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sábado, 21 de dezembro de 2024

George Floyd e a questão do racismo: do que precisamos para respirar?

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O DIREITO A RESPIRAR – Luta contra racismo e contra a violência policial mobiliza milhões de trabalhadores e trabalhadoras negros. (Foto: Reprodução/Yorker)
José Levino

RECIFE (PE) – O assassinato brutal, injustificado e covarde por parte de um policial estadunidense do cidadão negro George Floyd, em maio último, na cidade de Minneapolis, Estado de Minnesota, região centro-oeste dos Estados Unidos, foi o estopim para mobilizações populares de massa, que, iniciadas na cidade onde o fato aconteceu, espalharam-se pelo país, depois, pela Europa e outros continentes.

A violência policial contra os pobres nos EUA (assim como no Brasil e outros países), atingindo principalmente os negros, não é novidade. Ocorre diariamente. São centenas, milhares de casos todos os anos. A causa, dizem todos, é um racismo estrutural que permanece apesar dos avanços na legislação e em políticas públicas compensatórias.

É verdade. O que poucos se preocupam em aprofundar é o conhecimento sobre as causas do racismo. Ocorre que sem identificar a causa original, a raiz, o problema continuará existindo em que pesem a revolta, a indignação, os apelos dos órgãos de direitos humanos. 

Onde Está a Raiz?

Qual a causa fundamental, o fato gerador do racismo? Seria uma simples ojeriza à cor preta? Tal resposta, tão repetida, não conta com base alguma na realidade. Quantos brancos não usam roupas, calçados, objetos pretos? Ah, mas acham feio na pessoa, no ser humano. É isso mesmo? Então por que uma infinidade de senhores brancos, no decorrer da história, no mundo inteiro, traía suas digníssimas e belas esposas brancas com as escravas negras que, ainda por cima, eram consideradas culpadas e cruelmente punidas pelas senhoras traídas?

A verdadeira resposta, a identificação do problema-chave, está na escravidão colonial implementada pela burguesia da Europa como meio fundamental de acumulação primitiva de capital.

Nos primórdios da “civilização” ocidental, a escravidão não tinha cor. Ela se dava por dívidas ou pela dominação de um povo por outro nas guerras de conquista. Não importava se o dominado era branco, preto ou amarelo.

Quando se lançou a partir do século 15 a invasão, a ocupação e a anexação de outros povos, a burguesia europeia esperava contar com a mão de obra nativa, a qual batizou de índios ou indígenas, apesar das enormes diferenças entre os povos. O grau de desenvolvimento dos astecas e maias, por exemplo, era bem maior do que o dos tupinambás e tamoios.

A escravização dos povos originais não funcionou. Não porque estes povos eram preguiçosos, como afirma ainda hoje a cultura dominante. É que eles trabalhavam para viver. Não viviam para trabalhar em vista do enriquecimento da minoria dominante, do seu luxo, de sua ambição ilimitada.

É quando se impõe o tráfico de povos africanos, o comércio abominável de seres humanos, a travessia do navio negreiro tão brilhantemente descrita pelo poeta brasileiro Castro Alves.

Mas, por que a África? Por causa da cor negra dos seus habitantes? Claro que não. A estratégia do capital é buscar suas fontes onde estas lhe sejam mais favoráveis. É o que chamam de senso de oportunidade, olho clínico, visão empresarial.

Tais condições favoráveis se apresentaram em vários países do continente africano, entre outros, Congo, Angola, Sudão, Benim, Mali, Nigéria. Nesses países, onde o regime de comunidade primitiva já estava sendo substituído pela sociedade de classes, tribos dominadas eram vendidas aos comerciantes (traficantes) de seres humanos, que atendiam à demanda dos capitalistas colonizadores das Américas.

A Escravidão nos EUA

Assim foi nos Estados Unidos da América do Norte.  Massacrados os indígenas (leiam Enterrem meu Coração na Curva do Rio, obra escrita por Dee Brown), os colonizadores ingleses apelaram para o tráfico de povos africanos a partir de 1526.

O/a escravo/a recebia nos EUA tratamento igual ao que lhe era dado no Brasil ou nos países de língua espanhola. Não era cidadão/ã, era instrumento de trabalho, mercadoria. Podia ser vendido, trocado, punido ante qualquer desobediência ou indisciplina, com açoitamento público, mutilação, acorrentamento, marcação com ferro, morte. Casamentos com brancos eram proibidos, assim como a prática de suas religiões, consideradas satânicas. Os praticantes eram capturados e mortos.

O processo de abolição foi gradativo e também sem nenhuma preocupação com inclusão social. Deste modo, depois de libertados e sem espaço no mercado de trabalho, muitos se dedicaram à mendicância e à contravenção, raízes da pobreza, da marginalidade, da criminalidade.

Os ingleses implantaram 13 colônias nos Estados Unidos, independentes entre si. A unificação se dá em 1776, após a Proclamação da Independência (1775). Formou-se uma federação com relativa autonomia entre os estados-membros. A primeira Constituição foi proclamada em 1787. A Constituição incorpora a Declaração dos Direitos do Cidadão. Mas a escravidão continua.

O desenvolvimento econômico não foi igual nas 13 colônias. O Norte avançou mais rápido no processo de industrialização, tornando-se favorável à abolição da escravatura, que não é adequada ao trabalho industrial, que exige mão de obra como mercadoria, mas livre para a concorrência entre os capitalistas. O Sul, cuja economia continuava movida pela agricultura da grande plantation, defendia a permanência do escravismo.

Com o apoio do Norte, o advogado Abraham Lincoln se elegeu presidente da República em 1860, com a bandeira da abolição. O Sul declarou sua ruptura, criando os Estados Confederados da América. Em consequência, instala-se a Guerra de Secessão, que duraria até 1865.

Abolição Para Inglês Ver

Ainda na vigência da guerra, a abolição da escravatura é proclamada em 1863. Na comemoração do primeiro centenário da lei, o pastor Martin Luther King irá declarar: “Não haverá tranquilidade nem sossego na América enquanto o negro não tiver garantidos os seus direitos de cidadão… Enquanto não chegar o radiante dia da justiça… A luta dos negros por liberdade e igualdade de direitos ainda está longe do fim”.

Na verdade, a escravidão só foi oficialmente abolida em todo o país unificado, após a derrota dos escravocratas, em dezembro de 1865, com a promulgação, pelo Congresso, da 13ª Emenda Constitucional.

A igualdade constitucional de direitos nunca se tornou igualdade real. Segregação em escolas, igrejas, transporte público, dificuldade de emprego e postos com remuneração inferior, restrições ao direito de voto, criação de organizações secretas para perseguir e matar negros, com destaque para a Klu Klux Klan, cujos rituais foram imitados em manifestação recente na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, por grupos de extrema-direita apoiadores do governo de Jair Bolsonaro.

Movimentos por direitos civis dos negros explodiram nas décadas de 1950 e 1960, tendo os dois principais sido liderados pelo pastor protestante Martin Luther King (1929-1968) e por Malcolm X (1925-1965), ambos assassinados.

Inicialmente, a diferença entre Luther King e Malcolm X era mais de método – o primeiro, pacifista, e o segundo defensor da ação violenta – em vista da efetivação dos direitos. Malcolm X, entretanto, depois de afastado de sua função de ministro islâmico, aprofundou seus estudos e análise da realidade, compreendendo que a questão do racismo não seria resolvida dentro do capitalismo, passando, assim, pela Revolução Socialista. Com essa visão, criou a Organização de Unidade Afro-Americana, que não teve continuidade após sua morte.

Inspirou, entretanto, o Movimento Panteras Negras (1966-1982), que combinou ações sociais de massa com ações armadas. Defendia a autogestão das comunidades afro-americanas e uma perspectiva socialista: “Se os homens de negócio brancos não proporcionarem emprego para todos, então os meios de produção devem ser tomados deles e colocados à disposição da comunidade”.

Depois dos Panteras Negras, não surgiram movimentos organizados e com poder de mobilização de massa. Houve a surpresa da eleição de um negro (Barack Obama) para a Presidência dos Estados Unidos por dois mandatos. Obama governa por oito anos, mas não realiza mudanças significativas quanto ao racismo nos EUA. É mais uma prova histórica de que assumir o governo e ter poder não são sinônimos, e que era uma ilusão a promessa de campanha de Obama de unir o país e superar as desigualdades.

A pandemia da Covid-19 está se constituindo em mais um elemento para desmascarar os EUA como exemplo de direitos humanos para o mundo, e de democracia. O país é o primeiro em número de casos e vítimas da doença (o segundo no ranking é o Brasil. Mero acaso?).

O Caminho

Os movimentos nos EUA, no Brasil, como em qualquer país – precisam compreender, como Malcolm X compreendeu, que não há solução para o racismo dentro do capitalismo. Foi este que gerou o racismo ao promover a escravidão colonial como fonte do seu crescimento.

Muitos se contrapõem a essa visão, citando que em Cuba houve uma Revolução Socialista em 1959 e, 60 anos depois, ainda existe racismo. É claro que a socialização dos meios de produção, por si só, não extingue os males gerados pelo sistema de exploração. As mudanças culturais não são automáticas. Elas levam muito mais tempo para se consolidar.

Entretanto, a substituição do capitalismo, enquanto um sistema concentrador de renda e riqueza, que, ao mesmo tempo em que moderniza e aumenta a produção de bens, cresce na mesma proporção a pobreza, a miséria, a exclusão, é condição fundamental para que a humanidade vá superando os preconceitos de raça, gênero e tantos outros.

Sem essa perspectiva, novos George Floyd (EUA) e João Pedro (Brasil/RJ) continuarão perdendo precocemente a vida, vitimados por balas procedentes dos fuzis apontados pelas forças defensoras do regime opressor, por serem integrantes das classes oprimidas, cujas vidas não têm importância para o sistema, independentemente da cor de sua pele.

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