UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Movimento luta contra derrubada de floresta com 200 mil árvores

Outros Artigos

A Floresta do Camboatá, no cruzamento de uma grande área urbana ajuda a amenizar o clima na região mais quente da cidade. Foto: Google Maps

Por Felipe Annunziata

RIO DE JANEIRO – 200 mil árvores, 18 espécies em extinção, 200 campos do Maracanã de extensão, último resquício de Mata Atlântica em terras planas da capital fluminense. Essa é a Floresta do Camboatá, localizada na fronteira entre Zona Norte e Oeste do Rio. Ela fica entre os bairros de Guadalupe, Deodoro e Vila Militar numa região com mais de 100 mil habitantes.

Com os projetos do período da Olimpíada e Copa do Mundo a floresta passou a ser alvo da especulação imobiliária. A prefeitura tentar impor um projeto de construção de um autódromo para substituir o que foi demolido para os grandes eventos. Com uma licitação suspeita e anuência do comando do Exército, a região pode ser devastada criando um problema ambiental para milhares de famílias e ainda criar um problema econômico com o encarecimento da moradia.

No próximo dia 7, por conta de uma decisão do Ministro Dias Tóffoli, haverá uma audiência pública para discutir o futuro da floresta. A decisão prevê que a audiência será virtual o que tem gerado revolta por conta da dificuldade que muitos moradores e interessados terão em participar. A pressa em resolver a situação sem a participação popular está sendo promovida pela prefeitura e a empresa que quer destruir a mata.

Para entender melhor essa história, o Jornal A Verdade conversou com Felipe Cândido, fundador do Movimento SOS Floresta do Camboatá. Formado por moradores do bairro de Guadalupe, com o apoio de artistas e atletas famosos, o SOS Floresta do Camboatá denuncia o atentado ao meio ambiente que os governos, forças armadas e empresas querem fazer nessa floresta que é patrimônio do povo do Rio.

Veja abaixo a entrevista.

Felipe Cândido, fundador do movimento SOS Floresta do Camboatá. Foto: Felipe Annunziata/Jornal A Verdade.

A VERDADE – O que é a Floresta do Camboatá?

Felipe Cândido – A Floresta do Camboatá é um remanescente de Mata Atlântica. Quando digo remanescente, estou dizendo que é uma floresta original [mais conhecido como mata virgem], sempre foi desse jeito. Teve algumas partes que foram desmatadas para construções, mas que já estão recuperadas. Em 1958 teve uma explosão no paiol do exército [localizado na floresta], como é conhecido no bairro, com dois incêndios que duraram dias, uma parte da floresta foi devastada, mas já está recuperada. Então uma parte da floresta é secundária, e uma parte é remanescente.
Ela fazia parte da fazenda Sapopemba, que deu origem a Vila Militar, em 1904. Então, onde hoje é a Floresta do Camboatá tem uma questão geográfica importante que é uma área isolada da Vila Militar, pertencendo ao mesmo bairro, e ficou bem preservada, até porque ela era usada como um paiol, que foi o maior paiol da América Latina, e teve esse acidente, e ficou preservada desde então por décadas e só no final dos anos 1980 começou a ser usada como unidade militar novamente, mesmo com o solo até hoje contaminado por explosivos, com casos de morte de alunos do exército. O Exército fez um trabalho mentiroso dizendo que fez uma limpeza da área, a gente sabe que isso não é verdade, já provamos isso.

A importância dela pra cidade do Rio de Janeiro é primeiro porque ela tem 150 espécies de flora, incluindo 18 espécies em extinção, além da fauna. Ela é a última área da Mata Atlântica em áreas planas da cidade. Se a gente for pensar em Mata Atlântica, pensar nela como uma floresta baixa, a Floresta do Camboatá é a última área da segunda cidade do Brasil com essa parte. As outras áreas que existem na cidade são em partes altas, nas montanhas, nas serras [como a Floresta da Tijuca]. A Floresta do Camboatá e chamada tecnicamente de floresta ombrófila de terras baixas, porque é a última área de Mata Atlântica em terras baixas e tem áreas alagadas, encharcadas. Toda a área plana da cidade hoje foi devastada na expansão da área urbana, a Floresta do Camboatá é a última parte que não foi devastada.

JAV – Porque ela é importante para o Rio?

FC – Essa é a importância ecológica. A Floresta do Camboatá presta vários serviços ambientais para nossa região e pra cidade. Uma árvore refresca o mesmo que um ar-condicionado de 2 mil BTUs. A floresta tem mais de 200 mil árvores. Já ouvi várias pessoas irem na página, já falarem comigo, questionarem falando “aquela região ali está abandonada, ali precisa ser alguma coisa”. Aquela região não precisa ser alguma coisa, ali já é alguma coisa. Ali já é uma floresta, e presta serviços ambientais.

Por exemplo, a gente mora aqui na região sente que no verão tem uma amenização do clima, porque a temperatura próxima a floresta chega cair 4, 5 graus. Na questão da água, a gente sabe que tem áreas aqui no bairro de Guadalupe, de Ricardo de Albuquerque que são atingidos quando chove. Essa área enche muito e se não fosse a floresta encheria mais ainda. Porque ela absorve a água da chuva, absorve até um milhão de metros cúbicos de água. Além disso, ela reduz a quantidade de poluentes no ar. [A região de Guadalupe conta com fábricas e é cortada pela Avenida Brasil, principal via do Rio, por onde passam 250 mil carros todos os dias]

“Essa história só tem um lado, dentro do jornalismo normalmente existem dois lados, um contra e outro a favor. Mas nessa história só existe um lado certo, que é o lado da proteção ambiental, no mundo que a gente vive não dá para negligenciar uma árvore sequer.”

JAV – Conte um pouco sobre o que é o movimento SOS Floresta do Camboatá.

FC – Eu fundei o movimento SOS Floresta do Camboatá no dia 10 de outubro de 2011. Ele começou como uma página no Facebook, um agregador com intuito de chamar a atenção das pessoas para a importância da Floresta do Camboatá para região e para cidade. Ele começou com esse intuito, atingiu esse objetivo e tá reunindo gente de gabarito internacional no nosso movimento. Pesquisadores do Jardim Botânico foram os primeiros parceiros, que já faziam um estudo na área a 20 anos atrás. [O estudo foi] a pedido do general que era comandante da última unidade militar dentro da floresta. Ele viu a importância da floresta, a densidade. Esse estudo gerou um relatório que é o principal documento que temos até então.

JAV – Por que querem derrubar a Floresta do Camboatá? Quais interesses estão envolvidos nesse processo?

FC – Essa questão do autódromo começou em 2010, no período pré-olímpico. A prefeitura, ainda no mandato do Eduardo Paes [DEM, na época no MDB] decretou uma lei que teria que mudar os parâmetros urbanísticos da cidade. É que o Crivella está querendo fazer hoje, só que com a contrapartida do dinheiro. Naquela época para se construir prédios altos, ginásios, teria que mudar a lei urbanística da cidade; E dentro da lei dizia que o autódromo de Jacarepaguá seria desmontado, e seria construído novo equipamento de automobilismo em outro no lugar. Eles poderiam escolher diversas áreas, mas alguém pegou o mapa e escolheram uma floresta com mais de 200 mil árvores. Escolheram a pior área possível. A área mais valorizada ambientalmente. Escolheram numa perspectiva de especulação imobiliária.

Então foi montado um edital para se fazer o autódromo. A empresa que montou o edital é a mesma que participou, sozinha, do edital. Ela criou, participou sozinha e ganhou a licitação e vai construir um autódromo de mais de 1 bilhão de reais, sendo que o capital de giro deles é de 100 mil. Então, num momento de pandemia, com a economia prejudicada no mundo e a gente observa que o cara está com um discurso de investidores. Esses investidores simplesmente não existem e a gente não acredita que vai sair autódromo. O que aí, com isso acontecendo, num belo momento vão querer construir outra coisa. Sendo que no edital diz que o vencedor e dono de 40% das terras. Então estamos falando de apropriação de terras públicas. Não falamos só de construir autódromo. [O terreno da floresta pertence às forças armadas, logo a União]

JAV – Quais vão ser as consequências para a região se a floresta for derrubada?

FC – A consequência ambiental é de que aquilo ali vai virar uma ilha de calor. Nos osmos privilegiados de ter uma floresta daquele tamanho, são 200 campos do Maracanã de Mata Atlântica. Além da questão da ilha de calor, vai piorar as enchentes. A gente está sentado aqui em cima do Rio Calogi [rio que corta o bairro de Guadalupe, onde foi realizada a entrevista] que passa exatamente na floresta. Passam dois rios na floresta, esse aqui e o Rio Marangá, que afeta mais a população de Ricardo de Albuquerque.

Tem gente que acredita que o autódromo vai trazer desenvolvimento pra região. Pode até ser. Só que acredito que essas pessoas estão sendo enganadas. Quem acredita nessa história, a gente pega por exemplo a Reforma Trabalhista e da Previdência foi dito que iria gerar milhares de empregos e a gente viu que foi ao contrário. E na Floresta do Camboatá é a mesma tática, mesma mentira de que vai trazer emprego e desenvolvimento pra região. E se vai trazer isso tudo mesmo, porque não se faz ao lado da floresta? É na mesma região. Por que não se faz esse autódromo ao lado, onde não tem floresta, na região de Gericinó e Ricardo de Albuquerque, que sendo lá vai trazer os mesmos efeitos?

Projeto de como será o autódromo se a floresta for derrubada. Foto: reprodução.

JAV – Como as forças armadas estão se posicionando em relação a isso agora no Governo Bolsonaro?

FC – Esse governo acha que está nos anos 60. Muita gente ainda trabalha no grupo com um certo receio. Nós não estamos mais nos anos 60, então temos que lutar para zelar pela nossa democracia. Sendo que o glorioso Exército Brasileiro está tendo seu nome jogado na lama. Principalmente por certos coronéis e generais que estão se associando a essa empresa, fantasma praticamente, que ganhou a licitação. Eles estão se comportando como empregados dessa empresa.

Grande parte desse problema é uma lei que a Dilma Roussef assinou. Antes da lei, todo dinheiro que era arrecadado com venda de terreno da união ia pro tesouro nacional. A Dilma Roussef assinou uma lei onde toda terra das Forças Armadas que é vendida por elas tem o dinheiro indo para as próprias forças. Então, acho que a partir dessa lei os generais mudaram a postura e ficaram mais gananciosos. E quero deixar claro que tem o joio e o trigo nessa história.

Tem gente dentro das Forças Armadas que são contra a venda da floresta principalmente porque sabem sua importância, ecológica e histórica pra alguns militares e pra cidade. Porque la dentro temos um reservatório de água de mais de 100 anos que está lá intacto. Tem o Castelinho que era uma base que o exército utilizava para pombos-correios na época em que eles eram usados e tem uma arquitetura espanhola e que muitos militares do Exército não estão nem ai. Então quando falamos Exército estamos falando de alguns generais gananciosos que estão querendo vender a floresta pra ter suas empresas lá servindo a especulação imobiliária.

JAV – Mande uma mensagem para os leitores do Jornal A Verdade.

FC – Primeiro quero pedir que conheçam nossa luta pelos nossos canais (Facebook e Youtube), nesses canais temos vídeos curtos que explicam nosso movimento. Pessoas importantes tem nos apoiado. Como Caetano Velloso, que já foi morador de Guadalupe, Cristiane Torlone que é a madrinha do movimento, Mateus Solano, Luisa Mel e o Lewis Hamilton que ainda falou “se cortar uma árvore somos contra”. Então é importante as pessoas estarem conosco.

Essa história só tem um lado, dentro do jornalismo normalmente existem dois lados, um contra e outro a favor. Mas nessa história só existe um lado certo, que é o lado da proteção ambiental, no mundo que a gente vive não dá para negligenciar uma árvore sequer. Nada de meio ambiente. É superimportante para a vida das pessoas, para o futuro da humanidade. Acho que a pandemia veio para mostrar isso, essas mudanças climáticas… Os recados estão sendo dados, nos estamos aqui dando uma parcela do recado, mas a natureza está dando seu recado de maneira eficiente, devastadora e trágica. Repito essa história não tem dois lados, fiquem do lado da natureza sempre, da preservação.

Que as pessoas tenham a consciência da sua forma de consumir porque isso impacta na natureza. Muito do que a gente vive é consequência da revolução industrial, do consumismo e do capitalismo que é feito nos dias de hoje. O planeta não é infinito, tudo acaba. Pensem nos seus filhos nos seus netos. Esse é o nosso recado.

Conheça os livros das edições Manoel Lisboa

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias recentes