A morte do Bando de Lampião: “Banditismo por uma questão de classe”

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Tassio Sereno¹ e Tiago Bezerra²


Cabeças cortadas do bando de Lampião em exposição. Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

“Sobe morro, ladeira, córrego, beco, favela
A polícia atrás deles e eles no rabo dela
Acontece hoje e acontecia no sertão
Quando um bando de macaco perseguia Lampião
E o que ele falava muitos hoje ainda falam:
‘Eu carrego comigo coragem, dinheiro e bala!’
Em cada morro uma história diferente
Que a polícia mata gente inocente”

 

– Nação Zumbi & Chico Science 

BRASIL – Lampião foi uma das figuras mais emblemática da História do povo brasileiro. Como a maioria dos nordestinos, era pobre e sofria com o início de uma República que já nasceu Velha e com os mandos e desmandos do coronelismo. Também passou pelo início de outro momento histórico, A Era Vargas, marcada por golpes e a constituição do Estado Novo, um Estado de caráter notadamente fascista. 

Os eventos do início do século 20 são determinantes para a formação do operariado brasileiro, suas organizações políticas e o grande avanço dos ideais socialistas, espelhadas pela grande Revolução Russa de 1917. Além das organizações políticas, movimentos espontâneos surgiam, principalmente nos sertões, onde o povo sofria nas mãos dos coronéis, que controlavam a política usando o voto de cabresto, elegiam os representantes dos interesses da manutenção da propriedade privada e concentração da terra nas suas mãos. Nos Sertões os direitos trabalhistas não existam e o trabalho tinha características análogas à escravidão. 

É nessa vida sêca que o Virgulino Ferreira da Silva entra no cangaço e se torna o Lampião, O Rei do Cangaço. A história conta que Virgulino entra para o cangaço por causa de uma desavença com um dos vizinhos, Zé Saturnino, acerca de um animal. Como Zé Saturnino tinha parentes na polícia começou a perseguir a família Ferreira, ficou impossível de morar em Serra Talhada. A partir desse momento Virgulino e seus irmãos começam a sua vida de batalha. 

Ele só tinha ele mesmo pra se defender e com toda essa briga foram obrigados a se mudar para Alagoas. Nessa mudança a mãe dos Ferreiras morreu e cerca de 19 dias depois a polícia passa pela região e mata o pai de virgulino, sem ter culpa nenhuma, mesmo este sendo um homem pacato que não gostava de brigas. 

Daí em diante Virgulino entrou efetivamente para o cangaço, dizendo que “Já que derramaram um sangue de um inocente, eu vou matar até morrer”, assim ele concretiza seu ato e entra para as fileiras no bando de Sinhô Pereira.

Como morreu o Rei do Cangaço?

Lampião estava na grota de angicos, para descansar um pouco, e queria fazer uma viagem para Minas Gerais. Dentre outros objetivos, queria dar uma “Lição em Zé rufino, que quer passar de pato a ganso”.

Entretanto, Lampião e seu bando estavam para ser traídos. Joca Bernardes, que era um coiteiro³ de Corisco, avisou ao sargento Aniceto que Lampião estava no Angicos e que quem sabia sobre era Pedro de Cândida. Assim o sargento Aniceto mandou um telegrama para João Bezerra, dizedo que tinha boi no pasto. 

João Bezerra que era comandante da volante de Piranhas e estava em Pedra de Delmiro-AL, e com isso segue se reunindo com mais duas volantes para dar cabo do cangaceiro. João Bezerra mandou buscar Cândido e fez com que levasse as volantes na grota, porém Pedro não sabia exatamente onde Lampião estava, quem sabia era seu irmão Durval. 

Atravessando o rio eles chegam na casa da mãe de Pedro e faz com que Durval os levasse ao ponto exato onde estava Lampião e organizam o ataque. 

Na madruga do dia 28 de julho de 1938, Lampião jamais imaginaria que ali seria seu fim. A volante fortemente armada atacou o coito e seu objetivo era cercar os cangaceiros e matar todos, porém não conseguiu e um dos lados ficou sem ser cercado e por alí alguns cangaceiros conseguiram fugir. 

Foi um verdadeiro massacre, sem direito a defesa. Eles pegaram Lampião e sua turma sem preparo. Lampião levou um tiro na região lateral  e caiu mortalmente ferido, O rei do cangaço tombou na grota de Angicos, município de Poço Redondo, nesta mesma madrugada. 

A polícia massacrou os cangaceiros, finalizando na morte de Maria Bonita e  mais nove cangaceiros. Ao total morreram onze cangaceiros em Angicos, 09 homens e 02 mulheres, sendo todos decapitados. Suas cabeças foram expostas na cidade de Piranhas, como demonstraram de força do Estado, tentando assustar aqueles que se rebelassem contra o coronelismo. Os pertences ficaram com volantes e pouca coisa sobrou do Rei do Cangaço. O que  fica eternamente é a sua memória, sua luta, e seu legado. 

O que temos de lá pra cá é a manutenção da propriedade privada, o povo sofrido nos sertões do Brasil, os mandos e desmandos das elites locais e toda forma de repressão a qualquer tentativa de organização e contestação. 

Em pleno ano de 2020 pessoas morrem de fome, passam períodos de secas e estão sofrendo sem nenhuma política efetiva de combate ao CoronavÍrus. Chegamos na fase em que a COVID-19 está cada vez mais se espalhando e aumentando o número de infectados nos interiores e sertões.  

Vivemos tempos sombrios, não de Hoje, mas desde a manutenção da propriedade privada e a consolidação repressiva do capitalismo. Por isso lembrar de Lampião é, assim como na música de Nação Zumbi & Chico Science, lembrar que a mesma polícia que matou Lampião sobe morro e favela para matar os mais pobres e às vezes até os lutadores sociais, pelos interesses das elites do capital. Nos faz lembrar também a importância de termos organizações como o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas e partidos como a Unidade Popular pelo Socialismo, dispostos a levar a luta de classes até às últimas consequências, aglutinando as massas oprimidas a se mobilizarem de forma revolucionária pelos seus interesses de classe, com um propósito claro de construir o socialismo.

Hoje completa, exatamente, 82 anos da morte de Lampião e de seus companheiros na grota de Angicos, município de Poço Redondo no estado de Sergipe. Nesse local é celebrado uma missa anualmente em homenagem aos cangaceiros pela Sociedade do Cangaço com a direção de sua neta Vera Ferreira. Porém, por causa da pandemia do Coronavírus não será possível a presença dos penitentes e fãs do Cangaço. Mas será transmitida pela internet nas redes sociais do Museu da Gente Sergipana (https://www.instagram.com/museudagentesergipana_oficial/?hl=pt-br.) ao vivo.

¹ Tassio Sereno é artista de réplicas dos Embornais dos cangaceiros na madrugada da Grota de Angicos e leitor de A Verdade.

² Tiago Bezerra é militante do MLB, UP de Sergipe e professor de História. 

³ Pessoa que dá asilo ou proteção aos que estão sendo procurados pela polícia.