Desde junho, a força de intervenção militar no Ministério da Saúde conta com a presença de 25 oficiais, nomeados para cargos diversos na pasta, mesmo não possuindo qualquer formação ou experiência específica. Nunca na história brasileira o ministério foi dirigido por militares, nem mesmo durante os 21 anos de ditadura (1964-85). O resultado é que mais de 60 mil pessoas já morreram de Covid-19 desde que as Forças Armadas assumiram o comando da Saúde e do combate à pandemia.
Por Paulo Henrique Rodrigues
Rio de Janeiro
BRASIL – Os militares começaram a ocupar o Ministério da Saúde em 22 de abril deste ano, quando Nelson Teich – o segundo ministro civil a ocupar a pasta no governo Bolsonaro – nomeou o primeiro militar como secretário-executivo do Ministério, o general de divisão Eduardo Pazuello. Vinte e um dias depois (13 de maio), já eram 13 militares no Ministério. Teich ficou menos de dois meses no cargo, e foi substituído em 15 de maio pelo general Pazuello. Já no início de junho, a força de intervenção militar chegou a 25 oficiais, nomeados para cargos diversos, mesmo não possuindo qualquer formação ou experiência específica. Nunca na história brasileira a pasta foi dirigida por militares, nem mesmo durante os 21 anos de ditadura (1964-85).
Quando o general Pazuello assumiu a pasta como ministro interino, em 15 de maio, o número de brasileiros mortos pela Covid-19 era de 14.817. Dois meses depois os mortos eram 75.523, um aumento estrondoso de 509,7%! Em apenas vinte dias à frente do ministério, o general Pazuello levou o Brasil a assumir o vergonhoso primeiro lugar do mundo em número de mortes diárias pela doença. Esta situação trágica perdura de forma praticamente ininterrupta até hoje. O país também tem ocupa o lugar de segundo maior número de casos no mundo, só superado pelos EUA, de Donald Trump, herói, modelo e patrão do ex-capitão Jair Bolsonaro. Tais números configuram uma tragédia sem paralelo no controle de uma doença contagiosa que em qualquer outro governo seria motivo mais do que suficiente para uma mudança radical de rumo e de responsável pelo Ministério da Saúde.
Ao longo do seu desastroso comando, o general Pazuello protagonizou façanhas impensáveis e bisonhas. A pedido de Bolsonaro, tentou esconder o número de casos e mortes no país, apenas para se desmoralizar diante de iniciativas dos secretários estaduais de saúde e da imprensa, que se organizaram imediatamente para reunir e divulgar os dados.
Ao invés de organizar a logística de aquisição e distribuição de testes para diagnosticar os casos da doença, equipamentos de proteção individual (EPI) para os profissionais de saúde e respiradores para os doentes graves, o general-ministro organizou protocolos para a aplicação de cloroquina e hidroxicloroquina, que não só não têm nenhum suporte científico para o tratamento da doença, como podem comprovadamente provocar sérios danos colaterais.
As desastradas ações do general Pazuello à frente do ministério não pararam por aí. Para agradar seu “comandante supremo”, Pazuello exonerou os servidores Flávia Andrade Nunes Fialho, coordenadora de Saúde das Mulheres, e Danilo Campos da Luz e Silva, coordenador de Saúde do Homem, pelo suposto malfeito de terem assinado nota técnica a respeito da manutenção dos serviços de saúde sexual e saúde reprodutiva durante a pandemia. No afã de tentar esconder dados sobre o avassalador avanço da Covid-19, ele chegou a ameaçar os servidores que deixassem “vazar informações” de enquadramento na Lei de Segurança Nacional (LSN), como noticiou o Correio Braziliense, em 18 de junho.
O trágico aumento dos números de casos e mortes pela Covid-19 no período em que o general Pazuello está à frente do Ministério da Saúde foi objeto recentemente de duras críticas aos militares pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que equiparou a pandemia no Brasil a um genocídio. Tais números, o dispêndio de energia em ações duvidosas e não no que deveria ser prioritário, além das tentativas de esconder informações da população e de constranger servidores públicos do Ministério da Saúde, também contribuem para desgastar ainda mais a imagem dos militares junto à população. A reação do Ministério da Defesa à fala de Gilmar Mendes revelou que a cúpula das Forças Armadas está cada vez mais incomodada de ver sua imagem e prestígio ser prejudicados pelo general Pazuello e seus mais de 20 assessores nesta inédita e desastrosa intervenção num ministério tão chave quanto o da Saúde. Para o bem da população, a intervenção militar na pasta deve acabar imediatamente e Pazuello voltar para o quartel.