. A superlotação das casas também impossibilita a realização do estudo: 20% das residências possuem mais que 2 moradores por dormitório, limite estabelecido pelo relatório como condição para adequação e conforto dos moradores. Onze milhões de pessoas vivem em situação precária, sendo o maior exemplo disto as inúmeras famílias que vivem em favelas e ocupações; e cerca de 33 mil pessoas vivem em situação de rua.
A partir disto, nos perguntamos: Quem poderá fazer o ENEM neste ano? A educação é um direito, como assim também prevê a nossa Constituição, e não pode atender apenas a alguns e nem servir de bancada de negociação com os grandes empresários que desejam transformar este direito em mais uma de suas mercadorias. A pauta do #adiaENEM é uma pauta de todos os que acreditam no poder emancipador da educação, na inclusão daqueles que até então têm direitos negados, e que almejam um futuro com menos desigualdade. Ainda que a decisão do Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF-3) seja a manutenção do cronograma original do ENEM, decisão proferida no dia 29 de abril, não podemos arrefecer; seria ilusório acreditar que em um Estado burguês como o nosso, a Justiça fosse justa para com os mais pobres.